
Em 2017, vencer a Libertadores já não era uma novidade na história do Grêmio. Afinal de contas, em 1983 e 1995, o Tricolor havia erguido a taça mais importante da América. Ainda assim, a vitória de 2 a 1 sobre o Lanús, em 29 de novembro, foi capaz de emocionar quem viveu os feitos anteriores.
Imagine então uma geração inteira de gremistas que não havia visto seu clube dominar o continente. Para estes, teve um sabor mais especial. Era como se fosse a primeira vez. Este foi o conjunto de sentimentos revividos a partir da transmissão da Rádio Gaúcha neste domingo (28).
A explicação estava no tempero, seca de 15 anos sem títulos de expressão, que transformou a Copa do Brasil do ano anterior em aperitivo para o prato principal. Com um estilo de jogo envolvente, ofensivo e de troca de passes, a equipe comandada pelo ídolo Renato Portaluppi escreveu seu nome no rol de campeões, dando sentido a tanto tempo de espera.
Apesar de ter sido disputada no século XXI, a decisão do torneio foi uma viagem ao passado, quando os clubes argentinos construíam um clima bélico para se sobressair aos rivais. Depois de eliminar o tradicional River Plate, o Lanús, que se autointitula como o "maior clube de bairro do mundo", fazia a sua primeira final de Libertadores contra o Grêmio.
No jogo de ida em Porto Alegre, uma semana antes, o time da zona sul de Buenos Aires fez com que o Tricolor abdicasse de seu toque de bola para utilizar da força e alcançar a vantagem de 1 a 0, com gol de Cícero. Para piorar, reclamou de um pênalti não assinalado em Jael e acirrou ainda mais os ânimos para o confronto da volta. Por isso, quando chegou o dia da grande decisão, o ambiente era tenso.
Temendo emboscadas da torcida adversária na chegada da delegação, a diretoria contratou seguranças privados (alguns, funcionários do Boca Juniors), que conheciam as ruas ao redor do estádio La Fortaleza — que, pelo nome, já dava os ares do confronto. Até mesmo a imprensa brasileira tinha dificuldades para instalar os circuitos para transmitir o jogo.
Apesar das circunstâncias, a confiança no tricampeonato da Libertadores era enorme entre os gremistas. Na capital gaúcha, cerca de 35 mil torcedores foram à Arena, onde telões repassaram a partida. E, de fato, bastou a bola rolar para que a guerra imaginada pelos argentinos murchasse diante do futebol plástico do Tricolor.
Assim como havia feito com Barcelona de Guayaquil e Godoy Cruz, antigos adversários daquela campanha, o Grêmio cumpriu a promessa feita na véspera pelo comandante Renato: "jogar como se estivesse em casa". Desta forma, ao invés de se fechar na defesa para segurar o placar construído no Brasil, a equipe partiu para cima dos anfitriões. Já no intervalo, as grandezas estavam escancaradas no placar: 2 a 0, com gols de Fernandinho e Luan. Este último, aliás, um golaço, em que o camisa 7 deixou marcadores para trás e, de cavadinha, bateu o goleiro Andrada.
O Lanús tentou reagir. Na metade da etapa complementar, conseguiu marcar seu gol de honra com o centroavante José Sand, de pênalti. O Grêmio ainda perdeu Arthur, por uma lesão no tornozelo, e Ramiro, expulso por reclamação. Entretanto, nem estes fatores fizeram o troféu mudar de mãos.
Antes do apito final, os argentinos presentes no estádio aplaudiram a atuação gremista, em sinal de respeito e confissão de inferioridade. Era o ponto final para uma caminhada que havia se iniciado oito meses antes, passado por Venezuela, Paraguai, Chile e Equador, e não poderia encerrar de outra forma senão em festa nas cores azul, preto e branco.
— Minha recordação daquela final é única. Depois que o juiz apita e você vê todo mundo correndo, se abraçando e você podendo fazer parte daquela história, ainda mais podendo fazer um gol no primeiro jogo da final... O que marca é o título. A chegada em Porto Alegre também, aquela festa toda, aquele mar azul de gente. Até brinquei com os caras que parecia o Caribe, todo azul. A minha recordação é desde quando cheguei ao Grêmio, na semifinal, até o último detalhe da comemoração do título. Minha lembrança dessa trajetória, em pouco período que tive naquele ano, mas foi uma história muito intensa — comenta o meia Cícero que, contratado em meio à competição, foi peça fundamental nos jogos finais.
No final das contas, cada título tem a sua importância. O tri da América fez o Grêmio se igualar São Paulo e Santos, como os clubes do país que mais conquistaram a Libertadores. Para Renato Portaluppi, como se já não bastasse subir um degrau a mais na idolatria tricolor, a medalha no peito fez com que ele se transformasse no primeiro brasileiro a vencer o troféu como atleta e treinador. Um pioneirismo com assinatura tricolor.
FICHA TÉCNICA
Libertadores – Final (volta) – 29/11/2017
LANÚS (1)
Andrada; Gómez, Herrera (Moreno, aos 20'/2ºT), Guerreño e Velászquez (Denis, aos 42'/2ºT); Marcone, Pasquini e Martínez; Alejandro Silva (Rojas, aos 32'/2ºT), Sand e Acosta.
Técnico: Jorge Almirón
GRÊMIO (2)
Marcelo Grohe; Edilson, Geromel, Bressan (Rafael Thyere, aos 36'/2ºT) e Cortez; Jaílson, Arthur (Michel, aos 6'/2ºT), Ramiro, Luan e Fernandinho; Lucas Barrios (Cícero, aos 30'/2ºT).
Técnico: Renato Portaluppi
GOLS: Fernandinho, aos 27, Luan, aos 41 minutos do primeiros; e Sand, aos 26 minutos do segundo tempo.
CARTÕES AMARELOS: Guerreño, Velázquez e Alejandro Silva (L); Grohe, Edilson, Cortez, Jaílson e Ramiro (G).
CARTÃO VERMELHO: Ramiro (G).
ARBITRAGEM: Enrique Cáceres, auxiliado por Eduardo Cardozo e Juan Zorrilla (trio paraguaio)
LOCAL: Estádio La Fortaleza, em Buenos Aires (Argentina)