Nem só de gols, festas e ginásios lotados viveu o futsal gaúcho em 2024. Casos de injúria racial acompanhados por Zero Hora resultaram em dois indiciamentos e outros dois inquéritos que não foram concluídos até a penúltima semana do ano.
Veja a situação de cada um dos quatro casos.
Guarany x Atlântico
O episódio mais recente ocorreu na semifinal do Gauchão entre Guarany e Atlântico. Em 30 de novembro, o goleiro João Paulo, do time de Erechim, relatou ter sido chamado de macaco por um torcedor que estava nas arquibancadas do Módulo Esportivo, em Espumoso.
Os atletas do Atlântico optaram por deixar a partida e o jogo parou no Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul (TJD-RS) que, na segunda instância, decidiu que o confronto deveria ter continuidade, em Espumoso. Na decisão anterior, o TJD havia excluído o Galo da competição por conta do abandono de quadra.
O Guarany acabou punido em R$ 20 mil. O torcedor que xingou João Paulo ficou proibido de ingressar no Módulo Esportivo por 720 dias.
Contudo, o Atlântico, que não quer voltar a Espumoso, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O imbróglio atrasou o campeonato, que só vai terminar em 2025, após esgotarem-se os encaminhamentos na Justiça.
O torcedor, que não teve a identidade revelada, foi indiciado pela Lei 7.716, de 1989, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor. Foram analisadas as imagens da transmissão da partida e foram ouvidas sete testemunhas, segundo o delegado Felipe Cavalcanti. A pena prevista vai de dois a cinco anos de reclusão, além de multa.
A polícia também enquadrou o indivíduo por promover tumulto, praticar e incitar violência em praça esportiva. O crime pode resultar de um a dois anos de reclusão e multa.
AVF x Vamo Dale
O episódio anterior não foi o primeiro denunciado em 2024. Outro ato de injúria racial ocorreu na Série Prata, a segunda divisão dos campeonatos da Federação Gaúcha de Futebol de Salão (FGFS). Mas, nesse caso, a ofensa teria partido de um colega: o fixo Jhonatan Silva disse ter ouvido o xingamento "macaco" dentro da quadra, da boca do jogador Vitor Otávio Irizaga, da AVF.
Em 12 de outubro, as equipes se enfrentavam em Manoel Viana, na Fronteira Oeste, pela volta das quartas de final da competição. Ainda no final da primeira etapa, em uma disputa de bola, ocorreu a confusão.
— Ele se virou e falou para mim "macaco pau no c*" — afirmou Silva em reportagem de Zero Hora.
O Vamo Dale optou por sair de quadra e foi punido com a perda dos pontos e a consequente eliminação do campeonato. Vitor Otávio recebeu dois jogos de suspensão, cumpridos na semifinal.
No âmbito civil, a delegada Daniela Barbosa de Borba, de Manoel Viana, conduziu o inquérito que culminou no indiciamento do atleta, também com base da Lei 7.716. Cinco testemunhas foram ouvidas.
Vitor Otávio negou a acusação de Jhonatan.
— Jamais falaria isso para uma pessoa, porque não gostaria que falassem para a minha família, que tem pessoas negras. O que eu falei foi "pau no c* do c*". Foi até uma sacanagem puxarem para esse lado. A punição, que foi dada com base em um vídeo, para mim, não tem base alguma. Eu não chamei o atleta do Vamo Dale de macaco— defendeu-se em conversa com Zero Hora, em 20 de novembro.
O Vamo Dale recorreu da punição desportiva, mas teve o recurso negado pelo TJD.
Nessas duas situações, os inquéritos foram remetidos pela Polícia Civil ao Poder Judiciário, que é o responsável por oferecer a denúncia. Os indiciados respondem em liberdade.
Afucs x Guarani
Dos três casos do ano por competições estaduais, o inquérito que ainda não foi concluído é o do duelo entre Afucs e Guarani, de Frederico Westphalen, ocorrido em 31 de agosto, em Seberi, na Região Norte. O compromisso era válido pela 11ª rodada da classificatória do Gauchão.
O treinador Raphael Melo e o goleiro Léo Silva, do Guarani, relataram à arbitragem xingamentos racistas vindos de trás do gol e das arquibancadas, na volta do intervalo e após a suspensão do jogo.
Léo Silva afirmou ter sido chamado de "preto" três vezes, em tom pejorativo. O técnico confirmou o relato do jogador. O Guarani foi punido com a perda os pontos em disputa por ter saído de quadra depois do tumulto.
— Quando passei por um portão, um senhor se dirigiu a mim perguntando: “Então não pode mais chamar de pretinho ou preto?”, dentre outras ofensas — contou Melo.
O delegado Eduardo Ferronato Nardi informou que está "terminando de colher as oitivas", isto é, os depoimentos. O delegado estava de férias na última quarta-feira (18), quando falou a Zero Hora.
Passo Fundo Futsal x Fortaleza
Uma quarta denúncia em apuração, relativo a 2024, é de um jogo do Campeonato Brasileiro de Futsal, ocorrido em 22 junho. Os atletas Andson e Bob, do Fortaleza, apontaram ofensas racistas e xenofóbicas por parte da torcida do Passo Fundo Futsal, na Arena Clube Comercial, em Passo Fundo.
— Atrás do nosso banco de reservas tinha um sujeito que começou a me xingar. Do nada. Fazia tempo que ele me chamava de cabeça chata, de negro filho da puta, essas coisas, entendeu? Aí, teve uma moça lá que fez gesto obsceno imitando um macaco e chamando a gente de veado — reclamou Andson.
Em nota, o Passo Fundo Futsal repudiou o ocorrido. No âmbito esportivo, não há informação sobre eventuais punições impostas ao Passo Fundo.
O delegado Gilberto Mutti Dumke disse, na última terça-feira (17), que há um inquérito policial, mas não informou se houve avanço na investigação.