
A memória do torcedor de futebol é esquisita. É capaz de lembrar daquele jogo perdido de décadas atrás sem remexer nas gavetas da mente, mas esquece de resultados recentes. Veja o caso dos torcedores colorados presentes no Beira-Rio neste domingo (16). A conquista do 46º título gaúcho exemplifica o funcionamento da mente e sua relação com a memória.
O estádio estava repleto de crianças. Muitas vivenciaram o seu primeiro título como coloradinhos. O Gre-Nal 446 ficará engastado para sempre na memória deles. Guris e gurias testemunhas de eliminações demais para quem ainda começa a vida nas arquibancadas. O 1 a 1 com o Grêmio deu cabo a oito, mais de 3 mil dias, de frustrações.
Davi Gasparoto viralizou nas redes sociais em 2022 ao comemorar a classificação para o Colo-Colo no Beira-Rio. Ele tem nove anos.
— Ele acordou de madrugada essa noite e perguntou se já estava na hora de virar para o estádio — conta a mãe Francine Gasparoto. — Já é campeão — interrompeu ele antes ainda de o jogo começar. — Está bem ansioso — completou a mãe.

O torcedor também é um esquecido. No bom sentido. O esquecimento é o que faz ele seguir apoiando o clube do coração apesar das derrotas. Esse "apagão da memória" é responsável por fazer ele voltar ao jogo na partida seguinte a um resultado ruim como se nada tivesse acontecido.
O liga/desliga das lembranças deixa traumas a longo prazo. Os traumas dos últimos anos deixaram os colorados um pouco ressabiados. A festa antes da partida foi grande. Desde o começo do dia fogos espocavam no bairro Menino Deus. Mas ela tinha uma tensão palpável.
— Eu estou preocupado — confessou Jorge Dornelles, 65 anos, ao ver a reportagem.
Colorado talhado nas vitórias dos anos 1970, viveu uma tarde única. Pela primeira vez festejou ao lado do filho Leonardo, 36 anos, e do neto Vitor, oito anos, nascido no ano do 45º Gauchão do Inter.
— Meu pai me trouxe um dia quando eu tava de muletas. Conseguimos uma carona de um estranho para chegar no estádio — recorda puxando da memória. — Não tinha como eu não trazer ele — diz apontando para o filho, apoiado sobre seus ombros.
As sensações dos Dornelles se espalhava por todos os cantos do Beira-Rio. Foram Silvas, Santos, Oliveiras, Souzas e também os Garcias. O vô Edenilson, 65, veteranos de batalhas antigas e recentes, o pai Felipe Garcia, 45, e o neto Benjamim, oito anos.
— Vai ser 4 a 0 — disparou o guri, em uma previsão inconcretizada.
— Estive em vários lugares com o Inter. A expectativa maior é dele. Eles me motivam a vir. Não tem coisa mais gratificante — exclama Edenilson.

Gratificante também foi a palavra utilizada por José Ricardo Araújo, 56 anos. O porteiro aposentado estava acompanhado de amigos. O filho também estava no jogo, mas em outra parte do Beira-Rio.
Hipertenso, Araújo sempre vai para a arquibancada com um pedaço de pano umedecido. Ao longo da partida, vai molhando pulsos, pescoço, testa para aliviar a tensão. O nervosismo deixa o pedaço de tecido em frangalhos. A cada lance um novo pedaço é rasgado.
— É o meu amuleto. Quando confirmamos o título, o que sobrar vai virar bandeira. Vou ficar girando ele — comentou.

No apito final, presente, passado e futuro do Inter se interligaram. Avós, pais, netos, amigos, desconhecidos se abraçaram, alguns com olhos marejados. Festejaram. Uniram gerações. Agora, todos são campeões. E, de memória, cantaram a todo pulmão. "Eu nunca esquecerei, os dias que passei contigo, Inteeeeeeeeeer". A tarde de 16 de março de 2025 nunca será apagada da memória dessa turma.