Paulo Roberto Falcão cunhou a frase que diz que o jogador de futebol morre duas vezes. A primeira quando se aposenta. A segunda no momento em que a vida se esvai do corpo. Desde sábado, D'Alessandro conta os dias para a sua primeira "morte". A partida contra o União-FW marcou o início de sua terceira e última passagem pelo Inter como jogador.
Com contrato de quatro meses, o meia de 40 anos iniciou uma espécie de turnê de despedida no Gauchão. No elenco, será opção para Alexander Medina durante o campeonato. Nos momentos em que não for utilizado, também viajará para se despedir do torcedor colorado do interior, como fez na estreia no Estadual diante do Juventude.
O começo do fim da Era D'Alessandro no Inter foi uma réplica daquilo que o meia passou nos dois últimos anos da carreira, além de ser um spoiler do que ele pode oferecer nos seus últimos dias como atleta profissional. Os números mostram que as pernas começaram a pesar. Tanto no Beira-Rio quanto no Nacional-URU, o camisa 10 se transformou em um jogador de segundo tempo, sem a pecha da expressão.
— A importância (do momento) é o que significa, o legado que você deixou. Muito legal o fato de ele ter voltado para encerrar a carreira e, quem sabe, ter continuidade em outra função. Prazer a satisfação são as palavras que resumem (a situação) — comenta Júnior, comentarista da Rede Globo e campeão brasileiro com o Flamengo aos 38 anos em 1992.
No ano passado, pelo clube uruguaio, o meia disputou 30 partidas, somente quatro como titular. Apenas em uma delas atuou do primeiro ao último apito do árbitro. O seu tempo médio em campo foi de 34 minutos. Os números são similares aos de 2020, último ano de sua segunda passagem pelo Inter. Foram 40 partidas, 15 como titular. Na média, D'Alessandro desfilou o seu futebol por cerca de 37 minutos por jogo.
Há quatro anos, quando retornou a Porto Alegre para ajudar o Inter a sair da Série B, a realidade ainda era outra. O argentino era visto dentro das quatro linhas por 83 minutos, em média, nas 52 vezes em que foi escalado.
— Eu preferia iniciar jogando. No segundo tempo se entra num ritmo diferente, mesmo com o adversário cansado. Eu preferia jogar 60, 70 minutos. Mas isso depende de cada treinador — conta Paulo Baier, apelidado de Interminável devido a longeva carreira, encerrada aos 42 anos.
Sábado, a torcida degustou da classe de D'Alessandro por 15 minutos. Tempo suficiente para deixar uma sensação de quero mais no torcedor, de fazer pensar se ele não pode ser utilizado até o final do ano.
— Acho que ele deve continuar ainda. Tinha que jogar mais um Brasileiro, nem que seja jogando 10 ou 20 minutos. É um desperdício um jogador de qualidade e em forma como ele parar — avalia Baier, atualmente técnico de futebol.
A questão, de acordo com Júnior, para empurrar a carreira por mais alguns meses está na relação entre corpo e mente.
— É melhor você parar do que te pararem. Se a cabeça e a parte física estiverem boas, tem que ir até o final.
A sensação da primeira amostra deixada pelo argentino é que talvez os 120 dias restantes sejam pouco tempo para o torcedor se despedir do seu ídolo. O gol de falta surgiu como um choque de realidade de que uma parte significativa da história recente do Inter está acabando. Em quatro meses, ao que tudo indica, restará a memória dos grandes lances de D'Alessandro.
Falta de criatividade do time
Os instantes que D'Alessandro jogou diante do União foram um exemplo de que muitas vezes é mais importante o que se faz em campo do que o tempo que se passa dentro dele. Sua presença no 2 a o sobre o União-FW foi curta, mas suficiente para impactar no rumo da partida. O time de Medina apresentava muita dedicação, mas apresentava um futebol pouco entusiasmado.
Apesar das novas ideias, quando a bola chegou ao campo de ataque ainda se viu um time tímido ofensivamente. Poucos instantes após a entrada do camisa 10 no lugar de Taison, o volume no campo adversário cresceu. O meia tocou 19 vezes na bola dando à equipe um centro técnico até então inexistente.
— O Inter tem, a meu ver, três jogadores criativos que são Edenilson, Liziero e Boschillia. O D'Alessandro deu uma qualidade melhor por ser um jogador de bom passe e que cadencia bem a bola. Ele tem uma qualidade que está se perdendo no futebol, que hoje tem um ritmo mais acelerado, tem mais força física. Por isso, o time subiu mais um pouco de nível com a entrada dele — avalia Galego, auxiliar de Argel Fucks quando o ex-zagueiro esteve à frente do Inter.
Foram 13 finalizações contra a defesa um time recém-promovido à elite do futebol gaúcho. Quatro delas no gol de Luis Cetin. Além dos gols de bola parada — outro foi de pênalti —, o Inter teve uma grande chance em lance criado por Edenilson em que Taison desperdiçou chance frente a frente com o goleiro.
— Dentro da ideia do Medina, não é o 10 que vai armar as jogadas. Essa função fica a cargo dos volantes. No Inter, ele tem algo próximo com Taison, mas vai precisar dos volantes ajudando. Por isso a chegada de Liziero. A ideia é gerar volume de jogo com ataques rápidos, imposição física e chegadas na área — observa Gabriel Corrêa analista tático do portal Footure.
Até o momento, um jogador mais criativo no meio-campo não está entre as prioridades da direção no mercado de transferências. As movimentações indicam a chegada do lateral Fabricio Bustos, do Independiente. Brian Rodríguez, do Los Angeles Galaxy, é o alvo para entregar mais um atacante de velocidade para Medina. Além de D'Alessandro, o Inter contratou para 2022 o volante Liziero, o atacante David e o centroavante Wesley Moraes.