Está frio lá fora, seu pai o acorda às 5h e o manda direto para o banho. A ordem é levantar da cama e se preparar para carregar uma banheira para o meio de uma floresta, a fim de deitar dentro dela, entre as árvores, para ficar deslumbrado com a natureza. Esse momento inusitado mora nas lembranças da adolescência de Michael Rianda, diretor de A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas. Muito dessa loucura vivida está nos personagens — e nos próprios parentes protagonistas — da animação que estreou nesta sexta-feira (30) na Netflix.
Se não fosse por uma batalha épica entre humanos e robôs, o desenho seria autobiográfico. Rianda, em entrevista a GZH, diverte-se até hoje ao lembrar os causos de sua família na Califórnia, Estados Unidos. Por ser sua primeira animação, o roteiro foi desenvolvido de forma solta — e uma certa dosagem foi necessária nos bastidores, ele confessa:
— Tivemos de tirar algumas situações do filme que, mesmo inspiradas em fatos reais, eram tão malucas no roteiro que eu falava: “Meu Deus, a gente era insano mesmo” (risos). Eu e meu pai fazíamos muitas coisas diferentes, ele com a natureza e eu com filmes, mas tínhamos a mesma energia maluca.
A relação dos dois pode ser vista entre Rick, o pai líder dos Mitchell, e Katie, a protagonista do desenho. Após ter crescido sendo julgada pelos colegas por ser muito criativa, a jovem é aceita em uma importante faculdade de cinema da Califórnia, que fica do outro lado do país. Depois de um novo embate familiar, Rick decide cancelar a passagem de avião da filha e recruta toda a família para levá-la até a instituição, em uma viagem de despedida.
A instabilidade entre os dois personagens é sensível e reforça um importante diálogo sobre gerações.
— Pais têm uma tendência a achar que a vida de crianças e jovens é simples, e que as crianças devem ser felizes e satisfeitas com o que têm. Os jovens crescem e não são mais um reflexo deles. Tem de ocorrer uma balança: é seu filho, mas é uma pessoa. Queríamos que o Rick percebesse o valor que era ter essa relação com a Katie — analisa Rianda.
Mudança de planos
O conflito geracional, no entanto, fica em segundo plano com a problematização do desenho. A caminho da Califórnia, os Mitchell são surpreendidos por um ataque de robôs da Pal, uma empresa fictícia do Vale do Silício que foi tomada por um celular maligno. Os quatro cantos do planeta entram em um verdadeiro caos, já que todos os celulares, notebooks e outros gadgets têm o sistema operacional da empresa tecnológica.
Após se esconderem em uma loja de conveniência, a família parte até a matriz para desativar as máquinas. Eis que a grande reflexão da animação é entregue para o espectador: qual é o limite da tecnologia? Rianda tem sua teoria, demonstrada de forma clara na produção.
— Tecnologia nos ajuda e nos aproxima de familiares que moram longe, mas eu também posso ficar no Instagram por horas e pensar: “Para onde minha vida está indo?”. Essas companhias estão apenas preocupadas em monetizar nossa atenção, e isso pode ser ruim. Tudo depende de nós, então temos duas boas versões no final do filme — adianta o cineasta, que ficou conhecido por atuar e roteirizar a série Gravity Falls.
Com produção de Phil Lord (de Homem-Aranha no Aranhaverso) e Christopher Miller (Uma Aventura Lego), A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas nos lembra de um mandamento básico para viver bem: tudo é questão de equilíbrio
— Só não é preciso ser como o meu pai, que quebra todos os celulares que o presenteamos (risos). Não dá para se render a toda e qualquer tecnologia, a comunicação é a base de tudo, então temos de encontrar uma balança aí no meio — finaliza o diretor.