* Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Tem sido o assunto nos últimos dias: a saída dos britânicos da União Europeia. Vocês têm lido, aqui na Zero Hora, vários enfoques e análises. Eu, claro, puxo o tema para minha praia, a comida. O Brexit, como sabemos, vai alterar o tabuleiro da geopolítica atual. O que não significa, contudo, que uma barreira intransponível será erguida entre a ilha e o continente. Mas falemos de isolacionismo na gastronomia, hipoteticamente.
A cozinha britânica passou séculos gozando de péssima fama. Motivo? Receitas pesadas, pouco frescor, apresentações descuidadas. Nada parecia animador. Em especial durante a II Guerra, e durante os anos que a sucederam, comer na Inglaterra tinha mais a ver com sobrevivência do que com prazer. Tudo era racionado, nada era bem preparado. Vem particularmente daquele período o estigma de “túmulo da gastronomia” que perseguiu os súditos de Her Majesty.
O que ajudou a elevar o país – e Londres, especificamente – à condição de um dos melhores destinos para quem tem apetite? 1) De um lado, a diversidade étnica. A riqueza dos curries indianos, dos kebabs, dos mercados com produtos da África, da Ásia... Inúmeras comunidades de imigrantes abrindo restaurantes e difundindo tradições – muito além do fish & chips e do roast-beef. 2) De outro, a preciosa contribuição gastronômica trazida por chefs franceses, como Pierre Koffmann, Raymond Blanc e os irmãos Albert e Michel Roux. Sua influência foi determinante na formação técnica de cozinheiros que viriam a se tornar astros, como Marco Pierre White, Gordon Ramsay e Marcus Wareing. Fora isso, é evidente que a união de chefs e de formadores de opinião, mais o engajamento do público, também ajudaram a mudar todo um cenário nos últimos vinte anos. Um caldo de cultura que criou condições para o surgimento de figuras como Jamie Oliver, Nigella Lawson e Nigel Slater. E originou uma riquíssima linhagem de livros, programas de TV, eventos, todos difusores de boas práticas à mesa. E isso é mérito dos britânicos.
Como se vê, ninguém faz sozinho uma revolução. É preciso extrapolar as fronteiras – entre territórios, gostos, crenças, costumes.