Na manhã temperada de 9 de setembro de 1976, quando a primavera ainda era uma estação real e internet um obscuro projeto do exército dos EUA, os gaúchos acordaram com a manchete de ZH vibrando em cima da mesa do café: “Novo técnico do Grêmio é Telê”.
Terceiro treinador do clube na temporada, depois de Oswaldo Rolla, o Foguinho (1909-1996), e Paulo Otacílio de Souza, o Lumumba (1936-2010), Telê Santana da Silva, o Fio de Esperança, desembarcou na Capital três meses antes de meio Rio Grande do Sul gritar em coro o bicampeonato nacional colorado.
Antes do pesadelo gremista, com olhos fixos no Estado e não no país, o mineiro de 45 anos ganhou uma missão do então presidente Hélio Dourado e do homem forte do futebol, Fábio Koff. Impedir o enea colorado em solo local.
– Precisamos ganhar em casa primeiro. Depois, vamos em frente – analisou Koff quando pisou no Estádio Olímpico com Telê pela primeira vez.
Como sete temporadas de carreira, experiente e maduro, 45 anos, Telê havia passado por Fluminense (1951-1960), onde fez carreira como ponteiro baixo, veloz, tático e com calibrado pé direito, São Paulo, Botafogo e Atlético-MG. Com o Galo, sentiu o sabor do primeiro título do Campeonato Nacional em 1971.
– Se ele foi campeão brasileiro, pode ser gaúcho – lembrou o presidente Dourado (1930-2017) aos repórteres de ZH dias depois do desembarque do mineiro nascido em Itabirito, mas com sangue tricolor carioca nas veias.
Telê deixou a mulher, Ivonete, e os filhos, Sandra, que estava noiva, e Renê, em Belo Horizonte. Entrou no vestiário gremista de corpo, alma e chuteiras. Elegeu o Olímpico como seu novo lar. Trabalhava em dois turnos e sempre de calção e com os pés na grama. Chegava cedo e saía tarde. Só reclamava da ausência de um bom tutu, o clássico feijão mineiro com bacon, linguiça, salsinha, cebolinha e farinha branca à gosto.
O que ele viu nos bastidores do novo estádio não agradou. Sua fama de durão exigia disciplina. Seu jogo, suor, entrega. Sua estratégia tática pedia treinos à exaustão, jogadas repetidas, ensaiadas e atenção dobrada com os fundamentos de cada jogador. Alcino, Alexandre Tubarão e Bolívar não se enquadraram no novo menu. Seguiram suas carreiras em outros clubes. Antes, o gigante Alcino tentou agredi-lo no vestiário. Foi seguro.
Telê ajudou a trazer Corbo, Ladinho, Tadeu Ricci, André, Éder e um antigo ídolo da casa, Alcindo Martha de Freitas (1945-2016). Mudou a fotografia no ano seguinte. Com quase meio ano de casa, Telê começou a se soltar.
– Ele era uma cara metódico. Gostava de jogadores mais táticos. Ensaiava tudo nos treinos. No intervalo, quando nada estava legal, ele pedia, exigia, que os jogadores repetissem o que faziam nos treinamentos. As jogadas ensaiadas nasciam da cabeça dele – lembra o conselheiro gremista Adalberto Aquino, que trabalhou na comissão técnica do time na época.
Ele (Telê) era uma cara metódico. Gostava de jogadores mais táticos. Ensaiava tudo nos treinos.
Adalberto Aquino
Conselheiro gremista
Aquino diz que Telê era fanático por futebol. Acompanhava tudo o que saia na imprensa. Pedia jornais do centro do país. Assistia aos jogos pela TV. Via o video-tape de uma partida tarde da noite. Falava sobre futebol o dia inteiro, no almoço e na janta.
– Às vezes ele pedia para viajar a Caxias, ver o time da cidade que disputava o Campeonato Nacional (quando o Grêmio foi campeão em 1977 ele ganhou um flamante Passat TS do clube). Observava os adversários, fazia anotações. Na Serra, degustávamos um galeto, mas ele sempre reclamava da falta do tutu. Na volta, o programam era uma sopa no Treviso – recorda Aquino.
No Olímpico, Telê era bom de diálogo. Sempre sério, conversava com o jogador, mas sempre sozinho. Em grupo, fazia valer a sua autoridade. Dizia que o jogador precisava seguir ordens.
O atleta só falava quando ele mandava chamar. O título nasceu em cima do tripé: disciplina, suor e treino.
Telê ajudou a conquistar o simbólico título de 1977. Brecou a sequência de sete títulos do rival. Deixou o Grêmio no final de 1978. Três anos depois, maduro, assumiu a Seleção. Em 1982, arquitetou uma das melhores equipes da história do futebol na Copa do Mundo da Espanha de 1982. Morreu em 2006 aos 74 anos, depois de uma longa doença. Ninguém esquece Telê.