Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar.
A taça do mundo é nossa, com brasileiro, não há quem possa... No rádio, a voz de Mendes Ribeiro, ia e voltava, entre ruídos e descargas, a Suécia ficava distante. Era 1958, eu, um garoto de sete anos. Depois, 1962, no Chile, o som não era muito melhor, mas já podia ser escutado num radinho de pilha, grande novidade. E aí, após 1966 sem registros, veio a de 1970, no México. A glória na imagem preta e branca da TV. Com 19 anos, eu já fazia fotografia. Ou, pelo menos, achava que fazia. Auxiliar de laboratório da ZH desde 1969, com menos de um ano de experiência, me empolguei, apanhei uma câmera e me fui "cobrir" as comemorações no Centro. Lá se vão mais de 50 anos, meio século! Putz!
Em 1977, um ano antes da Copa da Argentina (1978), era repórter fotográfico da Veja, e a revista me enviou ao país vizinho, mergulhado numa sangrenta ditadura, mas construindo estádios e fazendo de conta que tudo ia bem. Visitei cada uma das cidades subsedes e cada arena em reforma ou em construção. Um mês antes do começo da Copa, voltei à Argentina. Estava tudo pronto para o Mundial (para o qual eu não seria escalado) e até uma simulação de sequestro, do presidente (fake) da Fifa foi concebida e encenada pelos milicos que queriam "tranquilizar" os convidados e mostrar eficiência. Ele foi "encontrado" e colocado em "liberdade" em poucos minutos. Acho que o objetivo não trouxe "segurança" e só serviu como gozação e exposição internacional ao ridículo. Fotografei a pantomima.
A primeira vez que cobri um Mundial para valer foi na Espanha, em 1982. Os jogos do Brasil eram fotografados pelo meu colega Martinelli (dentro do gramado) e por mim, do alto, na tribuna. Para a Veja, revista semanal, mandávamos filmes via área por mãos de passageiros (ou cortesia Varig), quando havia tempo, e atualizávamos, com o envio de telefotos a cores, nos dias de jogos próximos ao fechamento. O envio de uma única telefoto colorida significava pelo menos 30 minutos de ligação DDI e, portanto, um alto preço a ser pago. Mesmo assim, transmitíamos quatro fotos por partida. É impensável nesses tempos de internet e fotografia digital, mas foi a primeira vez que a revista publicou fotos coloridas enviadas de longe pela sua própria equipe. Voltamos cobertos de glória, ao contrário da Seleção Brasileira, que jogou muito, mas caiu perante a Itália de Paolo Rossi.
Quando acabou a partida, no Estádio Sarriá, encontrei o Martinelli, chateado e emocionado. Eu, até então, estava com os nervos sob controle. Ficamos junto à porta do vestiário por onde os jogadores sairiam para entrar no ônibus. Eles iam saindo, com os cabelos molhados. Zico era aguardado por Sandra, sua mulher, com os dois garotinhos filhos do craque. Ao sair, beijou Sandra e curvou-se, abraçando, simultânea e longamente, os meninos. Ficou um bom tempo com o rosto enfiado entre as pequenas cabecinhas. Quando todos já estavam no veículo, esse moveu-se, e um grande portão de ferro foi aberto. O silêncio que estava instalado, já que o clima era fúnebre — e o jogo havia terminado há bastante tempo —, foi quebrado por uma intensa salva de palmas para os derrotados. Palmas de muitos torcedores que não tinham ido embora e aguardavam para fazer a última homenagem ao bom futebol. Saí do estádio chorando, como tantos.
Na partida final, em Madri, entre a Itália e a Alemanha, no Santiago Bernabéu, eu estava diante da tribuna de honra, responsável por fotografar os campeões recebendo, do rei Juan Carlos, a taça. Quando o goleiro e capitão italiano Dino Zoff ergueu a Copa, eu estava dois metros dele. Profundamente emocionado, contaminado pelo clima de euforia e, provavelmente, aliviado numa catarse de quem sabia que a maratona chegara ao fim, certo de que a foto final estava sendo feita com sucesso, a cada disparo do flash havia um soluço e um choro convulsivo. A alegria de voltar para casa foi turvada pelo fato de meu amigo JB Scalco ter sido hospitalizado e obrigado a permanecer na Espanha. Fotógrafo da Placar, enfermo, sequer pode cobrir a final. Morreria meses depois, no Brasil.
Cobri também a Copa do México em 1986. Aliás, sofri um grande trauma profissional nessa cobertura. Fotografei a partida final no Estádio Azteca. A Argentina venceu a Alemanha por 3 a 2. A decisão ocorreu num domingo, e a revista IstoÉ, para qual eu trabalhava, já estava com a edição fechada. As fotos só seriam publicadas na semana seguinte. Trabalhei na linha de fundo. Após a vitória, já com a taça nas mãos, os argentinos iniciaram a volta olímpica. A confusão de fotógrafos era tamanha que decidi não entrar no bolo. Cruzei o campo na diagonal. Me dei bem! Quando se aproximaram, entrei no grupo decidido a fazer as fotos de que precisava. Nesse momento, a turma toda parou, e Maradona e mais um outro jogador que portava a taça foram erguidos nos ombros dos outros atletas. Avancei e fiz as fotos. Ambos contra o céu, abraçados e com o "caneco" ao alto, na mão, emoldurados pela curva da marquise do estádio de onde pendiam as bandeiras dos diversos países participantes da competição. Eu sabia: era um fotaço!
Mas, por uma série de problemas que envolveram o transporte e a entrega do material, acabou não saindo. Aliás, nunca mais vi as fotos que fiz. Ainda não me conformo.
Agora, diante da TV, aos 71 anos, talvez eu seja só um telespectador um pouco diferente. Vivo a mistura da nostalgia daquela adrenalina com a paz de quem viu tudo de perto, mas já não passo de mais um torcedor.