Mesmo com o prospecto apavorante de ter que entrar no vestido de casamento, a única razão boa o suficiente para Cindy Brandecker iniciar um treino de corrida seria se estivesse sendo perseguida por alguém.
Por isso Brandecker, de 32 anos, pagou em duas ocasiões a soma de 75 dólares para passar a noite de sábado sendo perseguida por hordas profissionais de mortos-vivos cobertos de sangue que tropeçavam (e corriam) na Run For Your Lives, uma corrida de cinco quilômetros repleta de zumbis e obstáculos apocalípticos como casas cheias de fumaça e fios desencapados.
Foto: Fred R. Conrad
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- Eu odiaria fazer os cinco quilômetros tradicionais - afirmou Brandecker, de South Bound Brook, Nova Jersey, que perdeu todas as bandeiras em ambas as corridas. - Não entendo esse povo que acha correr divertido, mas com obstáculos e gente querendo te pegar, a coisa fica muito mais gostosa.
Os puristas podem até dizer que zumbis não correm, mas as vagas para os mortos-vivos - nas quais os participantes se fantasiam, usam pústulas falsas e marcas de mordida e precisam perseguir os corredores - ficam esgotadas quase que imediatamente.
Durante um recente evento do "Run For Your Lives" em uma plantação de árvores de Natal em Medford, Nova Jersey, havia 750 zumbis e 7,5 mil corredores. Como é comum acontecer nesse tipo de evento (atualmente existem cerca de meia dúzia de empresas que oferecem o serviço), a multidão era composta de corredores de primeira viagem e zumbis traidores, muitos dos quais usam câmeras de vídeo presas a capacetes para poderem postar os vídeos no YouTube.
Os zumbis estão em toda parte: no sucesso de TV "The Walking Dead", no filme "Guerra Mundial Z", estrelando Brad Pitt, em "É o Fim", de Seth Rogen, e até mesmo nos veneráveis Archie Comics, que estão preparando uma série com histórias de zumbis.
Aliadas à nova mania por corridas em terrenos lamacentos, as hordas de comedores de cérebro infestaram o mundo do esporte, com eventos em todos os Estados Unidos, incluindo a corrida "Walking Dead Escape" na Comic-Con de julho. Portanto, não é grande surpresa que exista um aplicativo chamado "Zombies, Run!", que angariou o financiamento em menos de uma semana no Kickstarter. Lançado em 2012, ele já foi baixado mais de 500.000 vezes.
Ao contrário de corridas extremas ou até mesmo das normais, o escapismo e a diversão são o ponto central das corridas com zumbis; correr até o limite dos músculos não. Na corrida "Run For Your Lives", os participantes podem desviar dos obstáculos e têm poucos incentivos para manterem o ritmo à frente do pelotão central, e muito menos para correrem mais do que todo mundo.
- Fiquem em grupos - números têm força - afirmou Barry Tsang, de 35 anos, de Jersey City, Nova Jersey, aconselhando os corredores dos últimos grupos, depois de ter sobrevivido ao evento de Nova Jersey.
Danielle McDevitt, de 31 anos, de Absecon, Nova Jersey, uma zumbi que portava um vestido de oncinha e um colar com a palavra "SEXY", se inscreveu com a irmã para que pudessem correr atrás dos maridos, que estavam entre os "vivos".
- Nos dias de hoje as coisas são levadas tão a sério - afirmou. - Nos preocupamos com o emprego e a hipoteca. Esse era um momento em que não precisamos nos preocupar, em que pudemos brincar, fazer bobagem e dar boas risadas.
McDevitt achou que ela e a irmã precisaram queimar mais calorias que a maioria dos competidores, que geralmente terminam a corrida em menos de uma hora, ao passo que os zumbis ficam vagando por aí por cerca de três horas, "durante as quais corremos sem parar". (Os maridos escaparam sem um arranhão.)
A "Run For Your Lives" começou em 2011, como um evento único em um subúrbio de Baltimore para ajudar os fundadores a se livrarem do estoque de roupas esportivas de uma startup que passava por dificuldades. A corrida atraiu 12.000 pessoas do mundo todo.
Este ano, serão realizados 22 eventos nos Estados Unidos e no Canadá, incluindo um em Nova York em outubro. A Zombie Run, uma empresa concorrente que usa um cenário mais amedrontador e uma narrativa cheia de suspense, irá realizar 16 eventos, com o objetivo de ser como a famosa transmissão de rádio da "Guerra dos Mundos" feita por Orson Welles, "na qual as pessoas possam esquecer que estão fazendo algo ensaiado", afirmou Andrew Hudis, de 20 anos, calouro da Universidade da Pensilvânia e um dos fundadores da empresa.
Até mesmo governos municipais realizaram esse tipo de corrida, geralmente como forma de divulgar as iniciativas de preparação contra desastres, desde que o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos criou uma cartilha bem humorada sobre como se preparar para um apocalipse zumbi, em 2011.
- Se você estiver pronto para os zumbis, estará preparado para quaisquer incidentes causados pelo homem ou pela natureza - afirmou August Vernon, chefe de operações da Agência de Gestão de Emergências do Condado de Forsyt, na Carolina do Norte, que realizou uma corrida de cinco quilômetros com zumbis em abril.
Às 7h30 da manhã no evento de Nova Jersey, o sangue (goma xantana misturada com corante vermelho e preto e água) já era preparado em grandes baldes.
O técnico em sangue da corrida, James Howard, de 27 anos, parou em frente de uma grande fila de zumbis, usando um jarro para jogar dois punhados de sangue em cada um.
- Eles ficam aqui o dia inteiro pedindo mais se não falarmos para circularem - afirmou Howard, que herdou o emprego da irmã, que agora trabalha na série da Netflix "House of Cards".
O banho de sangue é o último passo da transformação dos zumbis, que começa quando os aspirantes a atores chegam de fantasia nas mãos na tenda do figurinista. (Vestidos de noiva são uma escolha popular entre as mulheres e Cerisa Michaels, de 35 anos, usou o tomara que caia branco de seu casamento, em 2006. Sim! Ela ainda é casada.) Os funcionários da organização da corrida caminham armados com facas de dois gumes, se oferecendo para fazerem rasgos nas roupas.
Em seguida é a hora da maquiagem, um trabalho de quatro minutos para os zumbis que correm e de oito para os que se arrastam, já que esses "estão mais decompostos, de forma que temos que usar tons de azul e marrom nas olheiras e nas bochechas, além de uma pitada a mais de sujeira", afirmou Crystal Soveroski, de 33 anos, a chefe de maquiagem do evento.
A falta de regras pode ser comum em algumas situações envolvendo zumbis, mas esse não é o caso por aqui. Os recém-defuntos ouvem com alguma impaciência as regras do jogo, que proíbem mordidas e empurrões. Morrer rápido demais desmoraliza os corredores, de forma que os zumbis (espalhados aleatoriamente por uma das 14 zonas) e são instruídos a não puxarem as bandeirinhas na primeira etapa, nem tirar a terceira e última antes de pelo menos metade do percurso.
- Dez, onze, doze, treze e catorze: aqui vocês podem matá-los - gritou Kevin Chilcoat, de 28 anos, o arrebanhador de zumbis oficial da corrida. Um salve foi ouvido da massa de mortos-vivos.
Já no percurso, Jen Gresh, de 41 anos, corria, gritava e dava risadas com um grupo de amigas do tempo do colégio em Oxford, Pensilvânia, com as quais costumava assistir filmes de zumbis em festas nos anos 1980 - além de carregar uma câmera descartável à prova d'água para registrar a ação.
Nenhuma das pessoas do grupo tinha bandeiras intactas ao fim da corrida, embora a amiga Tina Durborow, de 42 anos, tenha dito que ganhar a medalha de sobrevivente nunca foi o objetivo.
- Sempre imaginamos que no apocalipse zumbi, as meninas da turma de 1989 iriam se reunir - afirmou.
The New York Times
Corrida nos Estados Unidos tem zumbis profissionais e obstáculos apocalípticos
Participantes precisam superar com "vida" o percurso de cinco quilômetros do Run For Your Lives
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