Valdívia foi criado para jogar. Se Diego Aguirre conserva alguma dúvida sobre usá-lo na decisão desta noite, contra o Atlético-MG, às 22h no Beira-Rio, na cabeça do seu Chiquinho sempre houve uma certeza: o caçula brilharia com seus chutes precisos.
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Francisco Martins de Oliveira, 50 anos, é um sujeito realizado na vida. Não fez apenas um jogador de futebol. Mas três! O mais velho, Adriano, era lateral-direito até dezembro, quando decidiu se aposentar e abrir uma escolinha com o nome do irmão caçula em Jaciara, a 144 quilômetros de Cuiabá. O filho do meio, André, 28 anos, acabou de ser campeão paranaense pelo Operário, de Ponta Grossa. O caçula, Wanderson, desponta como o craque da família. É ele quem embala nesta noite o sonho de colorados por vaga nas quartas de final da Libertadores.
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O Wanderson em questão virou Valdívia aos 13 anos, no Rondonópolis. Na verdade, seu nome de batismo era para ser Anderson, seguindo a linhagem de "As" dos mais velhos. Mas ao chegar ao cartório, seu Chiquinho decidiu enfeitar.
- Quem sabe a gente não coloca um W na frente para ficar mais bonito? - perguntou à mulher, Dinair.
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A goiana Dinéia assentiu. Tem sido assim desde que se casaram há 31 anos, em Jaciara. Dinéia sempre apoiou o marido. Até mesmo quando ele decidiu que a prioridade do Nenê, como chamam o caçula em casa, seria a bola. Seu Chiquinho exigiu do guri só a conclusão do Ensino Fundamental. Se era futebol o que queria, que fizesse com dedicação total.
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Valdívia sempre foi inquieto. "Elétrico", como define o pai. Também tinha personalidade forte e paixão desmedida pela bola. Passava o dia e a noite na escola - mas na quadra de futsal.
O pai era peladeiro de primeira. E o caçula, sua sombra nas quadras de futsal, society ou nos campos de várzea. Como parte do projeto de fazer Valdívia jogador, seu Chiquinho sempre arrumava jeito de colocá-lo para jogar. Nem que fossem 10 ou 15 minutos. Alguns dos amigos torciam o nariz. Temiam que na emoção do jogo sobrasse algum pontapé no magricela de 10 ou 11 anos. Seu Chiquinho insistia, convencia a turma e orientava o filho:
- Fica lá na esquerda, aberto, lá na frente.
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O roteiro se repetia. O pai lançava, o guri dominava, driblava e corria para o abraço. A desenvoltura no meio dos grandes chamou a atenção do Rondonópolis, clube de veia gaúcha no sul mato-grossense. Fundado por quatro sócios, um deles o gaúcho de três Arroios Neri Schmidt, o clube aposta firme na base. O filho de Neri, Márcio, ex-jogador da base do Grêmio e de clubes do Centro-Oeste, viu no piá de Jaciara um projeto de craque.
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Para que Valdívia pudesse jogar, seu Chiquinho deixou Jaciara e a profissão de mecânico e se mudou para Rondonópolis, distante 20 quilômetros. Virou vendedor de queijos para lanchonetes e restaurantes. Trabalhava duro para que o filho se dedicasse ao futebol. Era correspondido com gols. Valdívia fazia de falta, em chute de fora da área, de dentro da área, de cabeça. Nem parecia o mais miúdo da turma.
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No Rondonópolis, era tratado com deferência. Em 2008, Márcio veio visitar os parentes em Erechim e o trouxe junto. O plano era dar mundo ao guri e mostrar-lhe a estrutura de clubes grandes. Foram ao Olímpico e ao Beira-Rio.
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No Inter, Márcio bateu na porta com um folder do Rondonópolis numa mão e Valdívia na outra. Foi recebido pelo diretor Ademir Calovi "como se fosse um diretor do Barcelona", como ele mesmo diz. Calovi mostrou aos dois o Beira-Rio por dentro e por fora. Ouviu de Márcio que o guri de cara assustada e cabelo desgrenhado era projeto de craque. Na mesma hora, o diretor sugeriu colocá-lo para treinar. Não chegou a tanto, mas Valdívia foi levado para um exame com a nutricionista Cíntia Carvalho, à época na base.
Cíntia mediu, pesou e analisou Valdívia. Quase caiu para trás:
- Esse menino está quatro quilos abaixo do mínimo para a idade dele!
Valdívia ouviu, tirou fotos no Beira-Rio com céu cinzento de fundo e arquibancadas molhadas e voltou para casa. Ele e o Inter voltariam a se cruzar em novembro de 2010.
O Rondonópolis foi jogar a Copa SC. Nas cadeiras, o olheiro colorado Dorinho percebeu algo no camisa 10. Semanas depois, desembarcou em Mato Grosso para conferir outra vez o guri em ação. Voltou convicto de uma descoberta.
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O Inter sugeriu empréstimo para usá-lo na Copa Santiago de juvenis. A resposta foi negativa. Em janeiro de 2012, o Brasil viu o que só o Inter tinha percebido. Valdívia levou o Rondonópolis às oitavas de final da Copa SP e acabou como goleador, com oito gols.
O telefone de Márcio começou a tocar. O Fluminense colocou-o com Valdívia em um camarote para ver a final da Copa SP contra o Corinthians. O Palmeiras foi além. Convidou o guri para conhecer seu CT. A recepção foi feita pelo Valdívia original, cheio de sorrisos e camiseta do Palmeiras personalizada nas mãos. Márcio, por ter jogado no Grêmio, passou pelo Olímpico. Ouviu que o guri só ficaria se fosse de graça. O Inter foi efetivo. Desembarcou com investidor e um projeto de carreira para Valdívia. O negócio foi fechado sem muita discussão.
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Valdívia chegou ao Inter em março de 2012. Tímido, embora com status de goleador da Copinha. Lembro de um treino do time B contra os juniores. No fundo do campo, o diretor executivo da base na época, Jorge Macedo, não escondia o entusiasmo com o guri:
- Joga muito, vais ver.
Em seguida, houve uma falta na risca da área. Valdívia ajeitava a bola quando Alan Costa chegou com seu 1m92cm e o afastou. Mandou a bola quase sobre a tela. Macedo não se conteve:
- Valdívia, tem que ser tu. Tu tens que bater essas faltas!
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Valdívia venceu essa timidez, ganhou corpo e, em novembro de 2013, subiu para o grupo principal com Clemer. Ganhou mais espaço com Abel Braga em 2014. Deixou de ser mais um guri. Tanto que decidiu se mudar da concentração. Decretou ser hora de alugar um apartamento. Seu Chiquinho, quando soube, ficou de cabelo em pé. Jovem, famoso e morando sozinho era combinação perigosa demais. Pegou o telefone:
- Filho, eu e tua mãe estamos sozinhos aqui. O que você acha de alugar um apartamento maior e morarmos juntos?
A resposta encheu o pai de orgulho - e também surpreendeu.
- Era o que eu mais queria - disse Valdívia.
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Desde abril, seu Chiquinho e dona Dinéia moram com o Nenê perto do Beira-Rio. Acompanham cada segundo da ascensão do filho. Seu Chiquinho, piauiense criado nos confins de Mato Grosso, amolece o coração ao falar do sucesso do filho.
- Quando a torcida pede o nome dele, o estádio cheio, ou quando ele faz gols e aquela multidão fica feliz, não tem jeito. Rola uma lágrima, sim - conta.
Mas é bom seu Chiquinho preparar o coração. Decisão é jogo de quem nasceu para jogar. Como Valdívia.
*ZHESPORTES
#pokodecisivo
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A decisão desta quarta-feira, às 22h contra o Atlético-MG no Beira-Rio, é jogo para quem nasceu para jogar, como o filho do seu Chiquinho
Leonardo Oliveira
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