— Ele caiu!
— Não brinca! Sério?
— Caiu bem caidinho.
— Quando foi isso?
— Agora mesmo. Peguei o celular e vi.
— Liga a TV! O país deve estar um caos! Onde estão as crianças?
— Na escola, ué. Esqueceu que elas voltaram ao presencial?
— Vou buscar. Pode ser perigoso, melhor ficar todo mundo dentro de casa. Já aproveito e trago água e papel higiênico.
— Papel higiênico não precisa, ainda tem daquele que você comprou no início da pandemia.
— Manda um Whats pra diretora do colégio avisando que eu vou pegar os nossos filhos.
— Mandar Whats de que jeito, se ele caiu?
— Como assim, caiu?
— Eu acabei de falar. Ele caiu.
— Foi o Whats?
— Quem você achou que fosse? O preço da gasolina?
— Esquece. Entendi errado.
— Olha aqui, tá mortinho.
— O meu também. Fica carregando e não acontece nada.
— Ninguém sabe o que houve. É uma crise global.
— Aposto que foram os chineses.
— Caiu na China também.
— Não sei, não. Aí tem. Justo quando eu ia avisar o chefe que o relatório ficou pronto.
— Eu também estava com um vídeo lindo pra encaminhar pra todos os meus contatos. Um com o programa de treinamento do padre Marcelo, os Três Tenores cantando enquanto ele puxa ferro na academia.
— Vou mandar um direct pelo Instagram.
Ficou louco? Se eu ligar, a mãe morre do coração. Vai pensar que aconteceu alguma coisa grave com alguém.
— O Instagram caiu. E o Messenger junto. Melhor passar um e-mail.
— E-mail? Aquela coisa que precisa endereçar e colocar o assunto e depois discorrer sobre ele em várias linhas?
— Isso. Você me mandava quando a gente se conheceu.
— É que já faz tanto tempo... Tô destreinado, nem sei mais começar. Acho que vou passar no escritório.
— É, porque não volta mesmo... Já faz mais de uma hora que caiu.
— Ataque terrorista. Só pode.
— Terror é pensar que eu não posso mais falar com a mãe. Que ela vai ficar lá, sozinha, sem conversar com ninguém. Eu jurei que não ia abandonar a minha mãe na velhice e agora acontece isso.
— Sua mãe tá ótima. Tinha recém me encaminhado um Power Point com orações e fotos do pôr do sol.
— A mãe é muito ativa no Whats. A gente se manda mais de 50 mensagens por dia. Imagina como a coitadinha deve estar se sentindo numa hora dessas. Completamente esquecida.
— Liga pra ela, ora.
— Ficou louco? Se eu ligar, a mãe morre do coração. Vai pensar que aconteceu alguma coisa grave com alguém.
— Quer que eu ligue?
— De jeito nenhum! Ela vai pensar que aconteceu alguma coisa grave comigo.
— Então o jeito é esperar que o zap volte.
— Eu preciso fazer alguma coisa pra passar o tempo. Tô uma pilha!
- Quer deitar um pouquinho? Dar uma namoradinha, de repente...
— Você quer dizer: transar?
— É. Já que não tem Whats.
— Tô tão destreinada. Acho que não sei mais nem começar.
— Já sei. E se a gente baixar o Telegram? Pra poder mandar mensagem enquanto o Whats não volta.
— Foi por isso que eu me apaixonei por você. Sempre tem uma solução nos momentos difíceis!
— Já tô entrando na Apple Store.
— Me espera. Vamos juntos. Não termina antes. Tô conseguindo também. Agora. Pode ir. Fui!
- Aaaaaaaahhhhhhhhhh!