Se as estações do ano ganham características superlativas, são os homens do campo que mais sentem os efeitos desses exageros do tempo. A estiagem que assola o Rio Grande do Sul impingiu seus efeitos a pelo menos 257 mil propriedades e deixou mais de 17 mil famílias em dificuldade de acesso à água.
Conforme dados da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), isso significa estimativas de perdas na ordem de R$ 115 bilhões, somando cadeias produtivas e impostos, e de R$ 31,7 bilhões somente nas lavouras. Resultado: projeção de queda de 8% no Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.
Riscos são inerentes à atividade agrícola, mas algumas medidas podem ajudar — e muito — a passar por períodos extremos, como o de agora, com mais serenidade. O diretor técnico da Emater/RS, Alencar Paulo Rugeri, aposta em um tripé essencial para enfrentar esses períodos: planejamento, gestão e profissionalismo.
No caso das estiagens, o investimento em irrigação é fundamental, apesar de não fazer milagre sozinho. E essa ação, alerta Rugeri, deve ser avaliada dentro de cinco paradigmas: possibilidade de se ter água na área, topografia favorável, energia para irrigar, querer irrigar e ter condições financeiras para essa irrigação.
Nesse ponto, o agrônomo destaca que a gestão faz a diferença. Não basta somente levar água à lavoura, é preciso garantir uma base produtiva, nesse caso o solo, com fertilização adequada, corrigido e com rotação de culturas, por exemplo.
A irrigação é um complemento dentro de um trabalho completo de gestão e planejamento da propriedade, em que o produtor terá claras as suas necessidades de água e de armazenamento dela.
— Aquele que não faz gestão terá mais dificuldades. A estiagem não é uma novidade, mas às vezes não se faz um planejamento para reduzir o risco hídrico. Não adianta ter o melhor sistema de irrigação se não tiver água — diz.
Outra ferramenta valiosa para encarar os humores do tempo são os seguros agrícolas, apontados por especialistas como um investimento essencial para quem vive do campo. Funcionam basicamente à semelhança de outros seguros. O produtor contrata o plano de uma seguradora para se proteger da intempérie.
Há seguros para múltiplos eventos, por exemplo, seca, granizo e geada, que são os mais comuns. Sempre quando ocorrem condições imprevistas, os chamados sinistros, um perito vai até a propriedade, faz um laudo de vistoria sobre os estragos e a seguradora paga o valor de indenização previsto para esse produtor de acordo com o que está estipulado na apólice de seguros.
Especialista em seguro agrícola e professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), Vitor Ozaki explica que os produtores definem a produtividade garantida na contratação do seguro e recebem a diferença daquilo que perdem por conta do mau tempo.
No entanto, ele ressalta que os valores dos prêmios por apólice não são calculados de forma individualizada, mas pelo risco médio de cada região. Para a soja no RS, estima-se atualmente um prêmio médio de quase R$ 29 mil por apólice. O seguro parece desvantajoso para o produtor de baixo risco porque não considera a produtividade especifica da propriedade, mas da região em que está inserida.
Ozaki entende o seguro agrícola como a melhor ferramenta contra riscos climáticos, mas reconhece que a desinformação ainda afasta os produtores, assim como a oferta reduzida desses serviços — são 14 seguradoras no mercado brasileiro. Isso se reflete na pouca cobertura das lavouras.
No Rio Grande do Sul, apenas 30% da área plantada com soja foi segurada pelo mercado em 2020, ou seja, 1,8 milhão de hectares segurados contra 6 milhões de hectares plantados. O especialista alerta que, diante da velocidade das mudanças climáticas, proteger as lavouras com seguro será um caminho sem volta para quem quiser viver da agricultura.
Mas antes de fazer esse investimento, sugere que o produtor busque o máximo de informações em sindicatos e cooperativas e desbrave os subsídios oferecidos pelo governo. Como em qualquer setor, não são raras as reclamações sobre o atendimento das seguradoras na hora em que o produtor precisa. Ainda assim, Ozaki aposta que, sem elas, a dor de cabeça pode ser maior:
— O produtor muitas vezes acha que seguro é só custo, que nunca vai usar. Mas quando ele tem seguro e sofre uma perda, aí vê a importância.
A falta de chuva em números*
- São 98 mil produtores de milho atingidos no RS, sendo 88 mil com redução de produtividade confirmada;
- A produção de milho deve ficar em torno de 2,7 milhões de toneladas. Uma redução de 54,7% em relação à estimativa inicial (6,1 milhões de toneladas). A perda estimada é de R$ 5,2 bilhões;
- Na produção de soja, devem ser colhidas 11,1 milhões de toneladas, 43,8% a menos do que o estimado inicialmente (19,9 milhões toneladas). A perda econômica chega a quase R$ 28 bilhões.
Fonte: Emater/RS-Ascar, em 12/2/22
Proteção contra pouca chuva, granizo e geada
![Diogo Zanatta / Especial Diogo Zanatta / Especial](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/1/4/0/1/9/9/1_4823a5227cefaf1/1991041_bbcae7ba881e21c.jpg?w=700)
Neto de pecuaristas, o médico veterinário Cassiano Silveira Gervin, 37 anos, comanda o que chama de uma “empresa a céu aberto”. Divide-se entre propriedades em Esmeralda e Pinhal da Serra, nos Campos de Cima da Serra.
São 320 hectares de lavoura, cujas culturas de verão são soja (70%) e milho (30%), e as de inverno, aveia branca e triticale, grão produzido a partir do cruzamento entre trigo e centeio. Há ainda mais 400 hectares voltados à pecuária de corte, com recria de gado e finalização em confinamento.
Entre 2019 e 2020, Gervin viveu os sobressaltos da falta de chuva. Foram 30 dias sem precipitações consistentes na região de suas plantações. Ficava cada vez mais claro que investir em irrigação e rogar por mais chuva não seriam o suficiente para garantir tranquilidade. Então, apostou no seguro agrícola e assegurou 100% da área plantada.
Isso garante custos básicos, que vão desde compra de sementes e fertilizantes até manutenção de equipamentos. Fez o que se chama seguro multirrisco, que contempla perdas ocasionadas não somente por estiagem, mas também por granizo e geada. A medida foi o que ajudou o agropecuarista a não se desesperar diante de uma estiagem ainda mais severa do que aquela que o estimulou a buscar esse recurso.
— O seguro é um investimento na propriedade, porque as secas estão cada vez mais severas e recorrentes. E não é só a seca. Uma tempestade de granizo, por exemplo, termina com o teu trabalho de anos em cinco minutos. Para mim, o seguro se tornou tão fundamental quanto o combustível que abastece o maquinário — diz.
Liderança da unidade da Cotrijal Cooperativa Agropecuária e Industrial em Esmeralda, Gervin admite que parte dos agricultores do Rio Grande do Sul ainda não reconhece o seguro agrícola como algo fundamental na atividade rural, talvez isso explique porque o Estado tenha, no caso da soja, somente 30% da área plantada assegurada, ficando atrás de Estados menores, como o Paraná, onde esse percentual é de 36%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos a 2020.
— Muita gente entende que o custo do seguro é alto e que vai colher mais do que a cobertura que ele oferece. Eu prefiro não correr esse risco. Como seria, hoje, estar na agricultura sem seguro na lavoura? Nem penso nisso. Não é saudável! — resume.
Açudes são o oásis de Edson, de Agudo
![Edson Joel Weise / Arquivo Pessoal Edson Joel Weise / Arquivo Pessoal](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/5/4/0/1/9/9/1_17b2a507ae88a07/1991045_891412fc1acc130.jpg?w=700)
Momentos de tempo seco sempre ocorreram na Região Central. Nascido em Agudo, município de colonização alemã a cerca de 240 quilômetros de Porto Alegre, Edson Joel Weise, 51 anos, já viu muita briga por água na estiagem.
Hoje, a falta de chuva que assola o Estado não tira tanto o sono do agricultor. Isso porque desde 2004, quando desistiu das atividades no setor leiteiro, ele resolveu aproveitar a área de pastagem para a construção de açudes. A medida seria como prevenção a episódios de seca e ajudaria a evitar prejuízos na sua empreitada com hortifrúti e também no cultivo de 22 hectares de arroz, que mantém em comodato. Abastece-se de três açudes, dois com 90 metros de taipa e 12 metros de profundidade e um com 180 metros de taipa e sete metros de profundidade.
— Eu estou num oásis. Consigo manter a produção, mesmo com o calor todo que fez. São os açudes que nos garantem isso — conta o agricultor.
Edson teria perda total na lavoura de milho se não contasse com o abastecimento feito a partir da água armazenada nos açudes. Percebe na prática o valor da irrigação.
Uma lavoura irrigada bem manejada, segundo a Emater/RS, pode dobrar a produtividade. Ainda assim, Edson deve colher menos do que em outros anos. Por conta disso, o agricultor pretende aprimorar a prática nas plantações. Um dos planos é aplicar cerca de R$ 70 mil em um sistema automatizado.
Miro tira água de pedra para o cultivo
![Miro Pohren / Arquivo pessoal Miro Pohren / Arquivo pessoal](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/8/4/0/1/9/9/1_fdd7f749c41ca24/1991048_8eed79b485de35a.jpg?w=700)
No meio de uma região montanhosa, entre os cerros de arenito e seixo que separam Santana da Boa Vista e Caçapava do Sul, no centro-sul do Estado, Miro Pohren, 65 anos, tira água de pedra para encarar a seca que castiga os campos. Conduz o trabalho na pequena propriedade de dois hectares e meio com o mesmo estoicismo que o fez, há 17 anos, dar de ombros para os que diziam que seria loucura investir em uma plantação de hortifrúti numa área de solo tão pedregoso, cujo futuro só se vislumbrava pela criação de gado.
Desde que virou o primeiro torrão de terra na Chácara Santa Olina, nome em homenagem à mulher, Miro sabia que sem irrigação a profecia dos que o demoviam de ficar ali se concretizaria. Observou o relevo, buscou informação técnica e construiu o primeiro açude da propriedade. Hoje são quatro, que garantem, cada um, a reserva de aproximadamente 600 mil litros de água:
— Não tenho como fazer poço artesiano aqui e, sem irrigação, não há recursos para uma plantação. Então, procurei por onde descia a água das pedras e aproveitei a caída do relevo para fazer os açudes. A necessidade é a mãe dos criativos.
Miro investiu em canalização e cisternas, para captar água da chuva, estufas e na microaspersão para que cada gota de água caia onde tem de cair. Com essa última, garante uma economia de até 70% do consumo de água da plantação.
Na ponta do lápis, Miro não tem o valor exato investido, mas orgulha-se ao contabilizar que, anualmente, colhe em média 6 mil quilos de tomate, 40 mil pés de verduras, 25 mil espigas de milho e uma infinidade de abóboras, pimentões e morangos.