Há 20 anos, entrevistei André Catimba, em Salvador. Ainda hoje, disse-me ao telefone, assim como em 1997, segue ganhando a vida como motorista de táxi e contando as histórias do melhor centroavante que vi jogar no Grêmio. Aliás, o melhor ataque: Tarciso, André e Éder. O mulato de olhos verdes que incendiou os corações das gaúchas abandonou as tentativas de ser técnico no interior baiano. Ainda mais depois dos problemas no coração. Motivados, segundo o seu bom humor, pelas doses de uísque que toma desde quando bebia no gabinete do grande amigo Hélio Dourado, o eterno presidente que nos deixou este ano. O patrono dizia assim:
– André: se é para beber, então beba em casa.
E o arrastava para a sala da presidência. A filha do patrono, inclusive, foi batizada com o produto do gol de André, naquele Gre-Nal de 1977, há 40 anos: Vitória. O Olímpico se tornou monumental, a partir da construção do segundo anel, muito pela amizade dos dois. Nos amistosos para arrecadar fundos, o preço era um com Catimba. E outro, bem menor, sem.
– Cansei de ver os caminhões de brita e cascalho como pagamento – suspira André, com indisfarçável orgulho.
O Grêmio de 1977 não era só André. Havia a habilidade de Tadeu Ricci, trazida do Flamengo, a descoberta do canhão Éder no interior de Minas, a valentia de Iúra, a coragem de Oberdan, que surgiu no saguão do Salgado Filho recomendando que ninguém mais se atrevesse a entrar na sua área, para o seu próprio bem.
Ele chegou ao Grêmio já velho para a época, aos 30 anos. Depois de esculpir o nome na história azul, ainda brilhou no Argentino Juniors, que recém vendera Maradona ao Boca Juniors. Teve ótimos momentos no Vitória, com Mário Sérgio. Mas o auge se deu no Grêmio. Antes de encerrar este texto com uma frase dele sobre a famosa cambalhota que deu errado, mas resultou na imagem eterna de 1977, aí vai uma história das tantas que só André sabe contar e justificam plenamente o apelido. E que explicam o sentimento de amizade e lealdade reinantes entre os jogadores daquele time.
Havia um quarteto mestre na arte de driblar a disciplina samurai do técnico Telê Santana: André Catimba, Tadeu Ricci, Éder e Oberdan. Como Hélio Dourado não via nenhum crime de Estado em beber algumas cervejas, desde que fosse em casa, no Olímpico, eles usavam uma tática que revelarei agora.
Na concentração – naquela época os times ficavam no alojamento do próprio estádio –, os quatro cavaleiros deixavam uma inocente garrafa de cerveja em cima da mesa. Ficavam ali, quatro querubins, a garrafa, o carteado e um pano grande o suficiente para cobrir os pés da mesa até o chão. Telê circulava com as mãos para trás, via a garrafa pela metade para quatro bebedores e voltava para o descanso.
– Que mestre, o seu Telê! Mas sabe como é: as outras garrafas ficavam embaixo da mesa. A gente se dava muito bem, mas o Éder não era fácil: cansei de buscá-lo nas boates – ri André.
Que mestre, o seu Telê! Mas sabe como é: as outras garrafas ficavam embaixo da mesa
André Catimba
Sobre as concentrações dos jogadores
Mas e a cambalhota eterna? Ele era mestre na acrobacia. Desde que não sentisse uma distensão na hora do salto, sempre muito alto, como no 25 de setembro de 1977. Parou o movimento no meio da execução, antes do giro. Caiu estatelado, aos 42 minutos do segundo tempo. A foto desse instante de eternidade está em um quadro na sala de sua casa, em Salvador.
– Na hora foi horrível, pela dor. Mas agora, olhando assim e falando contigo, dá um saudade...
Assim, há 40 anos, André Catimba abria a porta do Grêmio para a década de 1980, sem os traumas das derrotas da década anterior. O que veio depois, a história e os gremistas sabem muito bem.