Foi uma série de coincidências e, de repente, eu já não sabia se era ficção ou se estava dentro de uma distopia - lugar, em princípio, irreal, onde se vive como em um pesadelo eterno. Começou com a leitura de A Morte da Terra, de J.H. Rosny Ainé, escritor francês considerado um dos precursores da ficção científica. Pois no distante 1910 o Rosny (desculpe a intimidade, a gente sempre fica próximo dos autores que admira) criou um futuro sem água, a Terra transformada em um imenso deserto. Rios, lagos, mares e, claro, os animais e as plantas, existindo apenas nas lembranças dos sobreviventes de um planeta chacoalhado por terremotos. Mas um jovem, e sempre tem um jovem que não se entrega, teimou em achar que a Terra poderia voltar a ser fértil. Fico por aqui para não dar spoiler, o livro está nas livrarias para quem quiser saber se a esperança venceu o pessimismo do Rosny.
Pensar que um dia a terra, a floresta, a água, os bichos, a natureza como um todo virasse prioridade para quem depende dela já era uma ideia que beirava a utopia, nesses tempos em que importam mais os interesses políticos e econômicos.
Depois foi Bacurau. Quem já viu sabe que a história se passa alguns anos à frente, mas a cidadezinha que dá nome ao filme existe hoje mesmo em muitos pontos do país. Bacurau sumiu do mapa, muitos povoados da vida real talvez nem figurem nele. O problema de seus habitantes, a falta de água por tramoia de um prefeito que nem parece inventado, revela-se bem maior e acaba em um embate do qual nada se pode falar por causa dele, o spoiler.
E então veio Os Mortos Não Morrem, o novo filme do diretor Jim Jarmusch, que não tem sido bem recebido por aí - os críticos, com todo o respeito, nem sempre são seres muito humorados. É uma trama de zumbis que questiona, mas sem se levar nada a sério, quem são os verdadeiros mortos-vivos, os que levantam da tumba ou nós, que vivemos com o celular na mão, consumindo qualquer novidade sem, no mais das vezes, necessidade. O curioso é que foi um fenômeno sofrido pela Terra a causa da invasão zumbi. Só para dar vontade, olha o elenco que o Jim (desculpe a intimidade, a gente sempre fica próximo dos artistas que admira) reuniu: Tilda Swinton, Bill Murray, Adam Driver, Tom Waits, Iggy Pop, Chloë Sevigny, Danny Glover, Selena Gomez, Steve Buscemi, Caleb Landry Jones e mais, muito mais.
O livro e os dois filmes vieram em sequência e dos três saí com aquela sensação de, ufa, ainda bem que é tudo ficção. Então o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, registrou 1.514 focos de queimadas em setembro no conjunto da Amazônia. E era apenas dia 2. Sabe-se lá que números o sistema, que tem atualização diária, estará apresentando quando a coluna for publicada. Isso apesar do decreto que proibiu queimadas na Amazônia Legal por 60 dias. Aliás, segundo o Greenpeace, as queimadas mais do que dobraram no dia da assinatura do decreto. Alguém aí falou em retaliação?
Pensar que um dia a terra, a floresta, a água, os bichos, a natureza como um todo virasse prioridade para quem depende dela já era uma ideia que beirava a utopia, nesses tempos em que importam mais os interesses políticos e econômicos. Mas daí a imaginar que a coisa evoluiria para a distopia, nem nos piores pesadelos. Só resta torcer para que o elenco saia vivo no final.
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Servicinho rápido. A escritora Paula Taitelbaum lança dois livros infantis neste 7 de setembro: Poupou, que mostra a bicharada vivendo sem abusar dos recursos que tem, e Ora Bolas, que fala de tolerância. Às 15h, na Casa Guandu (Rua Mata Bacelar, 52). E para os seguidores da tese do quem dança seus males espanta, a festa Balonê, em que gerações inteiras já se acabaram na pista, completa 18 anos neste sábado. E promete não deixar pedra sobre pedra. A partir das 22h, no bar Ocidente (Av. Osvaldo Aranha, 960).