Tá bom, tá bom. Podem rir à vontade, porque realmente esta palavra eu tirei do fundo do baú. Até eu tive que achar graça, quando, no meio de uma aula, eu disse para os meus alunos: alguns de vocês têm uma letra tão ruim que eu não consigo entender o que está escrito. Então, a partir de hoje, só aceito textos datilografados. Isso, falei assim mesmo: da-ti-lo-gra-fa-dos. Alguém com menos de 40 anos sabe o que é isso? Os estudantes se olharam e riram baixinho, e aí eu percebi que desde que as máquinas de escrever foram aposentadas ninguém mais fala essa palavra. De onde que eu fui desencavar isso?
Aproveitei então a ocasião para contar, na sala de aula, como era trabalhar numa redação na época pré-histórica. Não, assim também já é exagero. Na época pré-computador, isso lá nos anos 1980. Cada jornalista tinha sua máquina de escrever (eu já peguei as máquinas elétricas, suprassumo da modernidade), enorme e barulhenta. Além do tec-tec-tec-tec das teclas, quando chegava ao fim da linha o rolo da máquina (onde se fixava o papel) ia automaticamente para a linha de baixo, fazendo um barulho alto. Imaginem o que era 50, 60 jornalistas trabalhando ao mesmo tempo. Por isso se diz que as redações de antigamente eram muito mais barulhentas: só as máquinas de escrever já davam vida ao ambiente.
E na hora de fazer alguma consulta para uma reportagem? Íamos até a biblioteca do jornal, pesquisar nas enciclopédias e livros de História. Hoje, basta digitar um nome no Google e o mundo inteiro se abre à sua frente. Está mais fácil ser jornalista agora, quando tudo - ou quase tudo - está ao alcance da mão.
As redações eram barulhentas e enfumaçadas. A maioria dos jornalistas fumava, e sem sair de suas mesas de trabalho - as quais, invariavelmente, tinham as bordas chamuscadas. Muitos cigarros queimavam inteiros na borda da mesa, enquanto o repórter, entre goles de café, pensava na melhor maneira de escrever sua matéria.
No meio da tarde, para que os jornalistas não se "alimentassem" apenas de nicotina e cafeína, uma senhora passava entre as mesas com um carrinho, vendendo sanduíches, sonhos, bolachinhas e bolos. Quem tinha um tempinho, fazia um lanche. Os outros esperavam o fechamento do jornal para, aí sim, relaxar na mesa de um bar nas redondezas. No lugar do café, a cerveja gelada acompanhava animadas discussões, que só terminavam de madrugada. Para começar tudo de novo poucas horas depois. Às vezes, sinto saudade. Para amenizá-la, decidi escrever esta crônica.
Os estudantes se olharam, riram e eu percebi que ninguém mais fala essa palavra
Viviane Bevilacqua
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