Camila Maccari, especial
Quem é mãe costuma dizer que a chegada dos filhos transforma todos os âmbitos da vida – inclusive o profissional. Não porque a busca por formação deixe de fazer sentido de um dia para o outro, e sim porque as responsabilidades que acompanham o nascimento de uma criança quase sempre são mais pesadas para as mulheres. A ideia de que a maternidade não precisa afetar a carreira pode ser realidade para um número muito pequeno e privilegiado de mulheres. No Brasil, 50% delas afirmam ter deixado de lado algumas metas e ambições depois das crianças.
Os dados são do Instituto Market Analysis que, em parceria com a rede WIN, ouviu 4.933 mulheres do Brasil e de outros oito países da América Latina e concluiu que a maternidade é ambígua para a mulher latino-americana. Ao mesmo tempo em que simboliza um ideal de realização feminina (cerca de 80% acham que ser mãe é a maior experiência da vida), também aparece como um fator que dificulta à mulher explorar suas potencialidades e manter suas metas profissionais. O número de filhos acentua o sentimento de que é preciso sacrificar a carreira: quem tem mais de dois vê com maior pessimismo as chances de recolocação no mercado de trabalho.
– O mundo profissional pune a maternidade repelindo as grávidas e as mães com filhos pequenos, levando perto de metade delas a perder o emprego após a licença-maternidade. Ainda assim, nossa sociedade coloca a mãe em um lugar central. Em um contexto de queda vertical da reprodução, hoje estamos abaixo da taxa de reposição populacional no Brasil, e isso se acentua ainda mais entre as camadas com mais acesso à educação – explica Mariana Goulart, analista de pesquisa qualitativa da Market Analysis e uma das coordenadoras do estudo.
Quando perguntadas sobre as prioridades para os próximos dois anos, as mães apontam primeiro a segurança material (36%) e só depois a profissionalização (33%). Os números apresentam um paradoxo: a falta de tempo, estrutura ou incentivos para priorizar a vida profissional faz com que elas encontrem barreiras para atingir a segurança material que buscam para si e suas famílias. Já entre quem não tem filhos os dados se invertem e a vida profissional é foco de 49%, enquanto a segurança material é o objetivo de 21% das mulheres.
Dentro da categoria profissionalização, estar empregada é um objetivo comum entre mães e não mães (29% e 26% respectivamente), mas, quando o assunto é empreendedorismo, mulheres com crianças demonstram três vezes mais interesse em investir no negócio próprio (21% e 8%).
– Um importante adendo a ser considerado é o aspecto emocional e o peso que as mulheres sentem ao se afastarem dos filhos. O empreendedorismo surge aqui como uma possibilidade de superar as dificuldades encontradas para entrar e/ou permanecer no mercado de trabalho convencional, ao mesmo tempo em que permite uma realização profissional e potencial proximidade dos filhos – analisa Mariana.
A pesquisa mostra ainda que as mães parecem carregar culpa pela sua profissão: 47% das mulheres com filhos e que não trabalham fora de casa concordam totalmente com a afirmação de que são boas mães. Entre as inseridas no mercado de trabalho, apenas 27% concordam com a mesma afirmação.
No Grupo de Mães Donna do Facebook, pedimos às participantes para compartilhar suas experiências quando o assunto é conciliar maternidade e carreira.
Vivianne Sant’Anna, 42 anos, bióloga:
"Percorri toda trajetória acadêmica possível, fiz mestrado, doutorado e dois pós-doutorados. Quando engravidei, também fui selecionada para uma bolsa do Ciência sem Fronteira na República Tcheca. Aceitei a bolsa que começou quando eu estava com 28 semanas de gestação. Fiquei fora até a 36ª semana e pedi para voltar e ter a minha filha aqui no Brasil. Voltei para lá para finalizar a bolsa quando minha filha estava com quatro meses e consegui um apartamento que ficava a três minutos do museu onde eu trabalhava. Mas percebi que a ciência não combinava com o estilo de maternagem que eu queria oferecer para minha filha. Primeiro, porque o nível de dedicação é muito alto, inclusive nos finais de semana. Segundo, porque envolve muitas viagens e algumas para lugares não muito seguros, como a região amazônica, onde existem doenças bem perigosas. Para mim, a responsabilidade e a dependência que a minha filha demanda, me fez rever esse lado mais aventureiro da minha carreira. Hoje, faz dois anos que me dedico à minha segunda paixão que é a fotografia e não me arrependo."
Aline Kirjner Poziomyck, 37 anos, nutricionista:
"Sou nutricionista com significativa prática clínica em cirurgia e oncologia, além de ter feito especialização, mestrado e doutorado. Quando saí do trabalho para ser mãe, fui criticada por muitos. Quando decidi ter filho durante o doutorado, fui criticada por outros tantos... Sofri preconceito, exclusão e intolerância, mas exerci a minha maternidade ideal. Fui superpresente desde o início e acompanhei todos as etapas que achava fundamentais. Hoje, estou me reinventando, criei uma empresa para ajudar outras mães a conciliarem positivamente a vida acadêmica e a vida profissional com a maternidade. Me sinto plena em ajudar as outras a conseguirem ser tudo o que quiserem ser. Sigo sendo uma mãe superpresente, acompanhando desde o primeiro dia de aula – e nunca fui tão plenamente feliz."
Vivi Maieski, 35 anos, publicitária:
"Sempre trabalhei fora e amava. Depois que tive meu filho, há três anos, resolvi iniciar um blog. Até tentei voltar ao mercado, mas a necessidade de estar mais presente e ter uma vida mais ‘tranquila’ me fez largar tudo e decidir trabalhar em casa e aproveitar os momentos que temos. Hoje, tenho três trabalhos em regime home office que me fazem feliz e me deixam perto da minha família."
Faheana Thonnigs, 26 anos, empresária:
"Nunca deixei de lado minhas metas profissionais, apenas adiei alguns planos. A maternidade me deixou mais focada e organizada em relação ao meu trabalho, me fazendo utilizar muito melhor as horas de trabalho do que antes, ‘fazendo render’ em menos tempo o que antes eu deixava para depois. E as coisas deram muito mais certo."
Maria Amélia Duarte Flores, 38 anos, enóloga:
"Hoje, a Martina tem 10 meses e, sim, abri e abrirei mão de muitas coisas. Trabalho com vinhos e ir cada vez menos a eventos tem sido uma dura escolha. Abri mão de trabalhar pela manhã, trocando loja ou notebook por pracinha e caminhada só eu e ela. Por ser mãe solo, abri mão de muitas viagens, pois quero ficar mais tempo com ela, assim como readaptei carro e utensílios – minha filha vai sempre comigo quando realmente não posso faltar. Estou mais seletiva nos contratos, aprendi a dizer não, a ser bem mais objetiva. O principal: como crio eventos, tenho trabalhado muito mais com a razão do que com a emoção, coisa difícil de conter no mundo do vinho, o que vem nos beneficiando financeiramente depois de um ano muito conturbado e difícil como o da gestação. Metas agora: ser feliz e ter saúde física e mental, além de manter o padrão financeiro pelo bem da minha filha, que depende apenas de mim."