Irene Ravache vive impulsionada pela curiosidade. Decidida a celebrar seus 80 anos, que serão completados em agosto, de maneira vibrante, a renomada atriz quis se aventurar novamente e manter a adrenalina que a estimula no palco, retomando a turnê do espetáculo Alma Despejada pelo Brasil.
Sob a direção de Elias Andreato e com um texto exclusivo produzido por Andréa Bassitt, Irene chega a Porto Alegre para encenar a premiada peça entre os dias 7 e 17 de março, no Theatro São Pedro. Local que desperta preciosas memórias para atriz ao lado da então presidente da Fundação Theatro São Pedro, Eva Sopher:
— Ela me pegou literalmente pela mão e me mostrou tudo com muita paixão. Contou histórias. Isso não tem preço. Ter conhecido o Theatro através dela fez muita diferença para mim.
Por que não ir para a estrada outra vez para fazer "Alma Despejada?” Isso me deu brilho no olho!
IRENE RAVACHE
Em Alma Despejada, Irene é Teresa, uma mulher com mais de 70 anos, profundamente ligada a sua casa, cenário da sua vida ao lado do marido e dos filhos. No entanto, há um detalhe intrigante: Teresa já morreu. Além de enfrentar o desafio de atuar sozinha, a artista também superou obstáculos físicos por causa de uma artrose na perna durante as apresentações do espetáculo que estreou em 2019 e ficou em cartaz até o início de 2020, quando foi interrompida pela pandemia. Mesmo diante das dores e inseguranças, ela persistiu em cena e logo se submeteu a uma cirurgia durante a flexibilização das restrições.
Com um extenso currículo que inclui mais de 23 peças, 44 projetos na TV e 17 filmes, Irene busca constantemente trabalhar com diretores que oferecem novas visões e linguagens artísticas. Inspirada pelo ator Juca de Oliveira, a atriz diz que ainda encara cada apresentação como se fosse a primeira vez. A interação com o público, como ela descreve, é um elo poderoso que alimenta seu amor pelos palcos:
— Quando fizemos De Braços Abertos, em 1984, ele ficava lá atrás da cortina e dizia: "Ouve o barulhinho do público. Parece estreia, né, Irene?". E eu pensei: "Esse é o espírito que tenho que ter".
Fora dos holofotes, Irene mantém uma vida simples, valorizando os momentos em família. É assim que troca figurinhas sobre a profissão com o neto, o ator Cadu Libonati, filho do seu primogênito Hiram Ravache:
— Tenho vontade de dizer: "Faz assim que é mais fácil", mas preciso deixá-lo fazer o próprio caminho. Ele é muito feliz e isso me encanta — relata a atriz, que é avó também das meninas Maria Luiza e Helena, filhas de Juliano Paes Melo Filho, fruto de seu casamento com o jornalista Edison Paes de Melo Filho.
Em entrevista com Donna, Irene Ravache refletiu sobre a sua trajetória, o papel da mulher na sociedade e a importância de "namorar de novo" com seu marido.
Durante a conversa, inclusive, pôde-se observar um pouco dessa cumplicidade, quando Edison trocou rápidas palavras com a esposa para decidir a agenda do casal após a entrevista a seguir.
Confira a entrevista com Irene Ravache
O que lhe chamou atenção no papel da Teresa?
É sempre por conta de uma determinada cena ou de uma fala do texto que decido fazer um espetáculo. No caso de Alma Despejada, foi quando ela fala: "A vida serve para isso, para nos acertamos uns com os outros". Logo pensei: "Eu acredito nisso", pois depois de um certo tempo, você só tem dois caminhos para escolher: ou ser uma pessoa amarga ou optar pela reconciliação e compaixão. Você faz isso por você. É uma peça amorosa.
A peça fará uma temporada em Porto Alegre. Qual é a sua ligação com a cidade?
Uma coisa que sempre vou levar na minha memória foi quando vim fazer De Braços Abertos, com o ator Juca de Oliveira, no Theatro São Pedro. Estávamos na parte final e faltou luz no bairro. Sabe o que o público fez? Começaram a acender os isqueiros, os seguranças acenderam as lanternas. Você pode imaginar a emoção disso para um ator? É o público dizendo "Continua". Aquilo foi uma coisa! Recebemos aplausos e nós também aplaudimos o público. Foi uma das grandes emoções da minha carreira.
Na peça, a Teresa relembra pessoas que foram importantes na vida dela. Entre elas, a amiga Dora. Como você enxerga a importância da amizade feminina na vida de uma mulher?
Sempre foi assim, mas hoje, mais do que nunca, as mulheres estão se apoiando. Houve uma época em que se dizia que sentíamos muita inveja e ciúmes uma da outra, mas à medida que fomos conquistando a nossa independência, fomos entendendo que não somos inimigas. Podemos ser poderosas aliadas. Uma mulher vai entender exatamente a dor da outra, seja a menstruação, a maternidade, e outras coisas.
Uma das minhas frases favoritas é “O novo sempre vem”, do Belchior. Isso é uma benção.
IRENE RAVACHE
Como é a sua relação com as suas amigas?
Acho maravilhoso que cada uma me ensina alguma coisa diferente. Uma me passa tudo o que sabe de turismo, outra me dá dicas de como comprar roupas, e outra é sempre lembrada para ser aquele ombro amigo. Algumas já partiram, infelizmente, mas sou muito grata às minhas amigas.
Você completa 80 anos em agosto deste ano. Como você imaginava chegar nesta idade?
Achei que ficaria igual às minhas avós: ficaria em casa, cuidando dos netos, fazendo aquele almoço de domingo. Mas a vida foi me levando para outros caminhos. Segui fazendo teatro, me mantive no mercado de trabalho e gosto do que faço até hoje. Fui bem vovó com os meus netos, mas gostaria de ter vivenciado mais, pois são essas lembranças que tenho das minhas.
Como você pretende comemorar o seu aniversário este ano?
Eu não sou de festa, mas quis comemorar os meus 80 anos com o público. Então pensei: "Por que não ir para a estrada outra vez para fazer Alma Despejada?" Isso me deu brilho no olho. Fiquei curiosa porque as cidades e as pessoas mudaram. Uma das minhas frases favoritas é "O novo sempre vem", do Belchior. Isso é uma benção. Eu peguei as minhas listas de viagens anteriores e fui riscando coisas que não existem mais e colocando outras que ainda não vi.
Quais foram os principais ensinamentos que você teve na vida?
Aprendi que a gente não pode dizer "Fulano não tem jeito". Conheci pessoas que mudaram e foram melhorando na vida. Então, não podemos confundir o que é difícil como ponto final. Outra coisa foi a autocompaixão. Isso que sinto pelos outros tenho que sentir por mim também. Isso foi uma das coisas mais difíceis de se aprender.
Como você enxerga que as mulheres estão lidando com a passagem do tempo?
Hoje temos muitas coisas que nos favorecem: exames médicos, prevenções e até mesmo processos de rejuvenescimento. Eu estranho um pouco a obsessão de algumas pessoas, não só mulheres, de se manterem jovens. Não digo que a mulher não tenha que fazer suas intervenções, já que existe isso vamos fazer, mas de uma forma mais criteriosa. E percebo que as mulheres evoluíram mais porque têm mais jogo de cintura para tudo. Isso é muito nosso.
Tem vontade de fazer alguma cirurgia plástica no futuro?
Optei por não fazer nada pela enorme curiosidade sobre como iria ficar. E também não fiz nenhuma intervenção porque tinha medo, tenho um rosto irregular. Acho que não vou escapar de mexer na pálpebra do olho, porque está caída e me incomoda, mas vou fazer quando tiver tempo.
Você se casou com o jornalista Edison Paes quando completou 50 anos. Como foi a história de vocês?
Fizemos uma cerimônia com um padre da Igreja Católica Brasileira em 1971. Eu era desquitada, então não podia casar no civil. Anos depois, veio a Lei do Divórcio e me divorciei. Em 1994, quando fiz 50, Edison chegou e disse: “Vamos nos casar!”. E eu questionei: "Você está me pedindo em casamento? Então vou pensar". Eu tinha que fazer um pouco de charme, né? (risos). Mas considero a data do nosso primeiro casamento, então já são 52 anos de casados.
Depois de tanto tempo casados, o que fazem para manter a relação intacta?
Ficamos muito tempo longe um do outro por causa dos nossos trabalhos. Teve uma época que ele não morava em São Paulo, trabalhava na Folha de Londrina, no Paraná, e eu estava sempre gravando novela ou fazendo teatro, então hoje, não queremos mais ficar longe. Ele já é aposentado, então vai viajar comigo e acompanhar o espetáculo de Alma Despejada. Estamos aproveitando.
E para o lazer, o que vocês gostam de fazer juntos?
Como não temos mais obrigações da vida, de cuidar de filhos e etc., no máximo uma neta para buscar, gostamos muito de assistir a filmes, a séries, encontrar amigos, ir a restaurantes e de viajar. Está sendo bem gostoso.
O que você faz para cuidar da saúde e do bem-estar?
Eu sou meio relapsa. Uma das poucas coisas de que me arrependo é não ter feito mais exercícios físicos antes. Hoje, quando faço, vejo o resultado legal que dá. Faço também fisioterapia e gosto muito de terapia, que tem sido imprescindível. É um momento pessoal, de conhecer o outro, e até mesmo de saber lidar com personagens.
Tem algo que você ainda não realizou na carreira e quer muito fazer?
Tenho muita curiosidade de fazer um papel masculino. Não sei como faria, mas adoraria fazer um clássico, algum de Shakespeare, por exemplo. Tive um convite para fazer Ricardo III, mas achei que não dava mais por causa da idade. Tem que ser o Rei Lear, pela minha idade. Acho que mexeria com tanta pesquisa. Isso eu gostaria de fazer.