Em meio às previsões de onda de demissões por parte de diversas entidades patronais e dos trabalhadores, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, justificou nesta sexta-feira (24) o veto total do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à desoneração da folha de pagamento dizendo que a proposta é inconstitucional.
Ele afirmou que pretende, na volta da COP28, apresentar novas medidas relacionadas ao tema para Lula e depois conversar com os municípios (que também eram beneficiados pelo projeto aprovado no Congresso) e setores impactados para resolver o problema. A ideia, segundo ele, é "pacificar a questão" no Parlamento.
— Desde o começo fiz menção ao parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da AGU (Advocacia-Geral da União) sobre a inconstitucionalidade da proposta. Não recebi nenhum pedido de audiência para o explicar o porquê daquilo — declarou Haddad, em entrevista coletiva.
— Essa medida que foi vetada (a desoneração) significa mais de R$ 25 bilhões de renúncia fiscal. É metade do fundo constitucional (previsto na reforma tributária), que acharam que tinha dinheiro demais — ilustrou.
Surpresa
O veto total causou surpresa entre empresários e parlamentares. A política de desoneração da folha foi criada pela então presidente Dilma Rousseff em 2011. Ela permite, atualmente, que empresas de 17 setores beneficiados paguem contribuições sociais sobre a receita bruta com alíquotas de 1% a 4,5% em vez de 20% do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) relativo aos funcionários com carteira assinada.
O texto aprovado no Congresso prorroga o benefício, que se encerraria no fim deste ano, até dezembro de 2027. E incluiu dispositivo que desonera também as prefeituras de municípios com até 142,6 mil habitantes. Neste caso, em vez de pagarem 20% da alíquota previdenciária, as cidades passariam a desembolsar 8%.
Haddad afirmou que, na aprovação da reforma da Previdência, constou um dispositivo que impedia a promulgação de mais incentivos fiscais para empresas, a fim de combater o déficit da Previdência, seja do lado das receitas ou das despesas:
— Além desse, há outro dispositivo constitucional que determina a revisão de todos os benefícios fiscais em oito anos.
Haddad não adiantou quais medidas serão propostas para resolver a questão dos setores e afirmou que antes precisa discuti-las com o presidente. O ministro também disse que não poderia falar sobre uma possível derrubada do veto por parte do Parlamento, por não ser membro do Congresso.
A avaliação é que, se o veto não for derrubado pelo Congresso e houver a reoneração da folha, os setores até beneficiados serão obrigados a demitir. A projeção da União Geral dos Trabalhadores (UGT) é de que os cortes podem atingir quase 1 milhão de trabalhadores – ou 10% dos cerca de 9,7 milhões de empregados hoje nesses segmentos.
Articulação para derrubar a decisão presidencial
No Congresso, o autor do texto que prorroga a desoneração da folha, Efraim Filho (União Brasil-PB), o presidente da Frente Parlamentar do Comércio, o deputado Domingos Sávio (PL-MG), e a relatora do projeto na Câmara, a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), iniciaram articulação para derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Eles pressionam para analisar a matéria na próxima semana, pois, com o veto, a desoneração da folha é válida só até 31 de dezembro. Na Câmara, o texto que previa a prorrogação foi aprovado por 430 votos a 17. No Senado, a votação foi simbólica, uma vez que houve um consenso de que a matéria deveria ser aprovada.
Ainda não há uma data definida para analisar o veto presidencial. Para derrubar a iniciativa de Lula, serão necessários 257 votos de deputados e 41 de senadores.
Reações empresariais
Presidente executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos afirma que o veto representa "falta de visão do governo", que ainda não encontrou "um programa econômico que estabilize os diversos setores da economia".
— Investimos milhões, só no Rio Grande do Sul nós investimos mais de R$ 100 milhões nesses dispositivos de adequação da estrutura, contando com essa contrapartida do governo que é a desoneração — diz Santos, lembrando que o setor seguiu produzindo em torno de 13 milhões e meio de toneladas de carne de frango, com 30% destinado à exportação e o restante para consumo interno.
Para Claudio Teitelbaum, presidente do Sinduscon-RS, entidade que representa o setor, avalia que a medida foi "irresponsável."
— O setor da construção civil gera 600 mil vagas diretas, um dos que mais emprega no país. Cerca de 15% dos empregos da indústria são da construção civil. Não conseguimos medir o impacto dessa medida irresponsável que pegou a todos de surpresa — pontua.
Ele também diz que quanto maior a carga tributária sobre as empresas menor será o retorno para a economia e geração de empregos. E cobra do governo federal uma reforma administrativa para reduzir o custo da máquina pública.
Em nota, a Federação das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado (Fetergs) ressalta que "o veto trará uma majoração de custos que vai impactar diretamente na tarifa pública paga pelo usuário desse imprescindível serviço".
A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) afirma que o setor deve ter carga tributária extra de R$ 720 milhões por ano, o que terá impacto na produção e, consequentemente, no emprego.
"O impacto, imediato, é de perda de 20 mil empregos já no primeiro ano. O que já estava complicado, deve piorar a partir do próximo ano se a medida não for revertida no Congresso" diz o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.
O presidente executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, afirma que, do ponto de vista legal, a desoneração é perfeitamente constitucional, pois se trata de extensão, e não da criação de um benefício fiscal.
— Além disso, o veto ameaça milhares de empregos que foram mantidos ou gerados nestes setores, com alto uso de mão de obra, nos últimos anos. Diante destas circunstâncias, confiamos na sensibilidade do Congresso para derrubar o veto.
Os segmentos beneficiados
- Confecção e vestuário
- Calçados
- Construção civil
- Call center
- Comunicação
- Empresa de construção e obras de infraestrutura
- Couro
- Fabricação de veículos e carroçarias
- Máquinas e equipamentos
- Proteína animal
- Têxtil
- Tecnologia da informação (TI)
- Tecnologia de comunicação (TIC)
- Projeto de circuitos integrados
- Transporte metroferroviário de passageiros
- Transporte rodoviário coletivo
- Transporte rodoviário de cargas