As vagas na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), que podem facilitar o acesso ao mercado de trabalho, têm crescido nos últimos anos no Brasil. A oferta ainda está longe de ser significativa no Brasil.
A modalidade enfrenta desafios como a necessidade de investimentos, a modernização dos currículos e a ampliação do território abrangido.
Somadas as redes federal, estadual, municipais e privadas, o Estado registrou, em 2023, exatos 133.850 estudantes em cursos técnicos. O objetivo no Plano Nacional de Educação era de que se chegasse a 315.891 matriculados até 2024, o que demandaria a criação de mais do que o dobro de vagas em um ano, o que não ocorrerá.
Entre os bons exemplos de Ensino Técnico no RS, está a Escola Técnica Estadual Parobé, fundada em 1906. A instituição tem 186 servidores que atuam em cinco cursos técnicos subsequentes - Edificações, Eletrônica, Eletrotécnica, Estradas e Mecânica - e um integrado ao Ensino Médio, de Eletrotécnica.
Já em Canoas, o campus do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) compensa os poucos anos de existência com criatividade e infraestrutura. O local oferece três cursos técnicos integrados ao Ensino Médio: Administração, Desenvolvimento de Sistemas e Eletrônica. Para além das aulas, a instituição aposta na aprendizagem por meio de projetos (62 no total) realizados por alunos voluntários ou bolsistas.
Com aulas em tempo integral, os estudantes passam o dia em um espaço bem equipado, participando de atividades ministradas por professores que, com frequência, têm doutorado ou pós-doutorado em sua bagagem acadêmica.
— Isto aqui é quase uma instituição de graduação. Qual Ensino Médio teria monitor remunerado, com bolsa, para tirar dúvidas, mais horários de atendimento com professores, mais as aulas? Tem tudo: professores de qualidade, ambiente. Só não aprende quem não quiser, porque tudo está à disposição — opina Eduardo de Souza Ilha, 18 anos, aluno do curso de Desenvolvimento de Sistemas.
O jovem participa do projeto RevisãoOnline, no qual foi elaborado um aplicativo que permite a interação entre estudantes para a revisão de redações, com base nas competências exigidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O usuário escolhe um tema para escrever a respeito ou pede que seja apresentado um assunto aleatório. Quando a repórter testou a plataforma, recebeu a proposta de escrever sobre "Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil". Para tanto, contou com quatro textos motivadores a respeito.
Após elaborar a redação, duas pessoas são notificadas para fazer a revisão, sempre sem saber quem está do outro lado. Para receber o feedback, aquele que escreveu a redação precisará, ele também, revisar dois textos.
Para desenvolver a aplicação, os alunos precisaram estudar seis apostilas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem, para entender as cinco competências consideradas para compor a nota da redação.
— Montamos oficinas sobre o projeto. Essa é uma plataforma mais interativa, porque a competência, se tu for ver sozinha, é muito difícil de compreender. Então, passamos isso de uma forma e que eles não precisam saber tudo sobre a competência, só sobre o que o Enem vai cobrar de verdade — explica Danielle Souza Duarte, 18 anos, também participante do RevisãoOnline.
Qual Ensino Médio teria monitor remunerado, com bolsa, para tirar dúvidas, mais horários de atendimento com professores, mais as aulas? Tem tudo.
EDUARDO DE SOUZA ILHA
ALUNO DO CURSO DE DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS
A ideia é que, ao ver os erros dos outros, o aluno aprenda a corrigi-los nos seus próprios textos. A iniciativa tem dado certo: o aplicativo já possui 5,6 mil pessoas inscritas e, neste mês, conquistou o primeiro lugar na categoria Aplicativos Educacionais do XII Congresso Brasileiro de Informática na Educação.
— A plataforma tem crescido de forma orgânica. No ano passado, eram uns 2 mil, 3 mil usuários, e, neste ano, o número praticamente dobrou, mesmo sem investimento em divulgação. Tem muitos serviços pagos que oferecem revisão, e a plataforma aqui, da gurizada, é totalmente gratuita — observa Márcio Bigolin, professor do IFRS e orientador do RevisãoOnline.
Dentro do projeto, os jovens têm, também, a missão de apresentá-lo e responder perguntas durante eventos - Eduardo, por exemplo, já foi ao Uruguai e a Passo Fundo representar a iniciativa. Danielle considera que essa vivência ajuda a desenvolver, para além de habilidades de programação, por exemplo, também as de comunicação.
— Sempre fui muito tímida, e o RevisãoOnline me ajudou muito nisso. Eu ainda não gosto de falar em público, mas, antes, eu não conseguia fazer isso. No Revisão, a gente está sempre apresentando para outras pessoas e sente a obrigação de falar. Agora, ainda fico nervosa, mas consigo apresentar meus trabalhos muito melhor — conta Danielle.
Outra participante, Camille Souza Macedo, 18 anos, ressalta o comprometimento que também é desenvolvido no projeto:
— Como tu tem que fazer aquilo, tu cria uma responsabilidade maior. Tu aprende a ter compromisso.
Eduardo diz que ama o RevisãoOnline, no qual atua desde 2020, inicialmente como voluntário.
— Já fui voluntário e bolsista em outros projetos, mas o meu favorito é o RevisãoOnline, pelo network que a gente tem com as pessoas, pela equipe, que se empenha muito. É uma grande oportunidade, porque eu amo programar, mas ele não traz só isso: tu vai ter que apresentar, criar materiais, produzir artigo para submeter. Só tenho a agradecer — conclui o estudante.
Já Carlos Eduardo, Filipe, Henrique e Lucas fazem parte do Trilogic, que ensina lógica de programação por meio de jogos.
— Os alunos que ingressam no primeiro ano do IFRS têm muita dificuldade de lógica. A ideia do Trilogic é fazer com que eles melhorem o desempenho nas disciplinas e não fiquem retidos — explica Sandro Silva, professor e orientador do projeto.
Carlos Eduardo Diello Cézar, 16 anos, integra o Trilogic e diz que há uma série de dificuldades, entre as turmas de primeiro ano do IFRS, pois o funcionamento é muito diferente daquele de escolas tradicionais, por ser integrado ao curso técnico. O maior desafio, porém, é a lógica da programação.
— No Trilogic, você pratica, para conseguir entender a lógica de programação de forma um pouco mais relaxada, sem ser algo tão sério. O objetivo é que seja um ambiente que não traga aquele aspecto de sala de aula, para os estudantes sentirem que estão ali porque querem — pontua Carlos Eduardo.
Por meio de jogos, o usuário precisa colocar descrições narrativas, fluxogramas, variáveis, entre outras opções, em uma ordem lógica. Há diferentes níveis de complexidade dentro de cada módulo, que representa uma matéria da área da programação.
— Às vezes, dentro da aula, tu não consegue entender a explicação do professor. Tive dificuldade no primeiro ano, e isso ajudou — conta Lucas Ferraz Vernieri, 17 anos, que participa do Trilogic e diz que o projeto foi importante para conseguir um estágio em uma empresa em Canoas.
Filipe Mallmann Siota, 18 anos, foi a São Paulo em setembro para apresentar o projeto e ficou em terceiro lugar na categoria Tecnologia da Informação do evento FeNaDante, ocorrido no Colégio Dante Alighieri. Com isso, se credenciou para ir também a uma feira no Paraguai.
— Gostei muito de apresentar para as crianças, porque elas chegavam empolgadas. Teve uma criança que foi nos três dias de evento ao estande jogar — lembra Filipe, que está fazendo seu trabalho de conclusão de curso sobre o Trilogic.
Na equipe, cada um faz um pouco. A principal contribuição de Henrique Gross Fantonim 17 anos, por exemplo, foi no trabalho com as questões presentes nos jogos:
— Grande parte das questões foi o Felipe que criou. A minha maior contribuição foi adicionar mais questões e melhorar as já existentes. Eu fui consertando alguns errinhos e adicionando um pouco de dificuldade.
Para Carlos Eduardo, essa é uma forma de afastar o medo inicial que as pessoas têm da programação.
— No imaginário coletivo, você pensa nos filmes, com aquele monte de linhas aparecendo, os elementos, uma bagunça. Aí a pessoa pensa "meu Deus, isto aqui é alienígena, só um computador ou uma pessoa que estudou a vida inteira vai entender". E não é, necessariamente. Claro que tem códigos complexos, mas nem todo código é assim. Nós estamos há dois anos estudando e fizemos o Trilogic — exemplifica o adolescente.
Projetos no currículo
Além desses projetos, há o CientIFicando, que auxilia, ao longo do ano, alunos e professores a adequarem suas produções para apresentar na Feira Tecnológica do Campus Canoas (IFCITEC), o Offboard, no qual computadores são consertados e, depois, doados ou emprestados para pessoas carentes da comunidade escolar, e o Logimix, que oferece noções de lógica de programação e de robótica para os estudantes do IFRS.
Conforme Camila Agostinho Augusto, 19 anos, que atua no CientIFicando, ninguém é obrigado a participar de algum projeto, mas a maioria se interessa porque há ofertas de bolsas e, aos poucos, vai se interessando por outros aspectos.
— Comecei querendo uma ajuda financeira, mas depois fui pegando o gosto por pesquisar e até por ensinar, como fiz em uma oficina sobre Canva que eu ministrei, além da parte da comunicação e do aprendizado — destaca a jovem.
Marcus Vinicius Rodrigues de Jesus, 17 anos, é bolsista do Offboard e relata que o aprendizado na prática é um ponto positivo dos projetos.
— Aprendi muito sobre hardware, que me interessa bastante. Sou da área de Desenvolvimento de Sistemas, estou no segundo ano, e o Offboard me traz um aprofundamento sobre a questão física do computador que não tive ainda nesse curso — diz o adolescente.
Arthur Henrique Frigeri Buffon, 16 anos, atua no Logimix e diz que o difícil para os alunos recém-chegados é entender a lógica do que precisa ser feito para resolver um problema usando um robô, o que envolve saber o que cada parte faz e criar um programa funcional para resolver os obstáculos. A existência de projetos como esse, além da infraestrutura e da qualidade dos professores, foi o que o levou a se candidatar a uma vaga no IFRS.
— Basicamente, o curso técnico veio de brinde, para mim, junto com o IFRS. Sou de Porto Alegre e tinha passado no Parobé também, mas, mesmo sendo bem mais perto da minha casa, eu escolhi aqui. Quando cheguei, a infraestrutura era incrível e os professores também — comenta o estudante, ressaltando que os docentes do Parobé também são bons.
Camila reconhece que a rotina de aulas em tempo integral e atividades de bolsista é cansativa, mas, para ela, compensa:
— Quando a gente apresenta os resultados do projeto, os professores vêm conversar, dizem que a apresentação foi boa, perguntam mais detalhes do projeto, outros alunos se interessam e dizem que vão tentar ser bolsistas no outro lado. Vale a pena. Neste ano, estou finalizando meu TCC, mas não vou abrir mão de ser bolsista — defende a jovem.