Somente no primeiro semestre deste ano, 648 casos de feminicídio foram registrados no país, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No Estado, em média, 53 mulheres foram agredidas por dia. Os números impressionam – e refletem a urgência de aprimorar as políticas públicas que combatam a violência de gênero no Brasil.
Foi por isso que, nesta quarta-feira (25), Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, Donna conversou com profissionais engajadas na luta pelos direitos femininos para discutir como o poder público pode avançar nesta questão.
Proteção à vítima
Para elas, iniciativas como a Lei Maria da Penha, que completou 14 anos em agosto, são fundamentais para coibir a violência e proteger a vítima. Mas, como se sabe, nem sempre o agressor - que, muitas vezes, é o próprio companheiro - respeita as medidas protetivas, pondera a cientista social Andressa Mourão Duarte:
— A Lei Maria da Penha prevê medidas de urgência, como a proteção da mulher e filhos e a obrigatoriedade do impedimento do agressor praticar certas ações contra a vítima. Porém, é sabido que, muitas vezes, o agressor não cumpre tais medidas, ocasionando, em alguns casos, no assassinato dessas mulheres. Esse é um dos problemas na execução da lei que precisa ser revisto de imediato, já que não há garantia de que o agressor, uma vez em liberdade, vá cumprir com as determinações necessárias.
Para a mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é preciso haver mais eficácia em relação às ações que protegem a vítima após a denúncia, para evitar que o agressor reincida:
— Devemos cobrar que as medidas protetivas sejam cumpridas de imediato, para que a vítima não seja exposta a maiores riscos como por exemplo o de morte — afirma.
Em casos nos quais há risco à integridade física ou psicológica da mulher, o agressor pode, inclusive, ser preso preventivamente, ou ainda ficar proibido de ter contato com a vítima e seus familiares. Porém, na prática, muitas vítimas são alvo de novos ataques após as denúncias, justamente pela dificuldade de aplicar as sanções.
Acolhimento
Apoio: essa é uma das maiores necessidades de uma mulher vítima de violência doméstica ao buscar ajuda. Para as especialistas, tudo começa (ou deveria começar) na hora em que a denúncia é feita, seja por ligação telefônica, pelo número 180, ou em delegacias - especializadas em atendimento à mulher ou não. O primeiro contato após a agressão precisa ser extremamente cuidadoso e acolhedor, para que a vítima se sinta amparada após o trauma, ressalta a advogada Natália Veroneze.
— Nas delegacias, sabemos que muitas mulheres que vão buscar ajuda passam por uma revitimização. Ela vai contar a história e, muitas vezes, é desacreditada, perguntam por que estava ali, usando aquela roupa, se tinha bebido, enfim, as pessoas fazem perguntas que já são, em si, outra violência. Precisamos de profissionais capacitados para acolher essas mulheres, para entender como fazer essa mulher contar sua história da forma mais real possível, sem interrupções — pondera a profissional, que comanda um escritório em São Paulo especializado em advocacia para mulheres.
Além da revisão dos protocolos de atendimento à vítima, Joanna Burigo, que é coordenadora Pedagógica da Emancipa Mulher, defende mais investimento em políticas públicas que aprimorem as práticas de acolhimento. Um exemplo são as casas que acolhem mulheres que precisam sair de seus lares após as agressões. Sem ter para onde ir - sobretudo, em tempos de pandemia -, elas poderiam recorrer a esses centros de abrigo.
— Precisamos oferecer um teto para elas e para seus filhos. Elas precisam ter um refúgio de seus parceiros violentos. Muitas vezes, a violência acontece em casa e essas mulheres não têm para onde ir. Precisamos de políticas que criem estratégias de direcionamento de recursos públicos — explica a especialista em Gênero, Mídia e Cultura.
Para a cientista social Andressa, medidas práticas também podem ser determinantes para que as vítimas sejam melhor acolhidas - e tenham menos medo de denunciar. E isso passa por pensar em alternativas que contemplem todas as mulheres e que tornem a queixa mais acessível.
— Precisamos ter a ampliação de locais e horários de atendimento e acolhimento de maneira que possa alcançar as mulheres que residem em regiões afastadas das zonas centrais — acrescenta.
A advogada Natália lembra que, em tempos de pandemia, o acesso precisa ser facilitado. Por isso, reforça a importância de alternativas como o B.O. Online:
— Na pandemia, vimos um aumento dos casos de violência doméstica, então é importante essa mulher que está presa dentro de casa com o agressor tenha acesso ao boletim online — reflete.
No Estado, a Polícia Civil lançou uma cartilha para instruir mulheres sobre como realizar a denúncia pela internet, sem comparecer à delegacia. Para conferir, basta acessar o site da Delegacia Online RS. Outro canal digital lançado durante o período de confinamento é o WhatsApp (51) 98444-0606, onde, além das vítimas, amigos, familiares e vizinhos que testemunham agressões no RS podem se manifestar. Pelo aplicativo é possível enviar vídeos, áudios e mensagens de texto. As mensagens são recebidas pelo gabinete de inteligência da polícia, na Capital, e encaminhadas para as delegacias que investigarão o material.
Educação
Desde 2015, assassinatos por questão de gênero são tipificados como feminicídio, o que ajudou a impor penas mais rígidas para esse tipo de crime. Houve avanços na lei, mas, para as especialistas, combater a violência de gênero passa, também, pela educação.
— Uma medida que precisa ser tomada é a inclusão de educação sobre gênero nas escolas — afirma Joanna. — A ciência já entende há muito tempo que existem violências que acometem o sujeito por causa de seu gênero e de sua raça. A educação formal (sobre esses temas) é uma política pública que nós precisamos exigir de nossos representantes. É importante educarmos uma nova geração para que o mundo seja um lugar mais inclusivo e para que a realidade da diversidade se apresente de formas mais visíveis nas instituições e nos espaços de poder.
A cientista social Andressa concorda: para ela, é preciso alterar as diretrizes curriculares para implementar temas como gênero, além de garantir uma formação adequada aos profissionais de educação para tratar sobre esses temas:
— A garantia de uma educação que rompa com a compreensão ainda presente na sociedade de que mulheres, sobretudo negras, lésbicas, travestis, transexuais e pobres, são objetificáveis e desumanizáveis, pode promover uma mudança estrutural viável para interromper a cultura da violência contra mulheres — reflete.
O conhecimento - dos seus direitos, inclusive - é determinante para que uma mulher consiga se defender e busca ajuda:
— As formas de proteção mais efetivas que envolvem esse assunto realmente são aquelas que envolvem educação. Das mulheres, para saberem identificar os traços de violência, o que é machismo, buscar seus direitos — diz. — Depois, é buscar o Judiciário, mas precisa ser um atendimento qualificado. Só assim se consegue justiça de fato.