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O Inter que entra em campo contra o Figueirense neste sábado, às 21h, no Estádio Beira-Rio, para um jogo que pode se tornar um dos mais importantes da história de 107 anos, começou a ser escalado sob intensas vaias.
Em 15 de setembro, por ironia no dia do aniversário do maior rival, o Inter levou da realidade um direto no queixo. Perder para o Vitória por 1 a 0 no Beira-Rio, quando havia a obrigação de vencer um dos adversários na briga contra o Z-4, abalou as estruturas até dos mais crentes torcedores, aqueles que tinham transformado o "O Inter nunca vai cair" em mantra.
– Aquela partida mostrou para todos nós que algo havia se perdido. Que havia chegado a hora de ter humildade ou ficaríamos bem perto da queda – conta um dirigente.
Ali, derrotado pelo time baiano treinado por Argel Fucks (outra ironia), a torcida passou a se resignar com o rebaixamento. Ali, a esperança de saída rápida do inferno, capitaneada pela Swat do multicampeão Fernando Carvalho, virava pesadelo. Ali, os cascudos naufragaram e os meninos se intimidaram. E, pela frente, o grupo fragilizado tinha uma viagem de 10 dias e quatro jogos antes de voltar ao Beira-Rio para enfrentar o Figueirense.
Dois dias depois, o Inter embarcou para Belo Horizonte, onde o grupo iniciaria um internato forçado fora do Estado, em virtude dos jogos contra América-MG, Fortaleza e Atlético-MG. Diante das reações da torcida, o horário de chegada à capital mineira foi mantido sob sigilo. O Inter deixou Porto Alegre às 16h20min em um voo da Gol e desembarcou às 19h55min no Aeroporto de Confins. Mal sabia que essa viagem remexeria tanto as entranhas do vestiário.
Um plano foi traçado para dar resultado neste sábado. A ideia era atacar fragilidades emocionais, encontrar novos líderes e acabar com o muro erguido entre o vestiário e a direção. A primeira ação da Swat foi transformar o retiro em terapia de grupo. Todos os passos foram calculados para fazer com que os jogadores se aproximassem e fosse criada uma rede de solidariedade no vestiário.
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Houve ainda um trabalho pesado para aliviar a tensão dos jogadores. O objetivo era mostrar que todos estavam no mesmo barco e, juntos, deveriam impedir que a barca afundasse. Os almoços e jantares ganharam ar mais informal. Ficaram descontraídos e estimulou-se a conversa, o bate-papo. Sem qualquer barreira de hierarquia. Houve até um churrasquinho no Hotel Ourominas, um seis estrelas de Belo Horizonte, conta um dirigente. O churrasco foi improvisado, é claro. Não havia churrasqueira no hotel. Foram servidos grelhados. O clima proposto pela direção, no entanto, tinha ares de churrasco entre amigos. E isso era o que importava.
– A ideia era fazer a gurizada sair do quarto, ficar mais junto – observa o vice de finanças, Pedro Affatato.
Ele era um dos 11 dirigentes em Belo Horizonte antes do jogo contra o Atlético-MG. Dirigentes foram convocados a estar em Belo Horizonte para mostrar unidade aos jogadores. Como o sorteio determinava que o Santos, na Vila Belmiro, seria o próximo adversário três dias depois, o lógico seria ir direto ao litoral paulista. Mas a direção, ao consultar os jogadores, mudou os planos.
Voltariam horas depois da partida no Estádio Independência, no final da noite, em um voo fretado ao custo de R$ 56 mil – o clube usou parte da cota da CBF destinada às passagens aéreas. O aluguel do avião serviu para mostrar ao grupo uma preocupação da direção. Depois de oito dias longe de casa, seria possível dormir em casa e ficar com a família antes de pegar a estrada outra vez – na terça-feira, havia a viagem para Santos.
No circuito Belo Horizonte-Fortaleza-Belo Horizonte-Santos, o grupo passou por uma catarse. Sessões informais de autoajuda foram feitas nos salões dos hotéis que serviram de QG colorado. Carvalho mantinha conversas individuais com alguns jogadores e também falava em grupo. O discurso, basicamente, era ilustrado por histórias de quem escapou do rebaixamento em situação parecida à do Inter.
– Todos esses dias juntos foram ótimos para que nos conhecêssemos melhor. A maioria desses jogadores nunca haviam trabalhado comigo – conta Carvalho. – É difícil ter uma relação mais aberta com quem não se conhece. E esse tempo que passamos concentrados deu margem para contatos formais e informais.
Os dias de convivência também deram espaço para reafirmar Roth. Havia pressão externa pela demissão do técnico após a sequência negativa contra Vitória e América.
– O Celso (Roth) também pôde conversar em particular com alguns jogadores. Muitos contaram coisas pessoais, angústias que estão vivendo. Foi uma mobilização geral, que dará resultados contra o Figueirense. A torcida está ao nosso lado, sabe que precisa apoiar, que não se pode trocar de técnico a toda hora – observa Carvalho.
Roth é acostumado a motivar seus jogadores com o mesmo tratamento: o do desafio. Usa palavrões, provoca, estimula ao extremo seus comandados. Uma de suas frases mais repetidas dá o tom de como maneja a motivação:
– É hora de entrar lá e mostrar do que vocês são capazes, c*!
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O problema é que dirigentes detectaram que nem todos os jogadores respondem ao desafio da maneira esperada. Alguns sentem o peso do momento, se retraem e substituem a mobilização por mais nervosismo. É em cima deles que a direção vai e busca outras maneiras de tranquilizar e "ligar" através de conversas pontuais. Formados no Beira-Rio e torcedores do clube, William, Rodrigo Dourado e Sasha são os mais abalados com o mau momento. Acrescente-se a eles Valdívia, também lapidado na base e com forte vinculação ao Inter. O quarteto entrou em pânico após a derrota para o Vitória e desabou na queda contra o América-MG. William chorou ainda no campo; Dourado, no vestiário. A situação era tão tensa que eles foram preservados contra o Fortaleza, pela Copa do Brasil. Valdívia já admitiu publicamente que tem dificuldade para dormir – o pênalti perdido contra o São Paulo agravou a situação.
Noites de insônia, aliás, se repetem. Na volta ao hotel depois da derrota para o América, os jogadores levaram tempo para pregar o olho. Aproveitaram para se reunir nos quartos e tenta entender o que se passa com o Inter. A avaliação geral é que o trabalho é bem feito. Também não há sinais de desunião no grupo, e a confiança em Celso Roth é total. Os jogadores param para ouvir o que o chefe fala e confiam em sua experiência. Diante desse quadro, Carvalho, Roth, Alex e Ceará encabeçaram a tarefa de elevar a autoestima dos mais novos.
Alex e Ceará, até então reservas de luxo, ganharam status de titulares e a liderança. Ambos são articulados e com rodagem suficiente para fazer colocações adequadas neste momento de crise. Ceará, acostumado às pregações da Igreja Batista, onde foi ordenado pastor em 2012, nos tempos de PSG, sabe como acalmar os corações mais aflitos. Nesta semana, Alex colocou o Grêmio no foco da discussão regional. Foi calculado. O rival enfrentará Cruzeiro e Vitória na sequência. Inimigos direto na luta contra o Z-4. Assim, ao dizer que "alguns clubes estariam dispostos a se abraçar para ver o Inter cair", abriu um debate ético. Um amigo próximo de Carvalho garante que há o dedo do dirigente nisso.
Mais do que estabilizar o emocional de jogadores, o Inter tratou de resgatar um em especial. Vitinho ficou de fora das viagens para Belo Horizonte e Fortaleza. Estava em processo final de recuperação da lesão no pé direito. E também desmobilizado, afinal seu contrato de empréstimo pelo CSKA se encerra em dezembro. A última partida de Vitinho havia sido em 21 de agosto, contra o São Paulo. Mas voltou ao grupo contra o Santos. Entrou no segundo tempo e mostrou uma disposição ausente neste 2016.
– Chamamos o Vitinho para conversar. Ele é um menino ainda. Mostramos o quanto ele é importante e deixamos bem claro que recomendamos a renovação do empréstimo. Queremos que siga no Inter – contou um dirigente.
A direção enxerga em Vitinho o jogador capaz de desequilibrar como em 2015, quando 21 pontos no Brasileirão vieram de seus chutes fortes. Em seis jogos, o Inter venceu por 1 a 0 com gol dele. No 2 a 0 no Cruzeiro, fez os dois. O resgate do atacante é apontado como fundamental por dirigentes e comissão técnica para reagir no Brasileirão. O problema é o diagnóstico feito de que ele é "eventualmente disperso". A tarefa dos líderes do grupo é deixá-lo ligado e engajado em todos os momentos do jogo.
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Em meio à viagem de nove dias, foi preciso ainda apagar incêndios. Um deles provocados pelas observações críticas de Carvalho e Roth em relação à atuação de Seijas contra o América-MG. Elas surpreenderam pelo tom e foram contrastadas pelos elogios a Anselmo, a quem ele havia substituído. No dia seguinte, diante da repercussão, Carvalho procurou o venezuelano. Explicou suas colocações, aparou as arestas e liquidou com o mal-estar. Havia feito o mesmo com Nico López, semanas antes, quando seu empresário, em entrevista a ZH, havia dito que o dirigente não simpatizava com o uruguaio.
Seijas, segundo um dirigente, entendeu a conversa e colocou um ponto final na polêmica. Há dois meses no clube, ele já desponta como liderança no vestiário. Suas manifestações são sempre claras, embora o espanhol arrevesado. Ao contrário de Nico, que recém começa a se soltar no grupo, o venezuelano é voz ouvida.
– Trata-se de um jogador diferenciado. Chama os dirigentes pelo nome, cumprimenta todos sempre, percebe-se que tem boa formação – confirma o mesmo dirigente.
Há outro jogador que também ganha proeminência no grupo. Trata-se de Danilo Fernandes. Além da questão técnica, ganha respeito por estar atuando com dores na coxa direita – no mesmo local em que sofreu a lesão pela qual ficou de fora por 10 jogos. O goleiro também tem limitações para treinar com força total devido a um desconforto no ombro direito. Pelo alto nível de suas atuações, a comissão técnica não pensa em prescindir dele nesta reta final.
– Do Danilo espera-se sempre milagres, assim como era com Alisson. Nosso goleiro foi o melhor em campo em cerca de metade dos jogos em que ele atuou. Dá para ter uma média – disse um conselheiro com trânsito livre no vestiário colorado. Os nove dias longe de Porto Alegre reduziram o tempo de treino. Foram apenas três atividades com bola. Musculação, por exemplo, uma atividade importante para a posição – principalmente para as pernas –, também não está sendo feita há meses pelo goleiro por receio de nova lesão.
A medida da importância de Danilo pôde ser medida contra o Santos, quando foi dos três titulares escalados. Roth decidiu preservar os jogadores. Havia um receio de que um tombo na Vila Belmiro jogasse por água abaixo o trabalho de recuperação anímica feito na viagem de nove dias. A direção, aliás, tratou de manter o trabalho de recuperação psicológica na passagem de menos de 72 horas pela Baixada Santista. Convocou ex-jogadores radicados na região para levar palavras de apoio ao grupo. O lateral campeão da América e do mundo Elder Granja chegou ao hotel com o filho no momento em que a delegação desembarcava, na noite de terça-feira. No dia seguinte, Fabiano Costa, meia integrante do grupo que livrou o time do rebaixamento em 2002, apareceu no Mendes Plaza, o QG colorado na cidade e a poucos metros do mar na praia do Gonzaga. Kleber, campeão da América em 2010, também visitou o grupo e deu força aos jogadores.
– A principal diferença é que em 2002 nós tínhamos um jogo para decidir (contra o Paysandu, em Belém) para salvar o clube. O Inter tem vários jogos ainda para poder vencer e criar uma mobilização. Agora, contra o Figueirense, será uma final. Tem de ganhar – disse Fabiano Costa, hoje morando em São Paulo.
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As quatro derrotas seguidas no Brasileirão e, principalmente, o jogo com o América-MG, fizeram crescer entre os dirigentes a necessidade de encher o Beira-Rio contra Figueirense e Coritiba – dois jogos que decidirão o futuro na Série A. O Inter aproveitou a reunião na CBF para o sorteio das quartas de final da Copa do Brasil e encaminhou pedido de rebaixamento dos preços dos ingressos nesses dois jogos. O regulamento do Brasileirão prevê que um clube cobre, no mínimo, R$ 20 de seus associados. Como o clube abriu para todas as modalidades de sócios o check-in, terá de bancar esse valor. Deixará de arrecadar pelo menos R$ 300 mil. Se tudo correr dentro da normalidade, o ingresso franqueado ao sócio se repetirá na segunda decisão do Beira-Rio, dia 5, contra o Coritiba. Todos os 38 mil lugares do Inter foram garantidos pelos sócios. Os outros 8 mil lugares no estádio, pertencentes à Brio, tiveram os preços suavizados. Assim, a previsão é de que seja batido neste sábado o recorde de público no estádio em 2016, com os 42.065 pessoas da final do Gauchão, contra o Juventude.
– Argumentamos com a CBF que se tratam de dois jogos históricos para o clube. Nunca havíamos pedido isso. A CBF compreendeu e nos liberou – explica o vice de administração do Inter, Alexandre Limeira. – É um esforço certo e necessário para o momento. Assim, teremos mais de 40 mil torcedores em um sábado à noite, em véspera de eleição – completa Limeira.
Além disso, o Inter tratará de recepcionar os catarinenses com um caldeirão. Um acordo de boa convivência entre as organizadas foi selado em reunião. A Popular seguirá atrás da goleira da arquibancada Sul. No lado oposto, estarão as demais.
– Dessa forma, teremos o apoio e os cantos dos dois lados do campo – comemora Limeira.
O departamento de marketing também entrou no jogo. No início da semana, iniciou ativação com os associados mobilizando-os a estar no Beira-Rio no sábado ou destinar seu lugar para outro colorado. O contato foi feito via SMS ou através do aplicativo do clube, conforme conta o vice de marketing, Luiz Henrique Nuñez. Outra ação do marketing foi interna. Todos os funcionários foram convocados, via e-mail, a deixar o posto de trabalho às 14h30min desta sexta-feira para dar apoio aos jogadores no último treino antes de encarar o Figueirense. Eles ocuparam o Beira-Rio vestidos com uma camiseta em que se lia a mensagem "#Lutar pela Primeira". O grupo foi batizado como "Resistência Colorada". A mensagem de apoio e engajamento dos funcionários foi repassada ao meia Alex. Segundo Roth, a manifestação comoveu o grupo:
– Fomos recebidos pelos funcionários do clube, em um número muito expressivo, nos abraçando. Foi muito emocionante, inclusive nos levaram às lágrimas. É um momento que estamos nos mobilizando. Essa mostra foi fantástica. Os jogadores se emocionaram, sentimos. Tudo é importante, agrega.
O trabalho psicológico entra em campo neste sábado. Uma vitória contra o Figueirense recompensará a missão quase diuturna da direção para mobilizar jogadores, torcida e todo o contexto do clube. É a partir das 21h, no Beira-Rio, que deságuam duas semanas da operação de resgate da alma colorada.
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