Ao anunciar, na terça-feira, sua saída da presidência da Fifa, Joseph Blatter também decretou o final de uma era no futebol mundial. Em quatro décadas, em dupla com João Havelange, o suíço foi coadjuvante e depois protagonista da transformação de um esporte popular em uma indústria bilionária - movida, como investigadores vêm comprovando, por um amplo sistema de propinas e corrupção.
Dias depois de vencer sua quinta eleição para cuidar de cofres abarrotados com US$ 1,5 bilhão em reservas pós-Copa, depois de ter gritado forte contra os Estados Unidos e a investigação que prendeu sete dirigentes na semana passada, Blatter surpreendeu até funcionários da Fifa e pediu para sair em um pronunciamento rápido. Foi pressionado pela divulgação de documentos que levam as suspeitas de corrupção a seu braço direito, Jérôme Valcke - o organizador do Mundial brasileiro teria intermediado uma propina de US$ 10 milhões referente à escolha da sede da Copa anterior.
Ambas as figuras - o cargo de secretário-geral e propinas para contratos de TV ou votos para a sede de uma Copa - são centrais para entender o que significa a saída de cena de Blatter. Foi ao assumir o mesmo cargo de Valcke, em 1981, que ele ajudou a pôr em prática a estratégia de expansão da Fifa planejada por Havelange. O primeiro passo havia sido do brasileiro: unir-se com patrocinadores como Adidas, Coca-Cola e McDonalds para rentabilizar a paixão. O segundo, tornar a paixão mundial - em 1982, a Copa já tinha 24 seleções, número que aumentaria para 32 em 1998. Mesmo ano em que Blatter assumiu o cargo de presidente, desocupado por Havelange após 24 anos.
Ok, ficou claro que secretário-geral é posto de relevância. E onde entra a propina? De acordo com as investigações recentes, em todo lugar. A venda de direitos de transmissão dos jogos foi o centro do primeiro escândalo a abalar seriamente Blatter, o caso ISL, que envolveria subornos para a venda dos direitos de TV nas Copas de 2002 e 2006. Havelange, por sinal, deixou de ser presidente de honra da Fifa justamente quando veio à tona a informação de que aceitou propina, junto com o genro Ricardo Teixeira. Agora, a investigação aponta para corrupção na escolha de África do Sul, Rússia e Catar para sediar Copas.
Blatter havia driblado todas as suspeitas e, atacante abusado, passou o fim de semana esbravejando contra os investigadores. Tudo mudou quando a suspeita chegou em Valcke, hoje no cargo que o levou ao topo. O jogo ficou perigoso; em vez dos balõezinhos na imprensa, comitê de ética e Justiça, o suíço foi para a retranca. Sabe quão próximo um secretário-geral é de um presidente da Fifa.
Como um guri dono da bola, que acaba com o jogo quando a mãe chama para a janta, se despediu prometendo mudanças drásticas (o discurso na íntegra, em inglês, está aqui). Quer que a Fifa tenha poder de vetar dirigentes suspeitos em seu Comitê Executivo, em vez de aceitar os de fama duvidosa apontados pelas confederações continentais. Quer limitar o tempo de mandato de presidentes, para que haja renovação.
De cabeça erguida, jurando inocência, Joseph Blatter quer impedir que surjam outros... Blatter.
Diogo Olivier e Rodrigo Müzell analisam o que significa, para o futebol, a renúncia