Tarciso esperou por quatro anos para comemorar um título com o Grêmio. Quando ganhou o primeiro, o Gauchão de 1977, não comemorou. Porque não conseguiu. Só de calção, já que camiseta, chuteiras e meias haviam ficado na mão de torcedores eufóricos no gramado, chegou ao vestiário e deparou com o local atopetado de dirigentes, conselheiros, filhos de conselheiros, amigo de filho de conselheiros e outros tantos torcedores.
Tarciso pensou rápido, na mesma velocidade com que corria pela
ponta-direita naquele ataque com André e Éder. O Flecha-Negra, como era chamado, pediu uma toalha ao roupeiro e voltou ao gramado. Colocou-a sobre a cabeça e, a passos, atravessou o campo, tomado pela torcida. Tarciso passou o portão 7, vigiado pelo “Seu” João Assis, o pai de Assis e Ronaldinho, cruzou a Avenida Cascatinha, onde mais gremistas ondulavam numa festa sem fim, e subiu a Rua Eurico Lara. Só parou quando chegou ao apartamento em que morava com a mulher, a filha, Gabriela, então com três anos, e o recém-nascido Marcelo.
Em casa, enfim, Tarciso comemorou a conquista que, segundo ele, abriu as portas do mundo ao Grêmio. Vizinhos da rua e familiares o esperavam tão eufóricos como os gremistas que tomavam as ruas de Porto Alegre e do Rio Grande. Não faltaram cerveja e boa comida até o meio da madrugada, quando todos foram dormir de alma lavada. Tarciso merecia mesmo comemorar esse título. Chegou em 1973, do América-RJ. Veio porque, em jogo contra o Inter, fez a zaga colorada sofrer. Isso bastava numa época em que o Inter vencia tudo. Principalmente os Gre-Nais.
Tarciso chegou ao Olímpico como centroavante. Passou quatro temporadas apanhando de Figueroa. Lembra de um clássico em que o cotovelo do chileno amassou o seu nariz. Seguiu no jogo e, mais adiante, levou outra pancada do chileno. Levantou-se e partiu em direção ao árbitro, suplicando por cartão. Ouviu uma ordem curta e ditatorial: “Vai jogar!”
– O Figueroa tinha muito moral com a imprensa. Com os árbitros, se impunha no grito. Nosso time, ao contrário, evitava polêmicas. Se nos deixassem quietos, já estava bom. Aquilo já fazia com que entrássemos inferiorizados nos clássicos – conta Tarciso, sentado na arquibancada do Estádio Olímpico, na tarde da última segunda-feira.
A série de vitórias nutria a soberba do Inter e vitaminava a confiança de seus jogadores. Ancheta, Iúra e Tarciso eram os titulares de 1977 que haviam padecido com boa parte da série do octa colorado. Ao final de um clássico, Tarciso desabafou: “Não aguento mais perder para esses caras.”
Essa conquista mudou a vida do Grêmio. E também modificou a minha vida.
Tarciso
Aobre a conquista de 1977
Por isso, ele quase caiu para trás quando abriu o jornal e leu na manchete o recado do recém-chegado Oberdan: “O Escurinho nunca mais vai cabecear na área do Grêmio.”
– Ihh, esse cara é louco – exclamou Tarciso em casa.
Não estava. Telê Santana havia percebido o mesmo que Tarciso. O Inter já saía na frente nos Gre-Nais só com a fleuma dos seus craques. Por isso, o técnico escolheu os reforços a dedo. Vieram Eurico, Oberdan, Ladinho, Tadeu Ricci e André Catimba, todos cascudos. Tarciso estava de saída, com um pé no Fluminense. Foi convencido por Telê a ficar. Seria ponta-direita. E passaria a ser decisivo com sua velocidade. No Gauchão, ele ajudou a atropelar adversários. A firmeza do time contagiava a torcida. Até que veio a final no Olímpico. O 0 a 0 retratava o equilíbrio. Aos 22 minutos, Gardel colocou a mão na bola: pênalti para o Grêmio. Tarciso pegou a bola, alisou-a e ajeitou para bater.
– Dava para ouvir os quero-queros, tamanho o silêncio – recorda, fitando o gramado hoje irregular do Olímpico.
Tarciso correu, bateu na bola, mas também no campo e... errou.
– Na hora, veio na cabeça: “Será que vamos perder de novo para esses caras?”. Eu queria cavar um buraco no campo – lembra.
Antes de erguer a cabeça, o amigo dos tempos de América-RJ Tadeu Ricci bateu em seu ombro: “Vamos lá, vamos ganhar”. Em seguida, veio Catimba: “Vamos ser campeões, e eu vou fazer o gol”. Demorou só 20 minutos para a profecia do centroavante se confirmar: Grêmio 1 a 0 e, enfim, campeão. Um título que o hoje vereador Tarciso afirma, convicto:
– Essa conquista mudou a vida do Grêmio. E também modificou a minha vida.