Se só de pensar em reclamar de um serviço sem qualidade ou de um produto com defeito você já se cansa e desiste, integra um grupo cada vez menor de consumidores passivos. Com canais que vão desde órgãos de defesa do consumidor até redes sociais, reclamar deixou de ser um hábito inócuo para se tornar uma forma eficiente de lutar por seus direitos.
Foi o crescimento desproporcional das queixas que levou órgãos reguladores e de defesa do consumidor a agir sobre setores que por anos lideraram impunemente o ranking de reclamações no país, como telefonia celular e TV por assinatura.
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A nova postura do consumidor, agora exigente e bem informado, fez também com que as empresas começassem a mudar de atitude diante dos problemas dos clientes. Após comprar dois pares de sapatos infantis na internet para a filha Júlia, três anos, a assistente administrativa Mariana Sandri Silveira, 27 anos, pensou em desistir diante da demora para o produto chegar.
- Cansei de ligar para o telefone de atendimento ao consumidor e ninguém atendia. Parecia uma empresa fantasma - lembra Mariana.
Depois de diversas tentativas frustradas, a porto-alegrense relatou o problema no site Reclame Aqui - um dos canais pioneiros de resolução de problemas de consumidores na internet.
- Em menos de 48 horas, tive o retorno da empresa, garantindo que o valor seria estornado do meu cartão - conta Mariana, que desde então passou a pesquisar informações de empresas antes de fazer qualquer compra.
Não importa quanto tempo terá de gastar, o advogado Ademar Pedro Scheffler, 58 anos, não abre mão de protocolar por escrito alguma reclamação e entregar na própria empresa.
- Prefiro ter um documento formal do que ficar esperando horas para ser atendido no 0800 - relata Scheffler.
A última reclamação foi parar na sede da companhia aérea Pluna, em Montevidéu (Uruguai). Depois de comprar passagem de ida e volta de Porto Alegre para a capital uruguaia, o advogado foi surpreendido com a notícia da falência da empresa:
- O valor de R$ 570 já tinha sido incluído na minha fatura. Tentei uma solução no plantão telefônico da empresa, mas não tive retorno.
Scheffler acabou comprando em outra companhia passagem para Montevidéu, onde faria um curso. No Uruguai, foi até a sede da empresa, que estava fechada. Quando retornou a Porto Alegre, recorreu ao Procon do município e entregou os comprovantes da compra. Em uma semana, teve o valor estornado do cartão.
- Quando há uma violação de direito, temos de reclamar - resume Scheffler.
A atuação do Procon da Capital ganhou repercussão nacional nos últimos meses quando a diretora executiva do órgão, Flávia do Canto Pereira interrompeu a venda de novos planos de celulares de quatro operadoras - Claro, Oi, Tim e Vivo. A medida foi suspensa dias depois com o comprometimento das empresas em investir na melhoria dos serviços, e seguida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Neste mês, foi a vez das TVs por assinatura entrarem na mira do Procon municipal. Na quinta-feira, Net e Sky foram notificadas, exigindo que apresentem um plano para melhorar suas centrais de atendimento e a qualidade do sinal de transmissão. As empresas terão 15 dias para entregar um plano para resolver problemas com elevado tempo de espera em call centers, cobranças indevidas e queda no sinal.
- A nossa atuação ajudou a despertar a conscientização dos consumidores - diz Flávia, referindo-se ao aumento das reclamações que passaram a chegar diariamente ao órgão.
Desde julho, quando as operadoras de telefonia foram notificadas também pela Anatel, as demandas no meio eletrônico do Procon mais do que dobraram. Na quinta-feira passada, a Anatel também chamou as TVs por assinatura para cobrar planos de ação que solucionem problemas apontados pelos clientes.
Responsável pela regulação de serviços que lideram o ranking de reclamações no país (telefonias móvel e fixa, banda larga e TV por assinatura), a agência contabiliza mais de 2 milhões de reclamações desses setores desde o começo do ano.
- Antes de recorrer à Anatel, o consumidor deve procurar a empresa e anotar o número do protocolo do atendimento - explica Letícia Seabra, chefe da assessoria de relações com os usuários da agência.
O crescimento das reclamações, esclarece Letícia, está relacionado à maior conscientização e também com a entrada de novos consumidores nesses setores.
Cuidado com a esperteza
Gabriel Borela ameaçou reclamar à Anatel
Foto: Lauro Alves
Cansados de longas esperas em serviços de atendimento ao cliente (SAC) e soluções proteladas, os consumidores ampliaram os canais para colocar a boca no trombone. Somente o site Reclame Aqui, pioneiro no país, recebe em média 300 mil reclamações por mês, tendo cadastro de 5,5 milhões de consumidores. No ano em que foi criado, em 2001, o portal registrou apenas 29 reclamações.
- Até 2007, poucas empresas respondiam. Com a internet e as redes sociais, os consumidores passaram a exigir mais e as empresas viram que precisavam proteger suas marcas - avalia Maurício Vargas, fundador e presidente do Reclame Aqui.
O temor do impacto de notícias negativas e de críticas em redes sociais levou as empresas a reformular os canais de relacionamento para evitar que a solução de problemas viesse com o desgaste da marca.
Hoje, destaca o empresário, as companhias têm departamentos específicos para responder demandas encaminhadas pelo Reclame Aqui. Das 10 mil reclamações que chegam ao site diariamente, 72% são resolvidas em até dois dias.
- Das 28% que não são respondidas, a maioria é de telefonia - afirma.
Gerente administrativo de uma empresa de ensino em saúde na Capital, Gabriel Borela, 22 anos, só conseguiu cancelar sete linhas de telefone após ameaçar que iria reclamar à Anatel.
- Todas as vezes que liguei para o 0800 fiquei mais de 30 minutos esperando para ser atendido. Diziam que iriam enviar a carta de rescisão por e-mail, e nada. Depois de 15 dias, liguei novamente e disse que iria contatar a Anatel, foi quando resolveram - conta Borela, lembrando que em 30 dias as linhas foram canceladas.
No universo de reclamações, no entanto, uma minoria de consumidores tenta levar vantagem. No site Reclame Aqui, há controle estrito para evitar esse tipo de ação.
- Temos bloqueado o cadastro de mais de 200 mil pessoas que tentaram tirar algum proveito com reclamações - relata o presidente do portal.
Um caso notório foi o das "gordinhas de Santa Catarina". Um grupo de 35 mulheres de Florianópolis fazia rodízio para reclamar a uma fábrica de chocolates, que respondia enviando duas caixas de bombons. Foram mais de 300 caixas enviadas em 90 dias antes de detectada a esperteza.
Uma celebridade na briga desigual
Ao ganhar visibilidade nacional, o caso da catarinense Daniely de Andrade Argenton, 35 anos, que no ano passado criou um site para reclamar de um carro da Renault, evidenciou a força do consumidor na internet. Depois de se queixar por quatro anos de um Mégane sedã 2.0, que apresentou falhas no motor desde os primeiros dias de uso, Daniely usou a rede para protestar contra o descaso da montadora.
Ainda em 2007, a empresária catarinense entrou na Justiça reclamando dos problemas no carro zero-quilômetro, que foi e voltou da assistência por inúmeras vezes sem solução. Mas foi somente em março do ano passado, após criar o site
www.meucarrofalha.com.br e postar vídeos no YouTube, que tiveram mais de 200 mil acessos em poucos dias, que a consumidora conseguiu chegar a um acordo com a empresa.
Antes disso, em fevereiro, a Renault ingressou na Justiça pedindo a retirada do conteúdo da internet, gerando ainda mais críticas. A conciliação ocorreu quando a montadora ressarciu a consumidora com o valor equivalente do carro na época, cerca de R$ 70 mil, mais gastos, e doou um Clio zero-quilômetro para uma associação de assistência à criança deficiente de São Paulo.
- Se não tivesse me mobilizado, estaria até hoje com meu carro estragado - disse Daniely, que desde então passou a ser entrevistada por estudantes para trabalhos sobre direitos do consumidor.
A maior consciência dos clientes e o grande volume de informações são resultado da globalização e do aumento do nível educacional da população, avalia o professor Jonas Cardona Venturini, da ESPM-Sul.
Com o movimento dos consumidores, órgãos criados para regular setores privatizados passaram a agir mais intensamente. O ciclo foi fechado com a rápida capacidade de disseminação das informações na internet e nas redes sociais.
- O mercado não perdoa mais falhas. O brasileiro se deu conta da diferença dos serviços prestados aqui e em outros países e passou a ficar mais exigente - afirma o professor.
Para a coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste), Maria Inês Dolci, a busca por soluções não é mais individual, mas coletiva - com a necessidade das empresas saberem usar as reclamações como melhoria de processos internos.
- O grande desafio é conseguir dar uma solução a problemas que se tornaram coletivos. O consumidor do futuro é esse que cobra e faz com que as mudanças ocorram - define Maria Inês.
Retorno mais rápido
Consumidor descobre prazer de reclamar
Cada vez mais clientes usam redes sociais e órgãos de defesa para protestar contra má qualidade de produtos e serviços
Joana Colussi - Direto da Índia
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