São 90 minutos. Você vai querer que eles nunca mais acabem para viver em eterno deleite a noite sem fim dos vitoriosos. Ou torcerá para que acabem logo e deem fim a uma agonia que corrói a alma dos vencidos. É a crueldade do futebol. Nesta noite, apenas 90 minutos contra o Lanús separam o Grêmio do Tri da Libertadores.
São 22 anos de espera para soltar a voz e gritar orgulhoso outra vez como campeão da América. A taça está a um empate. Parece roçar os dedos do Grêmio.
Afinal, basta um empate para o continente inteiro ser do Grohe, do Edilson, do Geromel, do Kannemann, do Cortez, do Jailson, do Arhur, do Ramiro, do Luan, do Fernandinho, do Barrios, do Bressan, do Jael, do Cícero, do Renato, do Romildo, do Odorico e dos mais de 5 milhões de gremistas espalhados pelo mundo. Gremistas como Rochele Caroline Rippert.
Aos 22 anos, talvez ela seja a melhor representação desses anos de espera. A vida da gaúcha de Estância Velha se entrelaça com a montanha russa de resultados vividos pelo clube nestas últimas duas décadas.
Rochele talvez tenha sido a primeira gremista a já nascer bi da América. Ela veio ao mundo pouco mais de uma hora depois do apito final do 1 a 1 com o Atlético Nacional, em Medellín. O que forçou o pai, Jaime, a se dividir naquela noite de 30 de agosto entre o Grêmio e a espera na sala de parto.
Uma boa parte do jogo, ele viu numa TV no saguão do hospital. Aristizábal havia feito 1 a 0 aos 12 minutos de jogo, e os colombianos davam estocadas no ataque. Um pavor, apesar do 3 a 1 na partida de ida, no Olímpico.
Veio o intervalo, e nada de Rochele chegar. Jaime não suportou. A mulher estava amparada por familiares e pelos médicos. Ele, não. Por isso, no segundo tempo passou em um périplo entre sua casa e o hospital.
Espiava um pouco jogo, voltava e segurava a mão da mulher. Retornava para casa, via um pouco do jogo, e voltava ao hospital. Até que o Grêmio empatou aos 40 do segundo tempo, em pênalti cobrado por Dinho. O bi da América estava garantido. Só faltava a filha nascer.
Mas ela deu tempo ao pai. Tanto que ele foi comemorar o título com os parentes e regressou ao hospital a tempo de ver o parto. Por volta da 1h, Rochele nasceu. Gremista, como não poderia ser diferente.
– A minha relação com o Grêmio é muito próxima. Posso dizer que torço para o clube desde que nasci. Se não fosse gremista, seria a maior decepção do meu pai – diz a guria.
Rochele nasceu em meio a um dos momentos mais mágicos destes 114 anos do Grêmio. Nenhum clube no Brasil ganhou tanto naquela segunda metade da década de 1990. Depois da Libertadores de 1995, vieram o Brasileirão e a Recopa em 1996, a Copa do Brasil, em 1997 e o bi gaúcho 1995 e 1996.
Teve ainda presenças marcantes na Copa do Brasil, com o vice em 1995 e a queda para o Palmeiras com gol mal anulado de Jardel em 1996, e a ida à semifinal da Libertadores, quando perdeu para o América, de Cali. Eram dias em que o Grêmio chegava sempre e, quase sempre, ganhava.
Thiago Mesquita, 30 anos, viu tudo isso do lado de dentro. Os mais supersticiosos dizem, inclusive, que tem participação efetiva nesse período dourado. Nos anos 1990, Thiago era Thiaguinho, o mascote que entrava sempre em campo com o Grêmio. Neto dos donos da lancheria do Olímpico, virou xodó dos jogadores.
Para se ter uma ideia da sua importância, na final de Medellín, com o jogo encrespado, foi buscado no intervalo e colocado escondido no reservado como um talismã. Deu certo. A partir dali, sempre arrumou-se um meio de deixá-lo entre os reservas. Em Tóquio, na final contra o Ajax, no entanto, Thiaguinho contraiu uma virose e viu de longe. O resultado, todos sabem.
Thiaguinho foi o mascote gremista até 1999. Na campanha da Copa do Brasil, em 2001, viajou a convite da direção. Não entrou em campo, até porque aos 13 anos tinha tamanho de jogador, não de mascote. Mas participou de todo o ritual do jogo. Assistiu, inclusive, à palestra de Tite no Morumbi antes da final com o Corinthians.
O guri acostumado a ganhar tudo com o Grêmio, porém, conheceu a aspereza da derrota. Em 2005, imaginou que a jornada épica na Batalha dos Aflitos encerraria um ciclo de fracassos. Enganou-se.
— Foi difícil (atravessar aquele período). Subimos de um jeito épico e pensei: "Agora vai voltar, esse é um clube acostumado a ganhar. Os caras voltarão a respeitar". Mas aconteceu que sempre batemos na trave. Faltava sempre algo para ganharmos o título — conta.
Thiago é a prova de como o tempo voou para o Grêmio. O mascote hoje é um homem responsável de 30 anos. Acaba de comprar apartamento, para onde se mudará com a namorada, Aliene, no ano que vem.
Ele vai à luta como fazia o time de Felipão. Dá aulas de treinamento funcional, trabalha como motorista em aplicativos como Cabify e 99 Pop e corre para acabar as últimas disciplinas do curso de Educação Física na Ulbra. Apesar da rotina pesada, segue ligado ao Grêmio.
Em 2015, fez estágio nas escolinhas do clube. Em dias de jogos, atravessa a cidade, do Belém Novo ao Humaitá, para apoiar o time. Fez isso na última quarta-feira. Só não está na Argentina porque uma gripe e a febre alta o derrubaram. O plano para o futuro é trabalhar com gestão esportiva e ingressar na vida política do clube.
O dia em que Thiago ingressar no Conselho Deliberativo, certamente, será recebido por Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo. Há 43 anos, ele está lá, a serviço do Grêmio. Foi vice administrativo, jurídico, de futebol e presidente. Não tem mais cargo político, mas é a voz da torcida no Sala de Redação e no Diário Gaúcho.
Cacalo é a síntese do gremista apaixonado e provocador. Sempre foi assim. Mesmo quando usava terno e gravata e se sentava na cadeira mais importante do clube. Agora, se diz apenas torcedor. Mas sofre igual.
Quando está na Arena, a tensão diminui. Diante da TV, no entanto, padece. É tão gremista que só torce quando o Grêmio ataca. Quando é atacado, muda para um canal de filmes. E assim passa o jogo inteiro.
Cacalo fala pouco dos 15 anos sem título. Desvia o assunto, esquiva-se. Vai direto para 2016, quando o clube conquistou a Copa do Brasil. Esse, diz, foi o ponto de partida para que o tri da Libertadores esteja a um palmo.
Traça esse paralelo entre aquela noite mágica de agosto e 1995 em Medellín e a desta quarta-feira, em Lanús. Tudo começou com uma conquista da Copa do Brasil. Mas ainda faltam 90 minutos para que a história se repita e o excelente trabalho da direção e de Renato sejam eternizados.
São apenas 90 minutos. E você pode querer que eles nunca mais acabem.