De repente seu filho passa a falar sozinho e interagir com “alguém” que somente ele enxerga. Eles brinca, brigam, fazem as pazes e você fica ali, assistindo tudo sem saber como lidar. Se seu filho está passando por essa etapa, não se assuste: sim, isso é absolutamente normal. A psicóloga cognitivo-comportamental Cristiane Bortoncello tira as principais dúvidas sobre o assunto.
É normal que meu filho tenha um amigo imaginário?
Sim. É comum que crianças dos três aos sete anos de idade possam ter um ou mais amigos imaginários. Embora alguns pais fiquem assustados com tal situação, isso não deve ser motivo de preocupação. Essa experiência pode ajudar as crianças a criar habilidades para lidar com situações diversas, já que a criança expressa através do amigo imaginário as suas emoções, conflitos e como ela percebe o mundo à sua volta. Algumas vezes o amigo imaginário é representado por um brinquedo ou objeto, que também pode ajudar a criança no uso da criatividade e no aprimoramento da linguagem.
Existe algum “motivo” para o amigo aparecer?
Em geral, isso acontece quando a criança está sozinha. Durante os momentos de divertimento, a criança pode estar brincando de carrinho, com bonecos onde eles conversam entre si, com bonecas onde expressam alguns cuidados de higiene, dando comidinhas, de casinha, com algum bicho de pelúcia que a criança leva consigo para dormir, comer, ou até tomando banho por exemplo onde a criança reproduz algumas falas dos próprios pais.
Devo observar alguma coisa em especial nesse momento?
O que os pais podem aproveitar para observar dessa experiência é que a criança expressa como ela percebe o mundo à sua volta, utilizando um discurso que, em geral, representa o modelo que ela internalizou a partir dos seus pais ou cuidadores. Se ela, por exemplo, ao conversar com seu amigo imaginário expressa muita raiva, tristeza ou medo, é importante verificar o que pode estar acontecendo no seu dia a dia, que talvez contribua para que estas emoções venham à tona.
Preciso procurar ajuda profissional?
Nem sempre! O indicativo que pode servir para uma maior preocupação é se essa criança deixa de interagir com outras, utilizando apenas o amigo imaginário para lidar com as suas questões emocionais e sociais. A interação social é muito importante para o desenvolvimento de habilidades sociais, de desregulação emocional e do aprimoramento da linguagem. Em geral, a ida ao psicólogo poderá servir para que a família tire dúvidas e receba orientações sobre manejos adequados. Caso a criança permaneça com um amigo imaginário após os sete anos, é importante entrar em contato com a escola para verificar se ele replica esse comportamento neste ambiente e avaliar as suas interações sociais.
O amigo imaginário pode ser um adulto?
É muito mais frequente que seja uma criança, sendo pouco comum que as crianças tenham como amigo imaginário um adulto. Caso isso aconteça, é importante questionar com a criança o que ela traz no discurso, que tipo de brincadeira ela reproduz, qual é o nome deste "amigo". Em alguns casos, a criança traz no discurso o que ela gostaria de fazer com os pais e sente falta. Ter um diálogo aberto ajuda na comunicação da família e aproxima a todos.
Meu filho pede pra eu interagir com o amigo imaginário. O que devo fazer?
Muitos pais se assustam quando isso acontece. Entretanto, como já foi mencionado, isso é algo natural e desta forma deve ser tratado com tranquilidade. Converse com a criança, perguntando características do amigo imaginário e entre na brincadeira sem interferir. É um momento de transição onde a criança se utiliza deste objeto para lidar com as suas próprias questões até que ela se sinta capaz para lidar com o mundo externo sem precisar mais deste recurso. Procure não repreender nem dizer que não existe pois isso pode deixar a criança confusa.
É comum que a criança tenha mais que um amigo imaginário?
Sim! Pode ser tanto um amigo imaginário, que signifique para ela outra criança, quanto objetos e brinquedos que podem ser utilizados como tal, como é o caso de crianças, que por exemplo utilizam bichos de pelúcia onde cada um é representado por uma personalidade diferente que expressam as emoções da criança.
Devo incluir a escola nesse processo?
Sempre é importante que a família e a escola conversem entre si para verificar se o que acontece em casa também se reproduz na escola. Algumas crianças levam para a escola o amigo imaginário que acaba participando das atividades, quando a professora está aberta para propiciar tal interação. Agindo com naturalidade, fica sempre mais fácil para todos. O único cuidado que se tem que ter é que a escola deve sempre ajudar a criança nas interações sociais, evitando o isolamento social da criança.
Por quanto tempo é considerada normal a existência desse amigo?
O tempo pode variar. Em geral, a criança tem amigos imaginários até os sete anos de idade e os mesmos podem desaparecer a qualquer momento. Com o aumento da idade, a maturidade da criança vai dando a segurança necessária para que ela se sinta capaz de lidar com as suas questões sem necessitar mais de algo que faça essa transição do imaginário para o real. O importante é deixar que a criança faça essa transição de forma natural sem interferência ou julgamentos.
Leia mais
Vanessa Martini é mãe do Theo e jornalista. Tem um blog, o Mãezinha Vai Com As Outras, onde divida a rotina e os aprendizados da maternidade. Escreve semanalmente sobre o assunto em revistadonna.com.