Confira comentários do professor de literatura do Grupo Unificado Vanderlei Vicente sobre O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa.
Fernando Pessoa
O poeta português Fernando Pessoa é, sem dúvida, uma das principais vozes da poesia lusitana moderna, tendo sido membro atuante da primeira fase do Modernismo português, movimento chamado de Orpheísmo. Traço fundamental de sua obra é a construção de heterônimos - 127, de acordo com biografia recentemente publicada -, espécie de personagens, que possuem nome, biografia e um estilo próprio de poesia e/ou visão de mundo.
Heterônimos
Luís Augusto Fischer, professor e ensaísta, define o processo heteronímico em Pessoa como "se esses eus múltiplos e diferentes explodissem dentro do artista, gerando poesias singularmente diversas". Alberto Caeiro, considerado o mestre dos heterônimos viveu, de acordo com a sua biografia, apenas 26 anos (1889-1915), sendo vitimado pela tuberculose. "Caeiro é o sol em cuja órbita [Ricardo] Reis, [Álvaro de] Campos e o próprio Pessoa ainda giram", afirma Octávio Paz.
Conheça a obra
O surgimento de O Guardador de Rebanhos se dá como que num transe, afirma o próprio Fernando Pessoa, em uma famosa carta endereçada a Casais Monteiro: "acerquei-me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevei trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. (...) E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre".
Temas fundamentais
Os temas fundamentais de O Guardador de Rebanhos transitam, principalmente, em torno da natureza, representação da única realidade aceitável com a qual ele mantém uma relação baseada na sensação pura, naquilo que seus sentidos percebem. Sua compreensão de mundo nega os mistérios do mundo, pois seriam impossíveis de serem objetivamente captados.
Os poemas
O poema que abre o livro apresenta a ideia de que "Pensar incomoda como andar à chuva", em uma negação do mundo metafísico, abstrato; imagem que surge também no poema V, no qual Alberto Caeiro mais uma vez insiste em sua visão de não pensar sobre a vida:
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que eu penso do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
O poema XXXIX apresenta uma tônica semelhante, com o poeta afirmando que não existe o mistério por trás daquilo que compõe o Universo:
O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvores?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? (...)
Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum.
Texto igualmente famoso de O Guardador de Rebanhos é o poema XX, no qual o poeta compara o rio símbolo de Portugal, o Tejo, com o rio de sua aldeia:
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
A proximidade do rio que corre em sua aldeia com sua vida faz com que Caeiro valorize a beleza daquilo que está próximo de sua vida. Mas há ainda um importante fator de diferenciação entre os dois rios: pensando no Tejo, surgem as conquistas de Portugal; e olhar para o rio de sua aldeia, nada suscita:
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.