
As mulheres são vítimas mais frequentes de dores crônicas do que os homens, apontam médicos da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED), sendo que as principais queixas relatadas são nos ombros e no pescoço, no abdome, na pelve, além de enxaqueca e cefaleias, entre outras.
A situação se agrava por conta do estigma de que a mulher seria “o sexo frágil” e, por isso, reclamaria mais de dor.
Segundo a médica anestesiologista Daniela Costa Martins Dietrich, coordenadora do comitê de dor pélvica da SBED e professora da residência do ambulatório de dor da Universidade Federal de São Paulo, essa ideia contribui para uma banalização da dor feminina e faz com que o diagnóstico e o tratamento desses incômodos demorem mais a acontecer.
— É preciso escutar o paciente e não se pode banalizar os sintomas dele, que são superimportantes porque a dor é subjetiva, cada um sente a dor individualmente e as pessoas são diferentes no tanto de sensibilidade que têm — afirma a médica.
Dores estruturais
No mês em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, vale a pena prestar atenção especial aos fatores que influenciam a dor crônica em mulheres: são principalmente hormonais, psicológicos, sociais e estruturais.
No que diz respeito às alterações hormonais, estas são mais intensas durante a menstruação, a gestação, a pré-menopausa e a menopausa, quando as flutuações dos hormônios estrógeno e progesterona aumentam muito a chamada “sensibilidade álgica” na mulher, que é a sensibilidade à dor.
Além deles, a testosterona e o cortisol também são hormônios que influenciam na intensificação da dor.
— Na pré-menstruação, por exemplo, pode-se perceber que a mulher tem mais cefaleia, enxaqueca, fica mais sensível e mais irritada, coisas que normalmente ocorrem por causa do estrógeno. Já o nível de cortisol fica muito aumentado nos casos de estresse crônico, e normalmente as mulheres estão sempre com estresse crônico — observa Daniela.
Outro fator importante e que muitas vezes não é valorizado são aspectos psicológicos como ansiedade, depressão, estresse e estresse pós-trauma, os quais são capazes de fazer o público feminino experimentar uma sensibilidade aumentada da dor.
Por exemplo: uma mulher deprimida ou ansiosa tende a sentir mais dor que uma que não sofre dessas doenças.
Situações de violência na vida diária ou no passado também podem contribuir para dor crônica, algo que, segundo a especialista da SBED, tem sido amplamente descrito pela ciência recentemente. Abuso sexual, agressão física ou verbal, violência obstétrica são alguns exemplos.
— Tenho muitas pacientes que vivem um verdadeiro drama dentro de casa, um casamento ruim, uma vida ruim, e sofrem de dores crônicas como a fibromialgia e outras. A violência é um fator que predispõe a mulher a ter dor crônica. A dor pélvica crônica, por exemplo, está muito relacionada com abuso sexual — explica a anestesiologista.
A sobrecarga e o estresse provocados por uma jornada dupla, tripla e até quádrupla – uma realidade para muitas mulheres que precisam dar conta do trabalho, dos filhos, da casa e do marido sozinhas – fazem com que fiquem mais sensíveis à dor.
E tanto a intensidade desta dor como a frequência das crises também são influenciadas pela sobrecarga.
— Quando você está sobrecarregada, você vira um furacão. Tudo é mais sensível, você tem mais dor de cabeça, no pescoço, no ombro, tem mais cólica menstrual, mais dor pélvica, dores sobrepostas —afirma a médica.
Dores mais prevalentes
A cervicalgia, a lombalgia e as dores nos ombros são muito comuns em mulheres e costumam estar relacionadas ao estresse, ao acúmulo de funções e ao uso de smartphones e computadores.
A fibromialgia é outro exemplo de dor crônica extremamente prevalente na população feminina, numa proporção que chega a nove mulheres para um homem com a doença. E os impactos na vida da mulher são muitos: pacientes relatam cansaço extremo, fadiga, dor músculo-esquelética, alterações do sono, alterações cognitivas de memória, dificuldade de concentração.
As mulheres também são maioria na questão da dor pélvica crônica, caracterizada pela sensação diária de incômodo na região do umbigo para baixo, na vulva, no canal da uretra, na bexiga, no útero ou no períneo. Pacientes com esse tipo de queixa podem sofrer muito na hora de ir ao banheiro ou durante a relação sexual.
Uma péssima notícia é que quem tem dor crônica também fica mais predisposto a ter outros tipos de dores, um fenômeno que é chamado, em inglês, de overlapping pain syndrome. Por exemplo: a paciente com fibromialgia tem mais predisposição a ter enxaqueca, dor nos ombros e cefaleia.
A explicação por trás disso é o fato de que o paciente com dor crônica fica com o seu sistema nervoso central hipersensibilizado:
— Ocorre uma desregulação que faz com que os pacientes com dor crônica vivam num estado de hipersensibilidade. A dor é baseada em química e depende de neurotransmissão, e as dores crônicas afetam tanto os neurotransmissores excitatórios quanto inibitórios — explica a médica.
Impactos no dia a dia
Quem tem dor crônica fica com os nervos à flor da pele e, se não fizer nada a respeito, tende a ficar mais ansioso e choroso porque a dor amputa a vida, como detalha a anestesiologista: a mulher não consegue fazer suas atividades normais, não consegue ter vida social e não consegue ir a uma formatura ou à festinha de um filho, pois está com dor.
Em uma crise de enxaqueca, por exemplo, não consegue sair de casa, pois está com dor e não aguenta a luminosidade.
— O sistema das emoções e da dor é o mesmo, andam de mãos dadas, equilibrados numa balança. Quando um vai mal, o outro vai mal. Se um vai bem, o outro vai bem. A dor limita muito a qualidade de vida das pessoas. E, por outro lado, quando se encontra alguém que valoriza aquela dor, a pessoa fica feliz, aliviada — salienta Daniela.
O tratamento de dor é multidisciplinar, exige uma espécie de exército. Mas o primeiro passo a dar, segundo a médica, é buscar um especialista que atue na área de dor, que geralmente são médicos neurocirurgiões, reumatologistas e anestesiologistas, mas há outros. Depois, pode-se necessitar de fisioterapeuta, psicólogo, psiquiatra, fisiatra, nutricionista.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico de dor crônica é complexo devido à subjetividade, mas a primeira coisa que precisa ser feita pelo profissional da saúde é ouvir o paciente, acolher sua dor e não desdenhar de suas queixas.
Outro passo importante é avaliar a história de vida da pessoa, há quanto tempo convive com a dor e se possui algum trauma emocional ou alguma doença crônica preexistente, como diabetes e hipertensão – os diabéticos, por sinal, têm muita probabilidade de ter dores crônicas neuropáticas por conta de um processo de destruição do sistema nervoso periférico que ocorre com a doença.
Também é importante avaliar em qual ciclo de vida reprodutiva a mulher está, já que é sabido que os hormônios influenciam a sensibilidade álgica e que na pré-menopausa, especialmente, costuma-se experimentar um aumento da dor.
Outro ponto a ser observado é como está a vida social em casa e no trabalho. Trabalhar num emprego que odeia, num ambiente que acha péssimo, e ainda pressionada a cumprir prazos pode provocar a evolução da dor crônica.
Em alguns casos, a recomendação médica é focar mais no autocuidado mental, com o corpo e com a autoestima.
— Recomendamos fazer terapia cognitivo-comportamental, mindfulness e separar alguns momentos para relaxar, ir ao salão, arrumar o cabelo e pintar as unhas, porque muitas vezes a mulher negligencia a si mesma para favorecer outras pessoas. Durante o tratamento, na maioria das vezes, a autoestima dela muda e ela começa a olhar menos para os outros e mais para ela — comenta a médica.
A genética também tem influência na dor, pois existem certos genes que, de fato, fazem com que algumas pessoas tenham tendência a ter mais dor que outras. Dessa forma, é interessante analisar se existem outras pessoas com dores crônicas na família.
Após o exame físico, o médico poderá solicitar exames neurológicos, de sangue e de imagem para ter um diagnóstico mais preciso, e pedir avaliação de outro especialista, se necessário.
Quais hábitos podem fazer com que as mulheres sintam mais dor:
- Sedentarismo: a atividade física ajuda no funcionamento dos neurotransmissores que inibem a dor no organismo
- Má postura: ficar o dia inteiro em pé, carregando peso, segurando crianças no colo ou passar muitas horas seguidas mal sentada em frente ao computador são fatores que aumentam a dor na paciente
- Estresse crônico: viver diariamente estressada e ansiosa com prazos e exigências contribui muito para a tensão nos ombros e no pescoço, além do desenvolvimento de cefaleia tensional
- Sono de má qualidade: dormir pouco ou ter um sono muito fragmentado piora a situação de quem sofre de dor crônica. A regra é clara: quem tem dor precisa dormir bem para alcançar um sono reparador
- Má alimentação: priorizar alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar e gordura aumenta a sensibilidade à dor. Uma alimentação ideal para combater a dor deve ser rica em proteínas e pobre em carboidratos e glúten, que são inflamatórios
- Fumar e beber: ambos prejudicam o funcionamento do organismo e contribuem para a inflamação
- Não delegar tarefas: querer abraçar o mundo e não dividir as tarefas do dia a dia com colegas, funcionários, companheiro e família, por exemplo, contribui para a sobrecarga, ansiedade, depressão e, consequentemente, para a dor crônica