O adolescente de 17 anos, integrante da torcida Gaviões da Fiel, que confessou ter atirado o sinalizador que causou a morte de Kevin Espada, 14 anos, no confronto entre Corinthians e San José na primeira rodada da fase de grupos da Libertadores, responderá pelo crime segundo a lei brasileira, e não pela aplicada na Bolívia.
Zero Hora consultou os advogados criminalistas Alexandre Wunderlich e Luiz Cogan e o professor de direito e ciência política Cláudio Preza para responder a algumas perguntas sobre o caso de Oruro. Eles explicam que como o jovem se apresentou à polícia já em solo brasileiro, a Constituição prevê que ele seja julgado em seu próprio país. Diferente é a situação dos torcedores detidos na Bolívia, que respondem ao processo lá.
Confira as perguntas e respostas:
O adolescente que confessou a autoria do disparo do sinalizador deve ser mandado à Bolívia para responder ao processo?
Não. O adolescente será processado e julgado de acordo com as leis brasileiras, uma vez que tenha se apresentado como autor do delito já em solo brasileiro. A Constituição não permite que um cidadão brasileiro seja extraditado, mas, ao mesmo tempo, prevê que ele seja julgado conforme as leis do país. Ou seja: caso o menor tivesse sido detido em Oruro, estaria respondendo ao processo conforme as leis bolivianas, mas como já está no Brasil, responde pela lei brasileira - que prevê como punição, nesse caso, uma medida socioeducativa que chegaria, no máximo, a uma internação por um período de três anos. Se após receber a confissão, o Ministério Público boliviano entender que é necessário abrir um processo contra esse adolescente, ele poderá fazer isso. Sendo ele condenado, o país pediria ao Brasil a extradição para cumprimento da pena, mas, como a constituição não permite que brasileiros sejam extraditados, ele não poderia cumprir a pena lá e valeria a medida socioeducativa aplicada conforme a lei do Brasil, já que ele é adolescente.
O que a confissão do adolescente muda no processo que está sendo respondido pelos torcedores na Bolívia?
A confissão é apenas um dos elementos de prova de um processo criminal. Ela não é definitiva, não encerra o processo, embora seja uma prova muito importante. A justiça boliviana deve pedir que o conteúdo da confissão seja remetido ao país para fazer parte da investigação que está sendo conduzida lá, mas ela será apenas mais uma prova no processo que já está sendo movido contra os torcedores que estão detidos em Oruro. Só se identifica a autoria de um crime com o cruzamento de várias provas. Apenas a confissão não é suficiente para mudar todo o processo, uma vez que é preciso que essa confissão seja contestada e confrontada com outras provas (é preciso levar em conta, por exemplo, que ele possa estar assumindo uma culpa que não é dele em troca de algo, e isso precisa ser investigado também).
Se comprovada a autoria, os torcedores detidos são liberados ou respondem como coautores?
Há uma tendência de que os torcedores detidos sejam responsabilizados como coautores do crime, ainda que seja comprovado que o autor do disparo tenha sido o adolescente. Dessa forma, eles também receberão penas, que serão cumpridas na Bolívia (porque eles foram detidos no país vizinho).
Os torcedores ficarão detidos na Bolívia até a conclusão do processo? Se condenados, cumprem pena na Bolívia ou podem cumpri-la no Brasil?
É muito provável que a Justiça boliviana não libere os torcedores que estão detidos. A tendência é de que a prisão cautelar seja prorrogada e que eles fiquem detidos até a conclusão do processo. A principal razão para isso é o fato de que, caso eles sejam liberados e retornem ao Brasil, passam a ser protegidos pela Constituição Brasileira, que não permite a extradição. Logo, se forem condenados no processo que corre na Bolívia, não poderão ser enviados de volta ao país para cumprir a pena. Assim, a polícia e a justiça bolivianas devem se assegurar de que eles permaneçam lá para que tenham a garantia de que a pena será cumprida. Ainda assim, é possível que Brasil e Bolívia façam um acordo para que esses torcedores sejam mandados de volta ao Brasil e cumpram a pena determinada em solo brasileiro, mas isso depende de negociação.