Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar.
Caminhava pelo Rio de Janeiro com meu amigo Benilton Bezerra. Em um momento, cruzamos com uns garotos jogando bola. Era uma alegre profusão de cores, desfile de camisetas de vários times. Ele fez uma pausa filosófica e proferiu a seguinte frase: a escolha do time de futebol é um momento crítico para os meninos, uma das escolhas mais difíceis da sua vida. Levei a sério o comentário deste botafoguense. Afinal, ele é um extraordinário psicanalista.
Ele defende que há uma margem de escolha, não seria uma simples adesão a um dos times de seus adultos queridos ou uma herança familiar simbólica. Difícil porque toda escolha envolve perdas e há um equilíbrio de afetos envolvidos na decisão.
É complicado defender esta tese, geralmente este momento de impasse costuma, como a maior parte das memórias da infância, ser jogado no inconsciente. É preciso ir buscar com afinco este conflito íntimo, não volta fácil. Aceito a tese por lembrar bem deste conflito e quanto me consumiu. Estava nesta sinuca enquanto acontecia a Copa de 1970.
Da Copa de 1966, tenho vaga lembrança. Resume-se a uma cena, alto-falantes na rua retransmitindo um jogo e eu não entendendo a relevância do momento.
Na Copa de 1970, tudo mudou. Já sabia que a Copa do Mundo no Brasil é sagrada e agora passaria na TV. Estava conhecendo o futebol através do rádio, acompanhando aquelas narrações com entusiasmo de opereta. Quando a imagem chegou pelas telas, o futebol revelou-se um tom abaixo do esperado, a narração parecia morna e insonsa. Eu era secretamente partidário de um tio-avô, ridicularizado pela família, que assistia os jogos sem volume, com o ouvido colado no radinho de pilha. Ele não abria mão de escutar a alucinada e vibrante verborragia radiofônica.
Em 1970, além da minha maturidade para o futebol, a TV abria um novo patamar de possibilidades para acompanhar nossa epopeia cívico futebolística. Ganhei o álbum de figurinhas, recortava fotos das revistas, guardava propagandas com alusão à Copa. Criava meu próprio museu para futuro deleite. A primeira copa tem um sabor único, a minha foi uma epifania.
A escalação ainda me vem fácil: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo, Gérson, Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé. Zagallo como técnico e do banco só lembro de Dadá Maravilha, que nem chegou a jogar. Puxando da memória, com mais dificuldade, alcanço a sequência dos jogos e os placares.
Começou e senti que estava assistindo algo maravilhoso, mas não sabia que era também divino. Assistindo outras copas, me dei conta que aquilo que parecia natural, era uma seleção fora de série. Aquela equipe foi um feliz encontro de vários gênios do futebol, tendo como maestro o maior jogador de todos os tempos.
Esses tempos revi lances daqueles jogos de 1970. Algo me coçou o cérebro. Havia uma diferença, mas não alcançava qual. Levei um dia para me dar conta o que era, e veio com ajuda do Carpinejar. Você olha aqueles jogadores e eles todos eram homens adultos. Hoje poucos parecem adultos, a maioria parece adolescentes que passaram do ponto ou marmanjos abatumados.
Durante a Copa, a decisão pelo clube veio, mas teve um drible a mais. Um amigo do meu pai disse que eu tinha jeito de gremista. Seja lá o que isso for, a coisa pegou. Começaram a me considerar gremista. Minha opção ao Internacional foi um desmentido e uma desilusão, frustrei meus melhores amigos de então, que eram gremistas. Terminei o ano campeão do mundo e campeão gaúcho. No delírio pós Copa, creditei ao Claudiomiro ser um Pelé gaudério.
A questão é que o presente do destino, que foi conhecer o futebol e a Seleção em 1970, me deixou mal-acostumado. Aquele time tornou-se meu paradigma de Seleção. Copa após Copa busco em vão a confiança, o desempenho e a magia que senti em 1970.
Fico me perguntando se é nostalgia de velho, tipo "no meu tempo as coisas sim é que …" , ou realmente não tivemos outra Seleção como aquela.