— E aí, tudo Mec?
A gíria carioca acompanha o nome de um dos grandes talentos da base do Grêmio. No Rio de Janeiro, de onde vem o jogador, Mec é "traduzido" como tranquilo, suave.
Expressões que não simbolizam a difícil caminhada do jogador de 16 anos e sua família. Antes de se destacar na categoria de atletas nascidos em 2008, o meia-atacante enfrentou o lado mais difícil do futebol.
Mas os sacrifícios da família serviram como alicerce para o menino fazer o que ele sabe de melhor. Agora, está prestes a assinar seu primeiro contrato profissional com o Grêmio. E tem o Chelsea interessado em levá-lo para a Europa.
Antes de ser Mec, Gabriel Ferreira de Carvalho foi chamado de Balotelli em seus primeiros dias de treinos no CT do Cristal, em Porto Alegre. Afinal, outro menino que veio do Rio era conhecido pela gíria carioca. Hoje ele é conhecido como Nathan Fernandes. Isso mesmo: o atacante que brilha sob o comando de Renato era o Mec original. Mas o apelido grudou no menino Gabriel.
— É gíria de moleque. Ele e o Nathan falavam muito isso no CT. Era o Nathan que chamavam de Mec — comenta Diego, irmão mais velho de Gabriel.
Depois de surgir no noticiário pelo talento em campo, Mec (o Gabriel) também virou notícia pela expectativa de assinatura de seu primeiro contrato profissional. As partes já encaminharam boa parte dos termos do vínculo, mas ainda se aguarda a vinda de Neymar, o pai do jogador Neymar Júnior, para a assinatura do vínculo.
— Estamos na espera. Não sei muito das negociações, isso deixamos para o Cleber e para o Neymar (empresários). Eles nos passam para ficarmos tranquilos e que tudo dará tudo certo. O maior conselho que damos ao Gabriel é que mantenha a cabeça boa, não se deslumbre. Isso foi construído com muito suor. Sabemos de onde viemos e onde podemos chegar, mas tem muita maré para remar — destaca Diego.
Para viabilizar o sonho de Gabriel, alguns anos atrás, a família se dividiu. Robson, o pai, ficou no Rio com o filho Diego, que também buscava o objetivo de ser tornar jogador de futebol. A mãe, Ana Márcia, embarcou para Porto Alegre em 2018 com Gabriel, de apenas nove anos. A renda de R$ 1,5 mil sustentava dois lares da forma que era possível. A família de Nathan Fernandes abrigou por um período Gabriel e sua mãe. Mas eles também passaram por outras casas e até uma pensão.
— Ele veio com a mãe pra cá, era muito novinho. Só tinha nove anos. Não sabíamos se daria certo. O plano era ele ficar por três meses pra vermos como seria. E foram três anos deles sozinhos. No início, não tínhamos ajuda de ninguém. Só nós por nós mesmos. O que eu ganhava não era suficiente para mantê-los aqui. Até fazíamos algumas rifas pra juntar e mandar. Ele usava as chuteiras doadas pelos meus amigos — relembra Robson.
Em 2020, o plano era reunir a família de vez. Vieram os quatro para Porto Alegre, alugaram um apartamento, e os pais encontraram trabalho na Capital. Até que a pandemia tornou a vida ainda mais difícil. As demissões de Robson e Ana Márcia cortaram as receitas da família. O pai chamou o filho e contou que precisariam voltar ao Rio de Janeiro.
— Ele bateu no peito e me disse: "Pai, me dá uma chance. Quero fazer história aqui. Me ajuda a vencer — recorda Robson, emocionado.
As economias não duraram muito. Sem dinheiro para voltar ao Rio ou manter o apartamento, o pior cenário se aproximou. Mas a solidariedade de quem conhecia a família os salvou de morarem na rua e de passarem fome. Hoje no sub-20 do Grêmio, Lucas Camilo e seus familiares receberam os Ferreira de Carvalho por um período.
— Perdemos tudo, não tínhamos nem o que comer. Tudo de material se foi. Uma família nos acolheu pra não morarmos na rua. E recebemos cestas básicas para nos ajudar — conta o pai da nova joia gremista.
Gabriel, Robson e Diego mantinham a forma física caminhando nas proximidades do CT do Cristal. Os irmãos treinavam em uma das praças da região. A perseverança no momento mais difícil da família é o combustível que hoje move o jogador nos gramados.
Uma força que fez a diferença quando as atividades esportivas recomeçaram. O crescimento do jovem foi de forma gradual. E passou também pela melhora na alimentação depois das dificuldades financeiras enfrentadas pela família.
O ponto de virada de vez na história de Gabriel foi o Efipan de 2023. O talento do jogador ficou evidente. Inclusive aos olhos da empresa de Neymar, que firmou parceria com os empresários do jogador para auxiliarem na administração da carreira da promessa tricolor.
Atualmente na categoria sub-17, sob o comando do ex-volante Itaqui, Mec recebe elogios pelo desenvolvimento demonstrado. Principalmente na parte física.
— Todo mundo espera algo diferente dele. Que ele possa desequilibrar. Hoje, quando nos enfrentam, são equipes que jogam mais fechadas e querem o contra-ataque. Não conseguimos ver o Mec em velocidade, algo que ele pode fazer. Hoje é mais o drible, um contra um. Como está crescendo fisicamente, ele também pode ser um jogador de velocidade. Daqui para frente as coisas serão mais difíceis. Ele é do drible, um jogador vertical, que enfrenta jogadores mais fortes fisicamente. Está aberto para se tornar um grande atleta — elogia Itaqui.
Quem vê de relance apenas os lances do menino brincalhão, braços e pernas magricelos, mas capaz dos dribles mais abusados possíveis, não imagina a força que o move. Pelo pai, pela mãe e pelo irmão, Gabriel Mec vai pra cima de quem estiver no caminho do seu sonho.