Mãe vai ao salão pintar as unhas. Culpada. Passa oito horas no trabalho. Culpada. Grita com os filhos. Culpada. Sai com as amigas para tomar um chope. Culpada.
Parece estar para nascer uma mulher que, depois da maternidade, desconheça a sensação da culpa em relação a algo que fez ou deixou de fazer pelos filhos. A lista das situações que despertam essa falta de benevolência consigo mesma é longa.
– Eu me sinto culpada quando nos desentendemos e vou dormir sem me despedir. Ou quando faço alguma coisa sem eles. Me culpo até quando esqueço de ler a agenda. Nossa, a lista é meio infinita – escreveu, no Grupo de Mães Donna no Facebook, Lola Carvalho, 44 anos, publicitária e escritora de Novo Hamburgo.
A crença coletiva de que cabem à mãe os cuidados com as crianças é a principal razão para a autopunição que elas se impõem, opina a psicóloga Julia Bittencourt. Em sua prática clínica, observa que os homens estão mais acostumados a ter autonomia e independência e são menos cobrados em relação à criação dos filhos. Embora eles estejam mais participativos, a divisão de tarefas ainda é desigual:
– Se um programa com os amigos é importante para o homem, ele vai sem os filhos numa boa. Já a mulher vai com culpa ou nem vai – afirma Julia.
Especialista em parentalidade, a psicoterapeuta afirma ainda que o excesso de informação deixa as mães "perdidas". Com um acesso mais fácil a todo tipo de conteúdo, seja pela internet ou em livros, as mulheres deparam com opiniões nem sempre convergentes. Então surgem dilemas como "tenho que investir na minha carreira ou ficar mais em casa?", "devo passar mais tempo com meu filho ou com meu parceiro para salvar o casamento?", "posso brigar com minha filha ou não, porque criança tem que ter autonomia?". Para Julia, a chave para lidar com essas ciladas é o autoconhecimento.
– É importante conhecer seus valores, saber o que quer passar para o seu filho. Se a mulher está segura do que é importante para ela, fica mais conectada consigo e com o filho, para criá-lo da melhor forma possível, sem tanta culpa e influência externa – afirma.
Julia observa que as mães, cada vez mais, tentam encontrar momentos para se reconectar com seus outros papeis na sociedade: filha, amiga, esposa, profissional.
A educadora parental Caroline Bruno ressalta que os dois primeiros anos costumam ser o período em que a culpa mais aparece. É um processo "natural", já que o vínculo entre mãe e bebê é muito forte, e o pequeno demanda mais cuidados.
– As mães de primeira viagem costumam sofrer mais com isso porque estão vivenciando uma experiência nova. À medida em que a criança cresce, a mulher vai retomando sua individualidade – explica Caroline, criadora do perfil do Instagram Mentalidade de Mãe (@mentalidadedemae).
Ela destaca também a importância de aprender a confiar a criança aos cuidados de terceiros. Quando a mãe percebe que o filho fica bem com outra pessoa, sente-se mais confortável de fazer programas sem ele. Para a educadora, vale exercitar o autocuidado mesmo quando a culpa bate. Julia reforça o valor desses momentos para a saúde mental da mulher:
Se a mulher está segura do que é importante para ela, fica mais conectada consigo e com o filho, para criá-lo da melhor forma possível, sem tanta culpa e influência externa
JULIA BITTENCOURT
psicóloga
– Se a mulher está bem, tem seus espaços para fazer o que gosta, vai ser uma mãe mais feliz. Se ela só lida com chatices, só recebe cobranças, fica triste e isso vai passar para o filho. Vai faltar paciência para as crianças, ela vai brigar com o marido... Quanto mais igualdade houver no lar entre o casal, mais a mulher vai se sentir tranquila.
Há 10 anos aprendendo a lidar com a culpa materna – idade do seu primogênito –, Lola, que também é mãe de outro menino de quatro anos, tenta acalmar o seu coração – e o de outras mães:
– Acho que precisamos pegar mais leve conosco, né? Com toda a certeza, acertamos bem mais do que erramos.
Veja outros depoimentos de leitoras que participam do Grupo de Mães Donna no Facebook:
"Fico com minhas filhas pela manhã e trabalho à tarde. Hoje (20/11) fui a um congresso que acabou pelas 22h. As outras meninas iam sair para jantar e beber e não consegui ir pois me senti superculpada de não ter estado em casa pra colocá-las para dormir. Fiquei apreensiva e ansiosa precisando voltar me sentindo mal".
Faheana Thönnigs, profissional autônoma, de Novo Hamburgo
"Me culpo quando estou cansada para brincar, quando tenho que fazer algo em casa como lavar louça, fazer comida, e ele quer brincar. (...) Estou trabalhando isso em mim diariamente, mas vira e mexe essa culpa aparece. Estou fazendo academia às 6h da manhã, acordo às 5h só para não ter que fazer depois do horário em vez de dar atenção a ele. Mas essa escolha até que está sendo bem boa pra mim, fico com mais disposição o dia todo. Ah, me culpo por ele não comer em casa o que eu faço e por, às vezes, esquecer de escovar os dentes…"
Gisele Mendes, analista tributária, de Gravataí
"Acho que, quando nasce uma mãe, a culpa nasce junto! Tenho dois meninos, de 13 e de 12 anos. A minha maior culpa é ter pouco tempo com eles por ter que trabalhar. Sou médica, já alterei muito a minha rotina, até outra especialidade médica faço para ficar mais tempo com eles, mas mesmo assim não é fácil!"
Berenice Scaletzky Knuth, médica, de Pelotas