Já se disse quase tudo do Rosario Central, adversário do Grêmio nas oitavas de final da Libertadores. É treinado por Eduardo Coudet, 41 anos, ex-volante do River Plate e da seleção argentina, ao mesmo tempo estudioso e excêntrico ao ponto de dirigir os canalhas de cachecol e cabelo descolorido à beira do campo.
Trata-se de um amante do futebol ofensivo. Ainda que não se fixe em um desenho tático único, gosta do 3-4-3, avançando laterais para a linha de meio-campo, e com ele está no cargo há um ano e meio. O seu centroavante, Marco Ruben, é o melhor em ação na Argentina, uma terra de grandes camisas 9. Um deles, Mário Kempes, campeão da Copa de 1978, surgiu no time de Fito Páez, Che Guevara e Fontanarossa.
Coudet tem Marcelo Larrondo, o Zlatan do Prata, 1m91cm, voltando após lesão no joelho. Ficará no banco no clássico contra o Newell’s, neste domingo. Tem ainda Lo Celso, 20 anos, um enganche clássico de rara habilidade. Os mais afoitos chamam-no de novo Riquelme. Há outros: o volante/meia Cervi, o volante cão de guarda Musto, o próprio Herrera, tão conhecido da torcida do Grêmio.
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Mas não é deste Central, cuja defesa vaza, que quero falar. Refiro-me a outro, talvez mais duro de encarar: o Gigante de Arroyito lotado por uma torcida fanática o suficiente para criar, eternizar e exportar mundialmente o gol La Palomita.Em 1971, jogavam Central e Newell’s Old Boys.
A cidade de Rosário é bem parecida a Porto Alegre em tudo: temperatura, população, mania de perseguição em relação ao centro do país, no caso Buenos Aires, e rivalidade no futebol. Lá, não se vê camisas de Boca, River ou Racing pelas ruas. Assim como aqui: Flamengo, Corinthians ou São Paulo só em vitrine. Os rosarinos vestem Central e Newell’s tanto quant o os gaúchos se fardam de Inter e Grêmio.
São os canalhas do Central e os leprosos do Newell’s, aquela já conhecida história do jogo beneficente para ajudar um hospital de doentes com lepra. O Newell’s topou. O Central, não. Daí as alcunhas, marcadas a ferro e fogo na primeira metade do século passado.
Sim, mas e e a Palomita?
Era semifinal do campeonato argentino, em 1971. Tipo Gre-Nal do século. O clássico, realizado no campo neutro do Monumental de Nuñez, estava encardido até o atacante Aldo Pedro Poy dar um peixinho improvável, partindo muito atrás do zagueiro, mas chegando à frente dele. Aparou o cruzamento com um testaço certeiro: 1 a 0, placar final.
Os argentinos chamam o nosso peixinho de palomita, diminutivo de paloma. Pomba. Faz sentido. É um voo, e não mergulho na água. O fato é que, desde então, a cada 19 de dezembro, os torcedores do Central se reúnem em algum lugar do mundo para reproduzir aquele instante, síntese da conquista de seu primeiro campeonato nacional.
O local é mantido em segredo. Em 1997, levaram Aldo Pedro Poy a Cuba. Ernesto, filho de Che, atirou a bola para ele em um campinho de várzea de Havana. O velhinho bigodudo saltou, repetindo a palomita feliz da vida pela milésima vez. Os canalhas cantaram e pularam em celebração a Poy como se recém houvesse terminado o clássico de 1971, quem sabe esperando a edição do La Capital contar tudo no jornal do dia seguinte.
Mais recentemente, para aliviar a tarefa do atacante setentão, a OCAL (Organização Canalha Anti-Lepra) passou a providenciar um colchonete para a aterrisagem. O evento La Palomita já foi realizado no Chile, na Espanha e em outros países. A OCAL tentou transformá-lo no gol mais celebrado do planeta, mas o Guiness Book recusou.
É essa torcida loucamente apaixonada, cujo emblema é o técnico Coudet, que surtou em revolta quando erros de arbitragem em favor do Boca Juniors tiraram do Central o título da Copa da Argentina do ano passado, que o Grêmio terá de enfrentar no interior da Argentina.
Os gremistas que façam da Arena um caldeirão como nunca se viu na quarta-feira. O jogo da volta, para além do adversário em si, terá La Palomita e outros inimigos imaginários medonhos a combater pela sobrevivência na Libertadores.
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