A história das mulheres no Catar não é uma página em branco. Mas ainda tem espaço para que novas linhas sejam escritas. Uma possibilidade importante para que se construa um caminho de conquistas que sejam delas e para elas.
Com costumes conservadores e guiados pela religião islâmica, o país convive com polêmicas em relação aos direitos das mulheres. O sistema de tutela masculina faz com que muitas catarianas tenham que pedir autorização para algum homem da família para trabalhar e estudar, por exemplo. No entanto, em meio às restrições, despontam lideranças femininas que podem desconstruir comportamentos que ao longo dos anos não foram questionados ou repensados.
Antes de vir para a primeira Copa do Mundo no Oriente Médio, pensei que teríamos diversas restrições no contato com as mulheres daqui. Imaginei que elas poderiam ter vergonha, receio, medo e até certa proibição em falar. Acredito que em alguma medida um pouco disso tudo até aconteça. Mas existe uma abertura enorme de várias mulheres, interessadas em conversar, conhecer novas culturas e interagir com o que é diferente.
Dia desses, voltando da Fifa Fan Festival, conheci uma brasileira chamada Mariana Alves. Ela mora em Doha e é personal trainer da princesa do Catar. Fiquei pasma quando ela me disse isso. “Como gente? Não é possível!".
Depois de milhares de perguntas para entender melhor toda aquela história, eufórica, tentei:
— Eu poderia entrevistar a princesa?
Marina, com toda tranquilidade do mundo, me respondeu:
— Olha, acredito que sim. É bem possível.
E assim surgia uma oportunidade incrível: conversar com uma integrante da família real.
Realeza surreal
Essa é Asma Al Thani. Uma mulher, catari, 33 anos, formada em Design e diretora de Comunicação e Marketing do Comitê Olímpico do Catar. Uma das princesas do país. Prima do emir Tamim bin Al Thani, o monarca do país. Cresceu rodeada por meninos.
— Tenho três irmãos homens — conta.
Bem longe do palácio, a sheikha inspira o Oriente Médio e executa projetos ousados. Amante de esportes, ela conta que foi a primeira mulher catari a escalar o Monte Everest e é a primeira árabe a escalar montanhas de mais de 8 mil metros de altura. Para fazer exercício, a vestimenta que cobre dos pés a cabeça dá lugar para outra roupa:
— Eu jogava futebol e basquete na escola. Depois eu fui tentar esportes mais extremos, como montanhismo. É um meio de explorar quem eu sou, desbloquear o meu potencial e inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo.
A Mariana, uma das treinadoras da princesa, diz que ela chega a correr 40 quilômetros num treino para melhorar a preparação e a performance na escalada:
— As pessoas subestimam ela por ser uma princesa, acham que tudo vem fácil, que faz corpo mole. Mas eu conto nos dedos quantas pessoas eu vi com a dedicação dela. Nunca me imaginei treinando uma princesa, mas, pasmem, ela é gente como a gente — completou.
A princesa é uma poderosa voz na luta pelos direitos das mulheres no Catar. E se une à Sheikha Mozah, a mãe do Emir, que tem grande influência no mundo árabe no incentivo à educação e aos direitos das mulheres. Já Asma além de incentivar a prática da atividade física, também representa as meninas e mulheres que sonham com uma formação acadêmica e com uma oportunidade mercado de trabalho. Sob o ponto de vista dela, já houve algumas conquistas:
— Eu acho que o Catar empodera mulheres e homens para fazerem o seu melhor. É um ótimo ecossistema para que possamos ter conquistas. Nossa liderança já mostrou isso. E morando aqui e sendo do Catar, eu sempre tive o apoio para poder ir onde eu quisesse — concluiu.
A princesa ainda é grande entusiasta das Olimpíadas e espera que o Catar possa ser sede do maior evento poliesportivo do planeta. Em tempos de Copa do Mundo masculina, com todos os olhares voltados ao país, são os sonhos delas que inspiram. O Mundial dos homens vai deixar um importante legado para que as mulheres daqui se encorajarem cada vez mais a escreverem suas próprias histórias.