A maior preocupação dos organizadores dos Jogos Olímpicos de Inverno do ano que vem não é saber se os locais de evento estarão em ordem, ou se a nova estrada de 50 quilômetros, as linhas de trem e os milhares de quartos de hotel que estão sendo construídos do zero ficarão prontos, ou ainda se as arquibancadas ficarão cheias de gente, apesar da distância da cidade.
A maior preocupação é algo que os russos não podem controlar: o clima. Contudo, eles têm muitas razões para se preocuparem.
Os últimos Jogos de Inverno foram realizados em 2010 na cidade de Vancouver, assombrada por temperaturas estranhamente amenas para a Colúmbia Britânica. As competições de esqui foram adiadas diversas vezes por conta da neblina e da instabilidade da neve. Montes de feno foram escondidos por baixo da neve em vários locais para poder criar os trajetos. A imagem mais inesquecível dos jogos foi a dos helicópteros que carregavam neve até o local da competição de snowboard.
Em Sochi, a preocupação é maior. Essa cidade de quase 500.000 habitantes fica à beira do Mar Negro e exibe belas palmeiras e flores o ano todo. Diferentemente de Vancouver, onde a maior parte dos eventos ao ar livre era realizada a 90 minutos de distância, na cidade de Whistler, os locais nas montanhas do Cáucaso ficam a apenas 30 minutos da cidade, no alto de grandes desfiladeiros.
A organização criou um plano que não inclui helicópteros nem montes de feno. Conscientes dos problemas ocorridos em Vancouver, os organizadores dos Jogos Olímpicos de Sochi instalaram o que chamam de a maior operação de fabricação de neve da Europa. Mais de 400 canhões de neve parecidos com motores a jato estão produzindo enxurradas de cristais de neve para os Jogos Olímpicos do ano que vem.
Sob a orientação da empresa finlandesa Snow Secure, o objetivo desta temporada é juntar 500.000 metros cúbicos de neve em 10 bolsões frios acima dos locais dos eventos. As grandes pilhas serão cobertas com cobertores de isolamento parecidos com grandes tapetes de ioga para proteger a neve do calor do verão.
Cerca de metade da neve pode derreter até o próximo inverno, mas os administradores afirmam que poderão realizar o evento mesmo que não caia neve no inverno do ano que vem. A neve estocada pode ser levada até a base da montanha com ajuda dos Sno-Cats, ou empurrada com escorregadores íngremes - canos de um metro de diâmetro cortados ao meio - criados para levar a neve aos lugares onde é mais necessária.
"Cada evento nas montanhas tem suas peculiaridades", afirmou Valeriy Lukjanov, cujo trabalho é prever o clima dos Jogos Olímpicos de Sochi, talvez a tarefa menos agradável da competição. Lukjanov estava recentemente em seu escritório nas montanhas onde mais de metades dos eventos será realizada.
"No ano passado, havia um metro de neve em frente a essa janela", afirmou Lukjanov, mas em 2013, um ano antes dos jogos, não havia nada.
Os locais onde serão realizadas as competições nas montanhas - não apenas nos cinco centros olímpicos, mas também os resorts da região - são quase todos novos, construídos desde que a Rússia ficou sabendo que sediaria os jogos, há seis anos. Sochi não tem muita experiência com eventos esportivos de nível mundial e os dados do histórico climático são limitados demais para que se possa saber ao certo quais são as possibilidades para o clima.
Com poucas exceções, as estações climáticas só foram instaladas em 2010. O que os russos aprenderam desde então é que o clima das montanhas de Sochi é extremamente imprevisível.
Em fevereiro, a Copa do Mundo de Snowboard Cross e Esqui Cross foi cancelada por conta da falta de neve. Dois anos antes, parte das competições da Copa Europeia de Esqui Alpino foi cancelada por conta do excesso de neve.
"Durante os jogos, teremos mais neve e os eventos serão realizados", afirmou Dmitry Chernyshenko, presidente do comitê de organização dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi de 2014, em uma entrevista.
Chernyshenko e outros líderes russos elogiam o tamanho compacto dos Jogos Olímpicos de Sochi. Os locais dos eventos foram divididos em duas áreas: a "costeira" e a "montanhosa". A Área Costeira consiste em cinco arenas próximas ao mar para eventos internos, como patinação artística, patinação em velocidade, hóquei e curling. O sexto local é um estádio que será utilizado para as cerimônias de abertura e de encerramento.
A temperatura máxima em fevereiro gira em torno dos 10 graus em Sochi. O céu fica constantemente nublado e a neve só cai de vez em quando. Para mostrar como Sochi é pouco "invernal", a cidade sediou em fevereiro um evento nacional de marcha atlética - um esporte raro dos Jogos Olímpicos de Verão, disputado no mesmo local e época dos Jogos Olímpicos de Inverno do ano que vem.
A temperatura na cidade de Sochi não é a maior preocupação de Lukjanov, o vice-diretor do serviço russo de meteorologia, que foi designado meteorologista-chefe dos Jogos Olímpicos no ano passado. Ele supervisiona uma equipe de 50 pessoas dedicadas a analisar e prever o clima na região até fevereiro do ano que vem. A equipe conta com 37 meteorologistas. A maior parte dos demais é composta por técnicos de dados, que ajudam a avaliar as 50 estações meteorológicas remotas que foram instaladas em todo o vale nos últimos três anos.
Seu objetivo primário é explorar e prever todas as possibilidades, especialmente em locais localizados nos platôs elevados que se espalham por todas as montanhas acima do vale, a cerca de 500 metros acima do nível do mar. Embora os novos locais sejam tão próximos que se parecem com uma constelação em um mapa - chegar a qualquer um deles partindo do vale não demora mais do que 15 minutos -, eles se encontram a diferentes altitudes. Todos têm suas características climáticas próprias.
O Centro de Saltos RusSki Gorki, facilmente avistado da estrada, se encontra a cerca de 610 metros de altitude, entre duas cristas que protegem do vento as pistas de salto. Mas em fevereiro não havia neve acumulada no local e parte dos treinamentos foi cancelada devido às chuvas pesadas. Parte das encostas da região está sendo reforçada por conta de problemas com deslizamentos de terra.
Nos arredores, o Centro de Sliding de Sanki, onde ocorrem as competições de bobsled, luge e skeleton, fica em um platô a 700 metros. A maior parte da pista é coberta, de forma que o clima provavelmente não atrapalhará a competição. Mas o local parece estar em uma zona de transição. A Copa do Mundo realizada em fevereiro ocorreu em meio a muita neblina e chuva. Por outro lado, um ano antes a pista estava mergulhada sob metros de neve.
O Extreme Park, onde serão realizadas as competições de half-pipe, moguls e slopestyle para snowboard e esqui estilo livre, fica em uma encosta a 1.000 metros de altitude. Temperaturas acima de zero podem atrapalhar a competição de half-pipe e a falta de neve pode dificultar as longas e sinuosas pistas de snowboard cross e esqui cross.
Do outro lado do vale fica o complexo Laura de Biatlo e Esqui, dois estádios em uma plataforma a 1.500 metros de altitude.
"A partir de 1.500 metros, sempre há neve", afirmou Lukjanov. "Sempre."
Como sempre, o local mais preocupante será o da competição de esqui alpino, no novo resort Rosa Khutor. O downhill masculino começa acima da linha das árvores, a cerca de 2.000 metros, e acaba na área de chegada comum, a 940 metros. Assim como em muitas pistas do circuito da Copa do Mundo, a preocupação é saber se haverá neve demais no topo, pouca visibilidade por conta das nuvens ou talvez chuva demais e neve de menos na base.
"Vancouver teve problemas com a neve", afirmou Sergei Estrin, gerente local do esqui alpino. "Tentamos analisar a experiência dos jogos anteriores. É por isso que temos um plano B para o caso de faltar neve. É por isso que damos muita atenção aos possíveis problemas e tentamos resolvê-los adiantadamente."
Lukjanov sorriu quando questionado se havia sido avisado de que deveria dar um jeito de consertar o clima até os Jogos.
"Às vezes não gostam do clima e jogam a culpa no meteorologista", afirmou, descrevendo o problema universal dos profissionais da área. "Para nós, o mais importante é fazer a previsão correta."
The New York Times
Sochi estoca neve para Jogos Olímpicos de Inverno
Organizadores do evento instalaram o que consideram a maior opração de frabricação de neve da Europa
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