O Rio de Janeiro uniu Abel Braga e Renato Portaluppi. Personagens principais do Gre-Nal 429, os dois amam a Cidade Maravilhosa. Abel é carioca de nascimento, Renato, por adoção. Ambos, porém, atingiram as maiores glórias de suas carreiras em Porto Alegre e se enfrentarão pelos clubes que os consagraram pela primeira vez. Curiosamente, técnicos tão longevos de Inter e Grêmio passarão por seu Gre-Nal de estreia em casamatas opostas.
Renato é o treinador que mais vezes comandou o Grêmio, deixou para trás Oswaldo Rolla e, no clássico do Beira-Rio, assinará a súmula pela 398ª vez na lacuna dedicada ao técnico. Em três passagens, soma sete títulos: três Gauchões, uma Recopa Gaúcha, uma Recopa Sul-Americana, uma Copa do Brasil e a Libertadores de 2017. Foi no clube que o lançou como jogador — e que foi protagonista das principais conquistas em campo — que chegou ao auge do lado de fora.
Abel está a cinco jogos de ficar em primeiro no ranking colorado. A marca deverá ser atingida contra o Vasco, daqui a cinco rodadas. O Grêmio será seu adversário de número 334. São sete passagens pelo Inter, a primeira em 1988, marcada justamente pela vitória no Gre-Nal do Século. Mas foi na quarta experiência que viveu as melhores sensações: campeão da Libertadores e do Mundial de 2006. Depois disso, venceu dois Gauchões. Não jogou pelo clube, mas já se vão cinco décadas de identificação.
Com tamanha identificação e tantos jogos, é até de se estranhar que nunca tenham se enfrentado por aqui. Ou que tenha sido no Rio que fizeram amizade. Mas é que, por mais que o Rio Grande do Sul faça parte de suas vidas, nenhum deles esconde que o coração pulsa quando o avião pousa no Santos Dumont ou no Tom Jobim.
Encontros em solo carioca
(O que vem a seguir são relatos de antes da pandemia, é óbvio) Suas vidas cariocas são diferentes das gaúchas. Renato mesmo já contou que mal consegue ir a um bar em Porto Alegre. Entre o pedido chegar e ele conseguir aproveitar, dezenas ou centenas de fãs pedem foto, autógrafo, beijo, abraço. Abel também passa por isso, talvez até em escala semelhante. Um encontro de ambos no RS só é possível nos hotéis onde cada um mora.
No Rio, não. Mais acostumados a conviver com celebridades, os cariocas não tietam tanto, e todos podem sair com tranquilidade, ver amigos, conversar.
Abel é do Leblon, da França, do piano. Renato é de Ipanema, da praia, do futevôlei. Em comum, a churrascaria Porcão, hoje fechada.
— Íamos lá jantar quase todos os domingos depois dos jogos. Muitas vezes encontramos o Abel, sentamos, conversamos. O Renato com o choppinho, o Abel com o vinho — lembra o empresário Gerson Oldenburg, figura frequente nesses encontros, que completa:
— Eles são muito amigos, infelizmente não podem estar juntos sempre porque as vidas são parecidas, com viagens e partidas.
Washington Rodrigues, comentarista de futebol há mais de cinco décadas, ex-treinador, também conviveu intensamente com ambos. Quando trabalhava na Rádio Globo, recebia Abel Braga em seu programa na madrugada:
— Ele saía dos jogos e ia para lá tocar piano. Então os músicos passavam pelo estúdio e faziam uma canja com ele. É mais tímido, mas quando se solta, mostra ser uma grande pessoa. E é bom músico.
O treinador gremista, segundo ele, tem personalidade oposta:
— Renato é mais extrovertido, já chegava brincando com um, dizendo que tinha saído, feito, acontecido. Mas eu sabia que na verdade ele é bem caseiro. Me sacaneou no Fla-Flu de 1995. Apostamos e perdi, com o gol de barriga. Tive de pagar um jantar para ele no restaurante mais caro do Rio.
Amizade fortalecida
No Rio Grande do Sul não conseguiram encontrar. Até por causa da pandemia. Mas não deixaram de conversar. Renato revelou na última entrevista coletiva:
— Vai ser uma satisfação rever o Abel. É um grande amigo, fiquei triste, pois quando chegou ouviu muitas críticas. Algumas foram até falta de respeito. Liguei para ele quando isso aconteceu. Fico feliz pelo sucesso que voltou a fazer, mesmo que seja nosso rival. Sempre torci por ele. Está de parabéns pelo trabalho que vem sendo feito. Ele deu a volta por cima.
— Renato é um grande amigo. Um cara extremamente capacitado, tem feito um trabalho maravilhoso. Há um respeito enorme entre nós. Renato foi extremamente gentil comigo, pela amizade que temos. No Rio nos encontrávamos muito na churrascaria Porcão, ele é como se fosse um sócio ali.
No domingo, o encontro dos dois será no único lugar possível em tempos de covid-19: a beira do gramado.