Gerson, jogador do Flamengo, foi alvo de injúria racial no jogo contra o Bahia, nesse domingo (20), pelo Brasileirão. O episódio, ainda inédito para o atleta, não gerou punição do agressor em campo, nem menção na súmula da partida, o que impossibilita que o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) julgue o caso. Mano Menezes, o técnico rival, acusou o flamenguista, vítima, de "malandragem". Mano e o colombiano Ramirez, acusado de ter cometido racismo, foram afastados pelo Bahia nesta segunda-feira (21).
— O público tem que começar a valorizar mais a palavra da vítima e não só a busca por comprovação — avalia o coordenador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, que lamenta:
— Nos espaços de poder e das entidades que avaliam a possível punição, o que temos são pessoas brancas que não entendem o racismo. Isso é um dos principais fatores para não avançarmos nesse debate.
Carvalho diz que o árbitro deveria ter encerrado a partida para conversar com os jogadores envolvidos. Tal interrupção é prevista pelo protocolo da Fifa e da CBF, assim como foi vista no jogo entre PSG e Basaksehir, da Turquia, pela Liga dos Campeões. Na França, os 22 jogadores em campo se recusaram a prosseguir a partida depois que Demba Ba e Webo, ouviram uma injúria racial do quarto árbitro no banco do time turco.
— Aquela reação foi louvável, precisamos comemorar, mas temos de monitorar e incentivar que mais vezes aconteça. Pelo simples fato do Gerson ter denunciado e nós hoje (segunda-feira) estarmos discutindo, já faz com que os atletas pensem na possibilidade de abandonar o campo — opina o Carvalho.
Gerson e o departamento jurídico do Flamengo foram até a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos do Rio de Janeiro na tarde desta segunda para registrar um boletim de ocorrência. A Polícia Civil instaurou inquérito para apurar a denúncia. A queixa é parte fundamental do processo jurídico. Marcelo Carvalho ressalta que os casos mais famosos são os de times grandes que são repercutidos em veículos de imprensa, mas que casos de injúria racial em equipes de menor expressão no futebol são mais frequentes do que deveriam.
— É muito difícil a denúncia se confirmar porque teria que ter uma câmera focada no jogador do Bahia. Mas não provar e o jogador não ser punido por falta de provas, isso mostra o quanto o racismo estrutural está enraizado na justiça brasileira e como é difícil para as vítimas provarem a violência que sofrem — comenta o advogado responsável pelo Observatório.
Os questionamentos por parte da autoridade ou sociedade quando algum negro denuncia ter sido alvo de injúria racial simbolizam a opinião dos que negam a existência do racismo no Brasil, segundo Carvalho:
— Se falamos que a sociedade brasileira é racista, as pessoas saem em defesa dessa sociedade. Quando nós dizemos que "o branco é racista", estamos acusando apenas os brancos que são racistas, essa acusação não é generalizada. A defesa, porém, é de todos, porque a sociedade, no fundo, tem vergonha de ser racista.
Duvidar da vítima, nestes casos, simboliza uma segunda violência em quem já foi inicialmente atacado. O chamado "racismo estrutural" acontece porque as instituições são justamente ocupadas majoritariamente por quem nunca vivenciou o racismo.
— Da forma como a sociedade brasileira encara o racismo, é muito normal questionarem. Isso é uma tentativa de blindar o racista, e isso é muito ruim para a luta antirracista. A última palavra que vale tem que ser a da vítima — resume Carvalho.