Para marcar a celebração das seis décadas de vida e quatro de carreira televisiva e musical de Maria da Graça Meneghel, convidamos mulheres especialistas em diferentes áreas para comentar o impacto da figura de Xuxa.
A pessoa certa, no momento certo
Xuxa estreou na TV em 1983, no comando do Clube da Criança, na extinta TV Manchete. O sucesso foi tanto que rendeu a gravação de um disco e carimbou o passaporte da loira para a TV Globo. Em 1986, passou a comandar o Xou da Xuxa, que mantinha a fórmula genuína do Clube. Com a mesma essência produzida no Brasil, fez sucesso na Argentina (replicado para toda a América Latina), na Espanha e nos EUA. Em países onde Xuxa não invadiu, havia reproduções com cenários iguais e as mesmas músicas traduzidas em diferentes versões.
A professora universitária e doutora em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) Clarice Greco, autora do livro Virou Cult: Telenovela, Nostalgia e Fãs, ressalta que, mesmo que haja aspectos que expliquem o sucesso de um programa, a cultura pop tem sempre um quê de aleatoriedade. Neste caso, a especialista destaca o contexto: estética, formatos de programas típicos dos anos 1980 e alcance da emissora.
– O Xou da Xuxa se encaixava em tudo isso. O formato “variedades” e programas de auditório estavam no auge. A Globo já era líder de audiência e, por consequência, investiu. Os desenhos mais assistidos no mundo eram exibidos no programa da Xuxa, as bandas e os artistas do momento faziam aparições, a parceria com os Trapalhões (que também faziam muito sucesso), os filmes e os discos – pontua.
De acordo com Clarice Greco, esse meio de comunicação era o maior palco do país e do mundo. Os hábitos culturais, em relação à mídia, eram mais enraizados, sólidos:
– O padrão era chegar da escola e ligar a TV. Hoje, a criança ou adolescente pode ver séries no streaming, jogar jogos ou assistir a vídeos curtos e interagir nas redes sociais.
Recordes na música
Apesar de não se considerar cantora e, sim, porta-voz de mensagens que gostaria de passar, a gaúcha é uma das artistas que mais venderam discos no Brasil e no mundo e quebrou recordes.
Em 40 anos de carreira musical, lançou 28 álbuns de estúdio, 13 compilações e oito discos em espanhol, que venderam cerca de 50 milhões de cópias. Na lista dos 10 mais vendidos da indústria fonográfica brasileira, há três álbuns de Xuxa, incluindo Xou da Xuxa 3, no topo, obra que rendeu à apresentadora o registro no Guinness Book, o livro dos recordes, como o álbum infantil mais vendido do mundo.
Com o projeto Xuxa Só para Baixinhos, que tem 13 edições lançadas, a Rainha dos Baixinhos conquistou dois Grammys Latinos, em 2002 e 2003, de Melhor Álbum Infantil, além de outras cinco indicações em diferentes anos.
A produtora musical e cocriadora do projeto XSPB, ao lado de Xuxa, Vanessa Alves, conhecida como Vavá ou Vanynha, ressalta o profissionalismo da gaúcha:
– Quando ela chega ao estúdio, está com a música na ponta da língua e empenhada em dar o melhor. Xuxa vem de uma época em que não existiam muitos recursos, gravava na raça. E sempre de bom humor e disciplinada. Participa das mixagens, soma nas mensagens das letras e opina sobre a vibe das músicas. Cuida até da ordem das canções para fazer sentido para a playlist. Tudo para entregar o melhor ao público.
Sucesso de bilheteria
A exemplo de Elvis, Beatles e Roberto Carlos, Xuxa não demorou a chegar ao cinema. Após participações em filmes dos Trapalhões, (além de Amor Estranho Amor, de 1982), ela virou estrela das próprias produções. Super Xuxa Contra Baixo Astral (1988), de Anna Penido, foi o primeiro.
Na sequência, sob a direção de Tizuka Yamasaki, Lua de Cristal estreou em 1990 e, durante toda aquela década, foi o filme mais assistido do cinema nacional, com cerca de 5 milhões de espectadores.
Para a cineasta, o impacto de Xuxa na indústria do cinema foi importante em diferentes sentidos, especialmente em um período de crise do cinema nacional:
– Os filmes levavam espantosa quantidade de espectadores aos cinemas. Iam as crianças com um adulto. Com filmes da Xuxa duas vezes por ano, o nosso mercado se mantinha em alta, o emprego dos técnicos garantido, e a plateia infantil em franco desenvolvimento, numa época em que a concorrência ameaçava o mercado nacional.
Impacto social
Gabriela Souza, advogada, professora e sócia da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, afirma que pessoas famosas têm alcance gigante e, por isso, não só podem como têm o dever de trazer questões relevantes à esfera social. Segundo ela, Xuxa sempre buscou ter esse impacto, desde quando esteve à frente da Fundação Xuxa Meneghel, por mais de 20 anos, ou em campanhas de vacinação.
A denúncia do assédio sexual foi outro tema importante trazido ao debate no país pela sua voz, desde que revelou, no Fantástico, em 2012, que foi vítima de abuso desde a infância. Gabriela recorda que, na época, a apresentadora foi alvo de críticas severas:
– A sociedade ainda tende a ver a mulher que busca denunciar ou ir atrás de seus direitos como perversa, que sempre tem um objetivo escuso (como querer atenção) ao denunciar. E isso nada mais é do que uma violência sexista. Nem a Xuxa nem nenhuma outra mulher gostaria de denunciar, porque não gostaria de sofrer violência.
Hoje, “Xou da Xuxa” seria cancelado?
A psicóloga Jussara Zanetti, especialista em psicoterapia de orientação analítica, reforça que, atualmente, programas daquela época teriam grande chance de sofrer com a atual cultura do cancelamento. Isso porque determinadas brincadeiras e atitudes seriam classificadas como bullying ou intolerância, além do que a profissional define como uma quase ode à branquitude:
– Nesse contexto entra a escolha das Paquitas, sonho da maioria das meninas brasileiras, em que o padrão de beleza imposto era ser magra, ter cabelos longos e preferencialmente loiros e lisos. Cada ser humano é único, e o respeito a essa individualidade nos torna mais humanos, mais empáticos, mais sociáveis. Outra questão seria o incentivo ao consumismo, com crianças fascinadas e submetidas a uma enxurrada de comerciais.