Relia textos do psicanalista Contardo Calligaris quando me deparei com esta pérola sobre o amor. Roubei um pedacinho do texto dele só para servir de inspiração. Em geral, diz ele, no cinema e na literatura, as histórias de amor acabam quando os amantes se juntam (é o modelo Cinderela) ou, então, quando a união esbarra num obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta).
No caso da Cinderela, ficamos sonhando com um "viveram felizes para sempre" de verdade, para o resto da vida. No de Romeu e Julieta, não conseguimos parar de pensar na felicidade que os amantes teriam conhecido se não tivessem morrido daquela maneira tão trágica. Afinal, poderia haver no mundo amor maior do que aquele?
Porém, Calligaris pergunta: será que o par romântico de Verona continuaria se amando da mesma maneira se um dia conseguisse ir dormir junto sem que Romeu tivesse que escalar a casa de Julieta até a famosa sacada? Ou se, em vez de enfrentar a oposição letal, eles passassem os domingos em previsíveis churrascos de família?
Ah, Calligaris, pois é... Faço minhas as suas dúvidas. Talvez por idealizarmos o amor perfeito os livros e os filmes de romance sejam tão bons e fazem tão bem à nossa alma. Não consigo imaginar a Cinderela esquentando um prato de feijão para o marido no micro-ondas. Muito menos Romeu e Julieta sentados à mesa numa tarde de domingo, recalculando o orçamento e decidindo quais as contas que ficarão penduradas para o mês seguinte porque o dinheiro anda curto.
As histórias de amor da vida real não são assim tão mágicas, tão fascinantes... tão... tão... tão... Não consigo encontrar a palavra certa. Mas não deixam de ser amor. São os amores normais.
A vida conjugal da vida real - quem já viveu essa experiência sabe bem disso - não é sempre um mar de rosas, um poço de tranquilidade, um romantismo à toda prova. É a arte de aprender a ceder de um lado, de outro, tentar compreender, aceitar, negociar. O amor conta sim, mas não é tudo.
Aí com o passar do tempo vem a rotina que é, por mais que tentemos negar, a grande inimiga do romance. Será que Romeu, depois de 20 anos de casado com Julieta, ainda diria extasiado: "nunca tinha eu visto a verdadeira beleza antes dessa noite"? Duvido muito.
E o que dizer deste diálogo, então?
Julieta - ...Esqueci-me do que tinha a dizer.
Romeu - Deixa que eu fique parado aqui, até que te recordes.
Julieta - Esquecê-lo-ia, só para que sempre ficasses aí parado, recordando-me de como adoro tua companhia.
Que lindo... Mas traduzindo para a vida real, ficaria mais ou menos assim:
Ela - Esqueci o que ia dizer.
Ele - Quando lembrar me liga ou manda um SMS.
Ela - Tô muito esquecida. Só pode ser estresse. Também pudera, com essa vida corrida que a gente leva...
Talvez por idealizarmos o amor perfeito os livros e os filmes de romance sejam tão bons
Viviane Bevilacqua
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