- Trabalho com isso há 30 anos e nunca tinha visto um atleta chorar tanto - conta o então diretor de futebol do Grêmio, Paulo Pelaipe.
Talvez não houvesse no mundo, naquele janeiro de 2012, jogador mais entusiasmado do que o uruguaio Gonzalo Sorondo. Embora fosse um zagueiro de expressão austera e estilo discreto - como costumam ser os zagueirões de 1m90cm -, ele relampejava de alegria com a nova fase que o aguardava.
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Aos 32 anos, recém havia sido dispensado do Inter. Tinha um futebol acima da média, mas a sucessão de contusões parecia incontrolável: sofria com problemas no joelho, na coxa, no tornozelo, na clavícula - foram quatro anos no Inter e apenas 77 partidas. Sorondo nunca entendeu por que as lesões o perseguiam. Era um profissional dedicado, dormia cedo, nunca fumou, se alimentava bem.
- Não consigo explicar. Eu pensava: "Putz, eu me cuido, me esforço nos treinos, faço de tudo para me recuperar. Por que isso ocorre comigo?" - relembra ele, falando por telefone de Montevidéu.
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Mesmo assim, o Grêmio quis pagar para ver. Agradecido, comovido com a oportunidade, Sorondo dormia toda noite repetindo "eles acreditaram em mim", "não posso decepcioná-los", "darei a volta por cima", "ganhei uma nova chance". Já nos primeiros treinos, na pré-temporada em Bento Gonçalves, o zagueiro ganhou a admiração do técnico Caio Júnior pela gana com que disputava cada bola.
E foi em uma dessas divididas, na manhã ensolarada de 7 de janeiro, que o jovem Leandro tentou driblá-lo na entrada da área. Sorondo, atento à jogada, virou o corpo para marcar o atacante: o tronco e o quadril obedeceram, partiram em direção ao oponente, mas o pé direito estacou na grama. Era o joelho pedindo socorro. Outra vez o joelho direito. Sorondo ainda nem estreara pelo Grêmio.
- Percebi na hora, tinha rompido os ligamentos. O que pensei foi: "Acabou a minha carreira, estou aposentado." - conta o uruguaio, a voz agora meio trêmula.
Naquele instante, quando sentiu a distensão, Sorondo não caiu. Manteve-se de pé, deixou o gramado caminhando, a cabeça erguida - não queria desmoronar de novo. Poucas horas depois, informado da situação pelos médicos, o diretor Paulo Pelaipe chamou o atleta em seu quarto, no hotel onde o grupo se hospedava na serra gaúcha. Ali, sim, o zagueirão veio abaixo.
- Ele soluçava de tanto chorar. Foi muito triste. Foi um dos momentos mais marcantes que vivi no futebol - afirma Pelaipe.
- É que eu queria muito continuar. Por mim e pelas pessoas que confiaram no meu trabalho - reflete Sorondo.
Em fevereiro deste ano, 13 meses depois da lesão no Grêmio, ele tentou retomar a carreira pelo clube que o revelou, o Defensor, do Uruguai. Mas só jogou três amistosos. Abandonou em definitivo os gramados em junho, aos 33 anos. Na sua casa em Montevidéu, onde mora com a namorada Florencia - os três filhos vivem com a primeira mulher -, Sorondo dá início à trajetória como empresário de futebol. Está agenciando quatro meninos que, em breve, pretende ver em grandes clubes.
Conforme Paulo Pelaipe, os garotos terão como modelo "um homem digno, profissional como poucos". Vão ganhar orientações de um zagueirão que era duro no campo, mas nem tanto fora dele.
A hora de parar
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Paulo Germano
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