Trezentos e noventa dias depois, Andrés D'Alessandro voltou a falar como jogador do Inter. Vestindo a camisa 10 que o tornou um dos maiores ídolos da torcida neste século, o argentino foi apresentado na quinta-feira (13), em seu retorno ao Beira-Rio para o cumprimento de um contrato de quatro meses.
Aos 40 anos, D'Ale garantiu que o ponto final de sua vitoriosa carreira será ao término do vínculo, em 30 de abril, quando já terá comemorado seu 41º aniversário. Embora tenha garantido que não decidiu junto à direção sobre o que fará depois de pendurar as chuteiras, ele deixou aberta a possibilidade de exercer um cargo diretivo no clube. Sobre os últimos meses como atleta, D'Alessandro falou em curtir cada momento e disse fazer questão de participar de viagens ao interior mesmo que não seja relacionado pelo técnico Alexander Medina. O objetivo de D'Ale é não desperdiçar nenhuma oportunidade de se despedir dos colorados em diferentes cidades do Estado.
Aposentadoria próxima
D'Alessandro admitiu que encerrar a carreira de mais de duas décadas como jogador foi uma decisão difícil de tomar. No entanto, garantiu ter certeza de que o dia 30 de abril será o último como atleta profissional:
— Preparado a gente nunca está para essa despedida, ainda mais com a torcida. O atleta tem duas vidas dentro de uma. A gente tem uma vida de atleta, mas, depois, tem mais uns 40, 50 anos para vier. Eu tive a sorte de trabalhar com o que gosto e nem todos têm a sorte de fazer o que gostam. Eu trabalhei por necessidade, mas também com vontade no que eu gosto e fui remunerado para isso. O futebol me deu muita coisa. Vai fazer falta, vou sofrer, mas são processos que a gente precisa passar na vida. Vou ajudar nesses quatro meses, mas a minha carreira vai acabar. Vou fazer o que puder até 30 de abril.
Presença nos jogos
Com a certeza de que encerrará sua carreira ao final do atual contrato, D'Alessandro não quer perder um momento dos últimos meses. Por conta disso, o argentino ressaltou seu desejo de estar presente até nas viagens mais distantes do Gauchão:
— O clube não tem nenhuma obrigação comigo. Se foi feita a minha volta foi porque eles acharam que é justo e que eu posso contribuir. Não vou ficar escolhendo viagens. Sei que tem três viagens longas e vou ir. Eu nunca escolhi viagens, sempre foi pactuado com os treinadores, como muitas vezes aconteceu com outros atletas, mas com o D'Alessandro sempre se teve um tratamento diferente. Faço questão de ir porque é uma despedida. Eu preciso do torcedor e o clube também. Eu preciso me despedir, seja em Bagé, Ijuí ou Erechim. Se for para jogar ou não, pedirei para viajar e acompanhar o grupo porque preciso me despedir do torcedor. Necessito ter contato com o torcedor para poder me despedir.
Intensidade em campo
Entre os fatores que fizeram o Inter contratar o técnico Alexander Medina está a intensidade que o uruguaio costuma impor em suas equipes. Com 40 anos, D'Alessandro ressaltou que tem consciência das limitações que a idade pode impor:
— Intensidade no futebol é uma palavra importante hoje. Obviamente que a idade é importante, quando se fala em intensidade, de força e da parte física. Mas ficou muito claro nos quase 13 anos que joguei aqui que nunca faltei ao meu trabalho. Tenho deveres e obrigações e esse ano não será diferente. Se o treinador pedir intensidade, certamente o jogador de 20 anos terá mais, mas eu não ficarei muito atrás. Vou correr junto com ele porque essa é uma meta minha. A gente não pode correr contra o tempo, isso é impossível. Hoje, com 40 anos, trabalho com o grupo, mas tenho que saber as minhas limitações para poder estar sempre.
Declaração sobre o River
D'Ale teve de explicar uma declaração dada na Argentina quando disse que estava mais perto de voltar ao Inter do que ao River Plate porque o time argentino não precisava de um jogador de 40 anos. O camisa 10 justificou a fala como uma maneira de desviar do assunto porque já estava acertado com o Colorado, mas não podia dizer isso publicamente:
— Sabia que teria essa pergunta. Eu já tinha conversado com o Alessandro (Barcellos), mas não podia falar nada até o Inter fazer o seu trabalho interno e o Conselho de Gestão planejar a nova temporada. Eu não queria era trabalhar. Respondi a essa pergunta muitas vezes na Argentina e isso foi o que veio na minha cabeça no momento. Se eu não tivesse a possibilidade de voltar ao Inter, poderia ter no River. Como não tinha outra resposta e não podia falar da minha volta para cá, que estava quase encaminhada, respondi isso.
Contribuição ao time
Tratando a possibilidade de voltar ao Inter como "lucro" a essa altura da carreira, D'Ale disse não ter preocupação com o posicionamento que terá em campo nem com a quantidade de minutos que receberá:
— Estou muito feliz de estar aqui novamente. Essa volta é um ganho na minha carreira. Estou muito contente de poder vestir novamente a camisa do Inter. O que vier daqui para frente será tudo lucro para mim. Conversei com Medina e penso que fica em segundo plano se ele vai me utilizar ou não. Preciso treinar, preciso me sentir. Esses são os últimos quatro meses da minha trajetória dentro do futebol como atleta. Se ele precisar de mim dois ou 20 minutos, vou estar à disposição dele. Se não precisar dentro e precisar fora, também estarei à disposição.
Mentalidade vencedora
Sem a garantia de que terá muitos minutos em campo, D'Alessandro assumiu o compromisso de no vestiário tratar de influenciar o elenco a ter o foco na busca pelo título do Gauchão:
— Tenho um trabalho a fazer nesses quatro meses que é ajudar a comprometer o grupo a ganhar títulos. Faz cinco anos que o Inter não ganha o Gauchão e temos essa obrigação. Nesse clube sempre se tem obrigação de ganhar. Isso é perfil do atleta, é estar convencido, da confiança de cada um do que poderemos fazer. Ninguém conseguirá sozinho, o futebol é coletivo. Devemos unir forças para que o Inter possa ganhar títulos.
Defesa aos companheiros
Diante dos questionamento sobre as críticas ao atual elenco e, principalmente, a jogadores que estão há mais tempo no Beira-Rio sem conquistar títulos, o argentino fez a questão de elogiar quem estava no clube desde a Série B, casos de Edenilson, Cuesta e Dourado:
— Eu não conheço todo o elenco atual. Ele foi mudando conforme a minha saída em 2016 e com o decorrer dos anos seguiu. Sempre o que fica é o torcedor, o clube. Mudam presidentes, mudam jogadores, mas o torcedor fica aqui torcendo e nos apoiando. O elenco atual tem muita gente nova, tem jogadores que trabalharam comigo desde 2017 quando abraçamos a causa da Série B e devem ser reconhecidos como tal. Foi um ano difícil e não é qualquer um que abraça uma causa como abraçamos.
Futuro no futebol
D'Ale, que tem formação como treinador pela AFA (Associação do Futebol Argentino), admitiu o interesse em exercer, antes de ir para a casamata, um cargo de gestão sendo o elo entre o vestiário e a direção. O argentino, porém, reiterou que não conversou com os dirigentes sobre o que fará após o final do seu contrato como jogador.
— Fiz o curso de gestão também. Eu gosto muito da gestão, da coordenação de vestiário de ser esse nexo da diretoria, comissão, diretor executivo trabalhar junto. Estou externando um pensamento do que eu gosto para que esse golpe (aposentadoria) não seja tão duro. É uma coisa que eu gosto, não decidi ainda o que eu vou fazer, mas quando você encerra a carreira e estuda, acrescenta conhecimento ao teu conhecimento e tua carreira, isso abre um leque de opção e tem que ver o que vai fazer. Não tá decidido ainda, minha cabeça está como atleta e entregar dentro do campo para o Inter nesses quatro meses para encerrar com chave de ouro.
Reencontro com Taison
D'Alessandro e Taison voltarão a jogar junto após 12 anos. Questionado sobre como pode ajudar o agora capitão no vestiário, ele destacou que um elenco vitorioso deve ter muitos líderes:
— Taison é um amigo. Como atleta dispensa comentários, mas mais ainda como pessoa. Ele vai ter que me ajudar. Eu já ajudei muito e preciso da ajuda dele agora. Acho que nunca é fácil. Não é só voltar para o Inter, o clube mexe muito com o sentimento das pessoas. Nós iremos nos ajudar. Penso que ele fez um bom ano, não é fácil voltar, o emocional dele foi muito difícil. Sei porque conversávamos durante o ano, ele teve a infelicidade de machucar algumas vezes. O futebol brasileiro exige muito. Ele tinha uma pressão que não precisava ter, mas quis assumir. O cara que leva a faixa de capitão não deve assumir tudo e decidir todos os jogos. Sempre se precisa de mais jogadores que assumam. Em um elenco normal é preciso que cinco, seis ou sete assumam e não apenas no momento bom, mas no ruim, onde a cobrança é maior. Ele assumiu e isso fala muito bem dele, com o Edenilson assumiu também.
Permanência de Edenilson
Ao falar sobre Edenilson, D'Alessandro também deixou claro que conta com permanência do camisa 8, que tem proposta do Atlético-MG:
— Eu quero que o Edenilson fique. Preciso desfrutar e jogar com ele nos próximos quatro meses. Se o Edenilson for para a Seleção Brasileira, melhor para o Inter, para ele e para todos. Sei que é um cara muito visado, que vai despertar interesse não apenas do Atlético-MG, mas quero que ele fique. Tenho uma amizade com o Edenilson. Ele foi um dos caras que veio para o Inter para jogar a Série B e isso deve ser motivo de orgulho porque não é qualquer um que compra a causa assim. Eu não preciso falar para ele, mas externei a minha vontade de poder jogar junto por mais quatro meses. Tem o Mundial pela frente e penso que esse deve ser o objetivo dele. Ele que aqui tem o seu lugar, o seu espaço.
Relação com jovens
Com mais de 20 anos de carreira, D'Ale vê muitas diferenças com a atual geração de atletas. Ele ressaltou que pretender ajudar os garotos nos últimos meses dentro de um vestiário como jogador:
— Uma coisa que complica os jovens é a rede social. Eu começo a rir em casa porque vejo um cara que faz parte do elenco cumprimentando o colega pelo Instagram. Ele está no grupo e vai dar os parabéns pelo Instagram. Hoje parece mais importante mostrar que fazer e o mais importante é fazer. Isso é algo que consigo lidar até um limite. Tem que saber falar com os jovens, lidar com eles e conversar. Um jovem do sub-20 já tem empresário, seu carro. De repente não tem casa, mas tem carro e dinheiro no bolso. Ele joga a Copa SP, aparece na TV e gosta de se ver no telão, "cabelinho na régua", todas aquelas coisas que a gente não dava muita bola, mas hoje é importante. No momento que tiver que mostrar rendimento, se não der conta, isso cai em cima dele na hora, o torcedor cobra. É difícil lidar com algumas coisas, mas vou deixar de jogar em quatro meses e ficará para outros. Brincadeiras à parte, temos que falar com eles, conversar que é importante fazer história dentro do clube. Olha o quanto é importante fazer história que o clube me abriu as portas aos 40 anos.