Conchita Wurst durante a vitória no concurso musical Eurovision
O maquiador e cabeleireiro uruguaio Agustín Fernandez mora em Florianópolis há três anos, mas desde criança gosta de vestir com roupas de mulheres. Muito antes do sucesso estrondoso de Conchita Wurst, o alter ego do cantor austríaco Tom Neuwirth, vencedor do Eurovision, considerado a Copa do Mundo dos concursos musicais, Agustín o rapaz nascido e criado em Punta del Este já brincava com figurinos e maquiagem femininos. O que chama a atenção na personagem do europeu é a barba.
A vitória de Conchita Wurst vem movimentando a imprensa e o público em vários cantos do mundo desde a final do concurso no mês passado. Ao chamar os holofotes para si, o cantor tem como objetivo difundir uma mensagem de tolerância e respeito. Em entrevista ao programa The Gahram Norton Show, exibido pela BBC One, ele comentou o sucesso e a polêmica sobre a "mulher barbuda":
– Esta é a minha verdade, faz-me sentir à vontade em palco. Ser a 'mulher barbuda' diverte-me e expressa o que sinto [...]. Ao longo dos anos tentei encaixar-me, mudei-me e tentei fazer parte do jogo. De repente, percebi que podia criar as minhas próprias regras.
Aos 22 anos, Agustín não tem a pretensão de criar uma personagem. Conchita, ele só conheceu após o Eurovision. A produção que o deixa parecido com a cantora não demora mais do que uma hora. Ela funciona, principalmente, para testes de automaquiagem, uma das especialidades que atraem as clientes ao centro de beleza em que trabalha na capital catarinense:
– Há mais ou menos um ano fiz uma maquiagem de mulher mesmo usando barba. No início, fiquei com receio do preconceito, como as pessoas receberiam. Mas publiquei no Facebook e foram mais de 300 curtidas. Algumas pessoas vieram me parabenizar. E, claro, eu busco transmitir uma imagem que não seja vulgar, somente a beleza como destaque – comenta Fernandez.
A exposição nas redes sociais tem rendido convites à Agustín – além de cliques de "curtir" da própria Conchita. Para o Carnaval carioca, foi convidado para produzir duas integrantes da escola Vila Isabel, que desfilaram junto com a apresentadora Sabrina Sato. Recentemente, recebeu a proposta para posar de mulher para uma estilista de vestidos de noivas.
– Não tenho interesse em fazer shows em boates, por exemplo. Eu quero é desfilar no Donna Fashion (risos). Vestir-se assim é só uma maneira de mostrar meu trabalho, a arte – revela.
Já Conchita Wurst, além de ter conquistado o apoio do povo austríaco, tem recebido elogios de figurões como Elton John e Julio Iglesias. Deve, inclusive, abrir os shows da nova turnê de Lady Gaga.
Para Simone Ávila, doutoranda em Ciências Humanas e pesquisadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (Nigs) da Universidade Federal de Santa Catarina, é importante discutir o assunto.
– Muita gente confunde orientação sexual, que é o desejo/afeto/atraçào por pessoas do mesmo sexo, com identidade de gênero, que é a forma como a pessoa quer ser reconhecida socialmente. Conchita, pelo que aparece na mídia, foi identificada no nascimento como uma pessoa pertencente ao sexo masculino, mas parece querer ser identificada no gênero feminino. Mesmo usando barba, que é um atributo considerado masculino pela nossa sociedade, as pessoas trans causam estranheza justamente porque mexem e questionam a norma binária.
Simone destaca ainda que gênero é uma construção social:
– Um personagem como ela, ao aparecer na mídia, coloca em xeque essa norma e mostra que nem todas as pessoas seguem os padrões impostos, como as pessoas trans e os/as homossexuais, e que devem ter seus direitos assegurados sempre, porque, antes de mais nada, estamos falando de direitos humanos – finaliza a pesquisadora.