Oberdan era do tempo em que homem que era homem não chorava. Oberdan não era sensível. Não se emocionava com o pôr-do-sol. Não pedia conselhos ao analista.
Oberdan não ia ao analista.
Oberdan, ao chegar ao Grêmio, avisou:
— Neste time, ninguém vai chorar, quando for campeão.
Fez ainda outro aviso, logo depois de pisar pela primeira vez em Porto Alegre como jogador gremista:
— O Escurinho não cabeceia mais na área do Grêmio.
Promessa temerária. Escurinho era, talvez, o maior cabeceador do futebol brasileiro, num tempo em que o futebol brasileiro tinha cabeceadores como Neca, Leivinha e Dario. Nos Gre-Nais, Escurinho entrava quando faltavam 15 minutos para terminar a partida e, então, acontecia sempre o mesmo lance: Valdomiro engatava a quinta marcha e passava pelo marcador a 150 por hora, zunindo rente à linha lateral direita. Ao chegar ao fundo do campo, cruzava para a área. A bola desenhava uma curva no céu e encontrava Escurinho alçando voo entre os zagueiros. Aí ele abria as pernas, fazendo um vigoroso movimento de tesoura, e desferia a testada para o fundo do gol.
Neste time, ninguém vai chorar, quando for campeão.
Oberdan
Disse o jogador quando chegou no Grêmio
Sempre o mesmo lance. Sempre gol.
Por isso, aquela declaração de Oberdan causou impacto. Como ele tinha tanta segurança? O Inter parecia imbatível. Era bicampeão brasileiro e octacampeão gaúcho e, além de Escurinho, contava com Manga, Falcão, Valdomiro, entre outros monstros.
Depois do campeonato, Oberdan confessou saber que havia sido quase irresponsável.
— Se o Escurinho marcasse um gol no Gre-Nal, eu teria de ir embora imediatamente do Rio Grande do Sul — disse, numa entrevista posterior.
Temendo o fiasco, ele decidiu que se concentraria especialmente na marcação ao atacante do Inter. Treinava pensando em Escurinho. Sonhava que estava marcando Escurinho. Estava obcecado com Escurinho.
Na preleção do primeiro Gre-Nal do ano, o técnico Telê Santana deu instruções a cada um dos titulares, menos a Oberdan. De Oberdan, todos já sabiam o que se esperava: que anulasse Escurinho.
E Oberdan anulou. Escurinho jogou a partida inteira, ao lado de Dario, e o Grêmio venceu por 3 a 0. Era mais do que uma vitória: era um sinal de que as coisas haviam mudado no Rio Grande.
De fato, mudaram.
Oberdan não saltava, decolava. Escurinho não cabeceou mais na área do Grêmio. Nunca mais.
Oberdan não pedia, mandava. Em outro Gre-Nal, o árbitro Agomar Martins ia marcar um pênalti que Ancheta cometera em Dario, mas Oberdan, Eurico e o próprio Ancheta o cercaram, Agomar recuou e apontou para fora da área. O Grêmio venceu de novo. Continuaria vencendo, até retomar o título.
Antes daquele campeonato histórico, Telê Santana revelara qual seria sua fórmula para montar um time vencedor:
— Primeiro, homens; depois, jogadores.
Era um time de homens. Num tempo em que homem que era homem não chorava.
Ninguém chorou, quando o Grêmio foi campeão.