Dentro do Friars Club de Nova York, em uma mesa perto do fundo, Bob Arum se inclinava para frente, de olhos bem abertos. Dava para ouvir sua voz: lá vinha outra visão, outra venda - o próximo futuro do boxe, que veio logo depois do futuro anterior e assim por diante - e Arum já havia visto, vivenciado e planejado ganhar dinheiro com esse futuro.
É claro que sim.
Durante boa parte de seus 81 anos e por mais de seis décadas, Arum vendeu seu esporte, seus lutadores e a si mesmo. Ele vendeu lutas no mundo todo, do Orange Bowl, em Miami, ao estádio dos Cowboys, em Dallas, passando até por um pasto em Gardnerville, Nevada; de Ohio à África do Sul e em muitos lugares no meio do caminho. Ele trabalhou com várias gerações de boxeadores, de Muhammad Ali a Manny Pacquiao, à medida que seu esporte passava de um tesouro nacional a um evento corriqueiro e de um esporte exclusivamente americano a uma modalidade cada vez mais global.
Mas Arum ainda não havia visto de tudo. Pelo menos, não até abril. Não até realizar uma luta em Macau, o centro das apostas na China, e ver a que ponto chegavam os números por lá. Arum sabia que havia chegado a uma nova fronteira, tanto para o boxe quando para o resto dos esportes. Essa é a visão que está vendendo, é o próximo "futuro".
- Isso aqui é muito sério - afirmou Arum empolgado, gesticulando enquanto falava - Olhe para o futuro e a verdade é que os Estados Unidos serão um mercado secundário. As oportunidades nos mercados asiáticos vão muito além do que temos aqui.
Arum insistiu que já havia visto o futuro do boxe na China e em Cingapura e talvez em outros lugares da Ásia, como as Filipinas. A luta realizada no dia seis de abril na China - o país que já havia banido o boxe por ser ocidental e violento demais - foi palco da estreia oficial de um atleta olímpico chinês, o que atraiu grandes apostadores para o hotel e cassino Venetian Macau, onde os impostos são bastante atraentes.
Apesar de todo sucesso - o cassino afirmou que esgotou os ingressos da luta e que entre 200 e 300 milhões de telespectadores a assistiram pela TV - o evento foi uma espécie de teste. Arum afirmou que Pacquiao "certamente" faria sua primeira luta desde que foi nocauteado por Juan Manuel Marquez em dezembro, em Cingapura ou em Macau. Arum espera vender a luta por alguma coisa entre 3 e 5 dólares em pay-per-view na China e pelo valor de costume (cerca de 60 dólares) nos Estados Unidos.
- Vamos atrás do dinheiro - afirmou Arum.
Ele riu, mas falava sério.
Antes de Pacquiao se tornar um superastro global, Arum queria apresenta-lo na Ásia, especialmente em Macau. E com os bons resultados do evento realizado pelo UFC em 2012, Arum mostrou para todos que estava certo. No começo daquele ano ele recebeu uma ligação do agente de Zou Shiming, o boxeador chinês que ganhou duas medalhas de ouro. Essa era a peça que faltava no quebra-cabeças.
Assim como quase todos no mundo dos esportes, incluindo empresários ligados a grandes times americanos, Arum queria um lugar na China, com sua população de mais de 1,3 bilhão de habitantes cada vez mais interessados na cultura ocidental. Kobe Bryant deu um curso de basquete em Macau. Rory McIlroy passou por lá durante um tour de sete dias ao longo de sete cidades para jogar golfe. Além disso, o Venetian patrocinou um torneio de golfe durante a temporada asiática.
Arum viajou para firmar um acordo entre Shiming e Edward Tracy, executivo chefe da Sands China, que inclui o Venetian em Macau. Tracy já foi o gestor da Organização Trump, que realizou lutas em Atlantic City, Nova Jersey. Ele concordou em realizar uma luta em Macau, ocorrida em abril.
A logística ficou por conta de Brad Jacobs, produtor do evento para a empresa de Arum, a Top Rank Boxing. Jacobs viajou para a China em fevereiro e durante dois dias se reuniu com fornecedores, funcionários de cassinos e produtores. Ele descobriu que seria caro demais utilizar os caminhões de TV geralmente utilizados nesse tipo de evento internacional; por isso, a Top Rank trouxe vários contêineres de navio e avião com equipamentos vindos de Hong Kong, criando o equivalente a um caminhão de produção dentro da arena do Venetian.
Ao invés de começarem os preparativos na quinta ou sexta-feira antes da luta na noite de sábado, eles deram início aos trabalhos na segunda-feira. A Top Rank enviou quase 20 membros da equipe de produção e contratou mais 70 e poucas pessoas para ajudarem com a iluminação, o som e a produção. Os produtores aprenderam algumas frases em chinês para poderem guiar os cinegrafistas - vá para a esquerda, dê um zoom.
Arum queria recriar a mesma experiência autêntica de uma grande luta realizada em Las Vegas. Por isso, trouxe o locutor Larry Merchant, o ex-campeão dos pesos pesados George Foreman e o apresentador Michael Buffer. A Top Rank utilizou sistemas de som e iluminação semelhantes e trouxe até um DJ de Las Vegas. Jacobs estimou que o evento tenha custado o dobro do que custaria nos Estados Unidos.
- Acho que, no começo, o público não sabia muito bem o que esperar - afirmou Jacobs - Mas quando chegamos à terceira luta, o público ficava louco como em Las Vegas e Nova York a cada vez que um lutador levava uma pancada no queixo. Eles curtiram muito.
Tracy afirmou que o cassino teve um aumento de 35 a 40% no faturamento geral com apostas durante o fim de semana da luta. Deve-se destacar que o faturamento com apostas em Macau deixa Las Vegas no chinelo (chega a ser seis vezes maior, de acordo com algumas estimativas, e de quatro a oito, segundo outras). Junte tudo isso com a venda de ingressos, a popularidade de Shiming, o histórico das lutas marciais na Ásia e o número potencial de telespectadores (segundo Tracy, o Venetian ajudou a realizar o programa "The Voice" na China, que foi assistido por quase meio bilhão de pessoas) e entenderá o modelo de negócios imaginado por Arum. É o mesmo modelo dos cassinos.
Antes de ir embora, em abril, ele e Tracy concordaram em realizar outra luta em Macau, no fim de julho ou início de agosto, talvez seguida de uma luta com Pacquiao no outono. Arum afirmou que conseguia ver Pacquiao assinando um contrato com o Venetian por 3 a 4 anos, recebendo algo em torno de cinco milhões ao ano.
- Não tenho dúvidas de que o boxe sempre vai atrás do dinheiro - afirmou Tracy - Agora a trilha do dinheiro nos leva diretamente a Macau.
O boxe, que foi considerado morto, ou moribundo, há muito tempo nos Estados Unidos, se tornou cada vez mais global nos últimos anos. Arum citou a popularidade do esporte entre os hispânicos; as lutas realizadas na Inglaterra, Alemanha, e Montreal; e comentou que - o centro de gravidade do boxe americano se mudou para o oeste e o sudoeste.
Arum afirmou que, se o modelo chinês funcionar, isso aumentaria a popularidade do boxe no mundo todo, pois demonstraria um interesse global no esporte e porque abriria novos caminhos na China, acompanhado de outros esportes e redes de televisão. Ao menos, essa é a propaganda.
- Essa é uma parte intrigante da globalização - afirmou Merchant - O que é mais curioso é a novidade e os números. O número de zeros nas estimativas é impressionante, inédito e assustador para os promotores desses eventos. Só que ninguém sabe onde isso vai parar.