Com dificuldade em transformar o crescimento da atividade econômica e do emprego em aumento do poder aquisitivo da população, o governo federal colocou a queda dos preços dos alimentos no centro das metas neste início de terceiro ano de gestão. A missão tem como pano de fundo uma inflação que fechou o ano passado e abriu o atual pressionada por alimentos mais caros (veja os gráficos abaixo).
Na sexta-feira passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou uma reunião com ministros para discutir o tema, cobrando medidas no curto prazo para baratear os alimentos. O chefe do Executivo disse "estar preocupado com a questão dos preços dos alimentos", segundo o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT).
O governo estuda medidas como baixar o imposto de importação, promover estímulos à produção e reduzir os custos de mediação para conter os preços. Uma das propostas, elencadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), é a redução de taxas do vale-refeição e do vale-alimentação.
Especialistas apontam que as soluções elencadas pelo governo no curto prazo, até o momento, têm efeito limitado. Uma solução mais estrutural passa por medidas de médio prazo, como equilíbrio fiscal, câmbio menos pressionado e avanços logísticos e de armazenamento, segundo economistas.
Confira abaixo cinco medidas, sugeridas por economistas e por porta-vozes de setores produtivos ouvidos por Zero Hora, que podem ser adotadas pelo governo para tornar os alimentos mais baratos.
Veja as medidas:
1. Melhorias em gargalos logísticos
Como existe pouco espaço fiscal no governo federal, o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), afirma que fica difícil achar soluções no curtíssimo prazo. Com isso, ele entende que o Planalto precisa implementar soluções no médio e longo prazo, com efeitos ainda nesta gestão. Não seria apenas uma ação, mas um conjunto de medidas, em diversas cadeias, segundo o economista.
Um desses passos seria reforçar e facilitar a cadeia produtiva. O governo conseguiria isso ao melhorar a logística e infraestrutura, priorizando a manutenção de estradas, rodovias e incentivando o uso de ferrovias e hidrovias, de acordo com Braz. Esse esforço reduziria os custos de logística e transporte, que oneram os produtores e os consumidores finais, segundo o economista. Além disso, cita também o avanço na armazenagem como ação que caminha na mesma direção.
— Eu acho que é uma coisa que o Brasil precisa investir mais, explorando primeiro o que já tem e depois fazendo planos para aumentar essas vias. E também apoio à logística reversa e à própria armazenagem, criando parcerias para melhorar a armazenagem e a silagem de alimentos. Isso pode reduzir perdas de pós-colheita — diz Braz.
2. Ações de médio prazo
O economista também cita alternativas de médio prazo, como:
- Fortalecimento da concorrência e redução da intermediação;
- Criação ou expansão de feiras livres em mercados produtores;
- Promoção de plataformas digitais para conectar agricultores diretamente aos consumidores;
- Aumento da fiscalização de práticas anticompetitivas;
- Estímulo à eficiência produtiva com acesso à tecnologia de baixo custo para pequenos produtores rurais.
— Você pode fazer uma gestão inteligente de estoques e abastecimento, aprimorar estoques reguladores, mapear os gargalos de abastecimento. Você pode estimular a produção e o consumo de alimentos sazonais. Incentivar o consumo de alimentos disponíveis em maior quantidade durante a safra reduz os custos relacionados à importação e transporte de longa distância — destaca Braz.
O reforço e a ampliação no acesso à informação para consumidores e agricultores sobre tendências de preços também podem ajudar a diminuir os custos e os preços, segundo Braz. Isso contribuiria para equilibrar a oferta e a demanda, conforme a análise do especialista.
3. Ajuste fiscal
Economista chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz defende que a elevação de preços é generalizada, não somente nos alimentos. E que o fenômeno inflacionário, portanto, não se resolverá com medidas pontuais. Na avaliação do economista, os ministros "partem do ponto errado". Ele diz que o governo precisa resolver o seu desequilíbrio fiscal para então reacomodar a subida de preços.
— Se baixar a tributação, nós vamos ser gratos, é claro, mas não vai resolver. Não adianta resolver um problema complexo com remédio que não funciona. Ou se equilibram as contas, ou se aumentam os juros, ou teremos inflação — diz Luz.
Conforme o economista, as sinalizações do governo estão centradas em dois eixos, atuando na oferta de alimentos e na retirada de tarifas de importação de produtos que sejam mais baratos na origem. Ambos os ajustes não têm efeito, diz, já que os problemas estão na demanda. Além disso, há os custos que anulam.
— Será que a logística brasileira vai manter esse produto (importado) mais barato? São medidas que não têm possibilidade de resolver o problema — questiona Luz.
4. Equilíbrio do câmbio
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que o reequilíbrio fiscal também abre espaço para câmbio menos estressado. O professor de economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) Renan Pieri afirma que as medidas ventiladas no momento, como redução de impostos de importação, podem trazer um alívio pontual nos preços, mas esse efeito pode ser limitado em razão da volatilidade nos valores dos alimentos.
Além disso, a medida também pode ter um viés negativo em um cenário onde o governo apresenta problemas fiscais e dificuldade para equilibrar o câmbio, que também afeta os preços dos alimentos.
— No ponto de vista macroeconômico, a principal política que poderia contribuir com o custo de vida do brasileiro seria reorganizar as contas públicas, com ajuste fiscal mais rigoroso, e tentar ancorar as expectativas, trazer o dólar para um patamar mais baixo, o que também permitiria a redução dos juros. Os juros mais baixos permitem que as empresas produzam de forma mais barata e o consumidor tome crédito mais barato — explica Pieri.
O professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) e dos programas de pós-graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e em Agronegócios (CEPAN) Leonardo Xavier Da Silva afirma que a redução de taxas de importação pode diminuir os custos. Contudo, não há uma garantia, porque a composição de preços depende de uma série de fatores. A acomodação da taxa de câmbio, por conta de movimentos internacionais e internos, como equilíbrio fiscal, seria mais efetiva nesse sentido, segundo Silva.
— É possível fazer mudanças transitórias em tarifas de importação? Sim. Isso vai assegurar queda nos preços dos alimentos? É uma interrogação, a gente não sabe. A acomodação da taxa de câmbio, por conta de questões internacionais, de política monetária e fiscal, é que vai ter, eventualmente, uma capacidade maior de acomodar esses preços.
Em vídeo divulgado pela primeira-dama Janja da Silva, no domingo (26), Lula citou a alta do dólar e problemas climáticos entre os fatores que explicam a subida nos preços. No entanto, o presidente destacou que o governo vai fazer reuniões com atacadistas, donos de supermercado e produtores em busca de uma solução para diminuir os custos com alimentação.
— Estamos trabalhando muito e vamos fazer quantas reuniões forem necessárias para tomar todas as decisões. (...) Pode ter certeza que nós vamos conseguir esse intento de baixar o preço do alimento para você comer mais e melhor — disse Lula.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, nesta segunda-feira (27), o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, também citou a questão do dólar, destacando a necessidade de políticas para garantir controle do câmbio e, consequentemente, dos preços.
5. Proximidade do produtor
No meio da cadeia entre produção e consumo, a Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa) vê necessidade de ajustes na oferta para a manutenção dos preços. O motivo para isso é a redução no número de agricultores nos últimos anos, especialmente no ramo de hortifrútis.
Segundo o presidente da Ceasa, Carlos Siegle, a participação caiu pela metade desde 2016, o que reflete diretamente na disponibilidade de produtos. Para Siegle, as ações do governo federal precisam ser feitas junto ao produtor.
— Acho excelente (as medidas), é importante manter os preços baixos. Mas a ação que precisa ser feita é junto ao produtor. Há dados que acompanhamos que mostram que o produtor está deixando de produzir alimento. Isso é uma coisa que o governo precisa enfrentar. O agricultor precisa de garantias para vender produção, precisa de subsídio. Isso garantiria uma renda mínima para produzir comida — diz o presidente.
Inflação em alta
Dados do fechamento de 2024 e do início de 2025 reforçam a pressão que os alimentos estão provocando no orçamento das famílias. A inflação oficial do país, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou 2024 em 4,83%, estourando o teto da meta, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A maior pressão de alta de preços em 2024 veio do grupo alimentação e bebidas, que subiu 7,69%. Essa alta é a maior desde 2022, quando ficou em 11,64%.
O dado mais recente de inflação, apontado pelo IPCA-15, que é uma prévia do principal indicador, apontou alta de 0,11% nos preços em janeiro de 2025. As maiores influências vieram dos grupos de alimentação e bebidas, que registrou alta de 1,06% e impacto de 0,23 ponto percentual (p.p.) no índice geral, e de transportes (1,01% e 0,21 p.p.).
Com previsão de safra melhor, a tendência é de que os alimentos não demonstrem avanço tão expressivo em 2025, segundo especialistas. Isso não significa queda nos valores nas gôndolas, mas sim altas menos intensas.