Evelyn Regly, Fernanda Naute, Monica Benini, Bruna Manzon e Chrissy Teigen. Sabe o que elas têm em comum além da fama? Todas realizaram a cirurgia de explante mamário nos últimos meses, ou seja: decidiram retirar as próteses de silicone para voltar a ter seios naturais.
Entre os motivos, algumas apontaram uma nova relação com o corpo. A prótese não teria mais espaço nesse processo de autoaceitação. Outras revelaram questões estéticas – não se achavam mais tão bonitas com o silicone e optaram por retornar às origens. Mas os relatos de maior repercussão, como o das influenciadoras Evelyn e Fernanda, expõem possíveis riscos ao uso da prótese, a exemplo dos sintomas associados principalmente à Síndrome Autoimune Induzida por Adjuvantes (ASIA), conhecida como a "doença do silicone".
E esse "movimento pró-explante" pode ter relação com a pandemia? A psicanalista Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, acredita que é possível:
– Há uma percepção diferenciada do corpo. Quem está confinado não se expõe aos olhares alheios, e isso gera uma relação menos conflituosa. Movimentos como body positive e body neutrality ganharam força por isso. Antes, essa ideia de autoaceitação era restrita a uma minoria. Com a pandemia, se tornou generalizada, há uma tomada de consciência.
Ao mesmo tempo, Joana não reconhece o ato de retirar o silicone como uma tendência em voga, embora acredite que a decisão das famosas venha na carona de uma discussão mais ampla sobre objetificação – e isso acaba influenciando uma parcela das mulheres. O discurso feminista que reverbera coloca em xeque a busca por um corpo feminino idealizado.
– Peito ainda é visto como poder. É um padrão estético que é moeda de troca. (A mulher) vai ter mais facilidade no amor, para conseguir um emprego, mostra que tem grana para fazer isso. Só que o feminismo faz questionar a quem quer agradar, o que são esses ideais estéticos. E não é normativo, a ideia é dar liberdade. Uma boa analogia com o explante é o pelo. Em tese, sem pelo, excitaria o olhar masculino. Mas, se retoma o discurso de "meu corpo, minhas regras", aí pode ser como quiser – pontua a psicanalista.
Busca pelo explante em alta
Peito ainda é visto como poder. É um padrão estético que é moeda de troca. Só que o feminismo faz questionar a quem quer agradar, o que são esses ideais estéticos. E não é normativo, a ideia é dar liberdade.
JOANA NOVAES
psicanalista
O censo mais recente realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), de 2018, mostra que o aumento de mamas é o procedimento estético mais realizado no Brasil – no ranking, não constam dados sobre o explante mamário. Porém, nos últimos meses, especialistas na área têm identificado um aumento na busca de informações sobre a retirada do silicone. A cirurgiã plástica Marcela Cammarota, diretora de comunicação da SBCP, garante que tem atendido em seu consultório mais mulheres procurando o explante do que o implante da prótese. Já a médica Lívia Zart Bonilha, membro da SBCP, identifica duas principais motivações para essa alta:
– Recebo muitas mulheres querendo saber mais da Síndrome ASIA, com medo, preocupadas. E outras vêm no movimento de buscar seios menores, de não estar mais satisfeita com a prótese volumosa.
Para saber tudo sobe o explante mamário - e o que é mito e o que é verdade -, Donna bateu um papo com Marcela e Lívia. Tire suas dúvidas a seguir:
O que é a Síndrome ASIA? Está relacionada ao silicone?
A Síndrome ASIA (batizada na internet como "doença do silicone") é caracterizada por doenças do sistema imunológico que seriam desencadeadas por substâncias específicas - entre elas, a prótese de silicone. Em pessoas com predisposição genética, o implante serviria como um gatilho para o sistema imunológico desenvolver patologias que se manifestam de diferentes formas. A lista de sintomas associados à ASIA incluem dor muscular, fraqueza, fadiga crônica, distúrbios do sono, dor articular, boca seca, perda de memória, entre outros. Essa é uma síndrome documentada recentemente, há cerca de uma década, e vem sendo estudada desde então. Como é considerada "nova", ainda há muitas pesquisas em curso e poucas respostas.
– Podemos chegar em um diagnóstico a partir de alguns critérios estabelecidos, só que ainda há controvérsias. Justamente porque os sintomas comuns são variados e pouco específicos, podendo aparecer devido a doenças reumatológicas e depressão, por exemplo – explica Lívia.
A cirurgiã plástica Marcela defende a mesma posição: a classe médica reconhece a Síndrome ASIA, entretanto, ainda há especulação demais e comprovação de menos. O que, segunda ela, não invalida que a vontade da paciente seja respeitada – e os sintomas que ela relata levados em consideração no momento da investigação médica.
– Temos que explicar que a retirada do silicone pode ou não resolver os sintomas, e também falar das consequências estéticas – afirma a especialista.
Como se faz o diagnóstico da ASIA?
As médicas explicam que, caso a paciente relate sintomas como os já citados acima, é necessário um acompanhamento multidisciplinar – com participação de reumatologistas e psiquiatras, por exemplo. Descartadas outras possibilidades, daí sim pode-se trabalhar com a chance de Síndrome ASIA após a realização de exames de sangue e avaliação clínica em conjunto. Mesmo assim, é possível que o explante seja realizado e os sintomas relatados não desapareçam, já que a relação entre a prótese e o quadro sintomático ainda carece de mais pesquisas.
Colocar silicone se tornou mais inseguro? Quais os riscos que preciso saber?
Não, colocar silicone não está mais inseguro do que já foi. Os riscos seguem os mesmos e devem sempre ser comunicados pelo médico antes do procedimento. Entre as possíveis complicações, estão cicatrizes desfavoráveis, sangramento (hematoma), infecção, alterações de sensibilidade da mama ou do mamilo, contratura capsular (formação de tecido cicatricial rígido em torno do implante), ruptura do implante, enrugamento da pele, riscos anestésicos, acúmulo de líquido (seroma), trombose venosa profunda e possibilidade de novo procedimento cirúrgico para correção.
Embora a lista seja extensa, tanto Marcela quanto Lívia ressaltam que a cirurgia para colocação da prótese é considerada de baixo risco, já que menos de 5% dos casos apresentam algum tipo de complicação.
– Costuma ser um pós-operatório tranquilo, recuperação tranquila, só com os desconfortos normais e esperados. É raro acontecer complicações, mas acontece. Só que precisamos esclarecer que é com uma minoria mesmo, não é comum. Por isso, o pânico sobre esse tema não se justifica. Não é preciso vir correndo ao consultório, sem sintomas, cogitar um explante – destaca Lívia.
Posso colocar o silicone e ter sintomas muitos anos depois?
Sim, é possível. Há casos raros de bactérias que se alojam na mama anos após a colocação da prótese, por exemplo, o que pode acarretar uma infecção. Entretanto, o mais comum é o quadro de contratura capsular, explica Marcela:
– É quando a prótese endurece ao longo dos anos e, naturalmente, o corpo cria uma cápsula em volta dela. Há muitas pacientes que passam por isso, muda o formato do seio, daí elas querem tirar. Algumas podem sentir dor, dependendo do grau. A indicação nesses casos é a substituição da prótese.
Quando o explante do silicone é indicado pelo médico?
Marcela e Lívia são enfáticas: o explante mamário é recomendação médica em casos muito específicos. Hoje, a retirada do silicone é indicada apenas em infecções graves no local, que podem ocorrer logo após a cirurgia ou anos depois do procedimento – e são consideradas raríssimas. Se o diagnóstico da Síndrome ASIA se concretizar com o aval de um reumatologista, o caminho também passa a ser o explante. Nas demais situações, geralmente se opta pela substituição da prótese. O desejo da paciente, é claro, também é definitivo para a realização do explante, independentemente da motivação.
Como funciona a cirurgia de explante? Vou ficar com a mesma mama de antes da prótese?
A cirurgia é mais demorada e complexa do que a colocação da prótese, embora muitas pacientes acreditem que é "só tirar", diz a médica Lívia:
– Em razão da presença do implante, a pele se distende, há alterações no local. Ao retirar, fica um espaço que precisa ser ocupado. Pode necessitar de retirada de pele, precisar de mais de uma cirurgia para ver como a mama ficará, preencher com gordura depois, enfim, depende de cada caso. Eventualmente, pode fazer tudo na mesma cirurgia.
E mesmo que o especialista responsável pelo procedimento seja qualificado, não há como garantir que o seio ficará exatamente igual a como era antes do silicone. Podem ocorrer prejuízos do ponto de vista estético, e esse alerta deverá ser feito pelo médico.
Vou ficar com mais cicatrizes?
Provavelmente, sim. A cirurgiã plástica Marcela frisa que o explante força um "desmontar e montar a mama", isso porque é preciso buscar um formato após tirar a prótese. Se retirar gordura de outro lugar do corpo para preencher o espaço ficará com mais cicatrizes. Já no seio, o corte costuma ser em "T invertido" ou "âncora", na parte debaixo da mama.
– Em algumas pacientes que têm próteses pequenas só preencher com gordura já dá conta do espaço. Mas, como a maioria tem próteses grandes, é bem possível precisar de uma reconstrução da mama – explica Marcela.