Decerto que a nova novela das 19h é deveras pertinente e instigante. Quem acompanha O Tempo Não Para já deve ter incorporado ao vocabulário algumas destas palavras do século retrasado. Pudera, é impossível não se envolver com as confusões de uma família de 1886 perdida em meio aos avanços de 2018. Sucesso de público e crítica, a história de Mario Teixeira é muito mais do que uma comédia das sete. Há ingredientes certeiros que, juntos, formam uma história muito à frente do seu, do meu e do nosso tempo.
Críticos de ontem e de hoje
O mais interessante em O Tempo Não Para é a crítica social sutil, mas nem tanto, presente na trama. Os congelados, em um misto de inocência e incredulidade, são os melhores críticos da sociedade atual. Vindos de outro século, eles percebem que muita coisa mudou e outras, só pioraram.
Entre o deslumbre com as novas tecnologias e a indignação com as mazelas brasileiras, os personagens tocam em feridas dolorosas.
"Que abolição é esta?"
Um dos casos mais emblemáticos foi a percepção de Dom Sabino (Edson Celulari) a respeito da abolição da escravatura — ocorrida dois anos depois do naufrágio que o vitimou.
— Ninguém pensou no destino dos libertos. Tudo mudou para continuar a mesma coisa. Que abolição é esta? — constatou ele, sabiamente.
Ele não compreende como o "bom e nobre" Eliseu (Milton Gonçalves) precisa puxar uma carroça para sobreviver. Eliseu é um pai de família batalhador, que trabalha como catador de lixo, situação comum para muitas pessoas. Para o magnata do século 19 é um absurdo que um homem tenha de "servir como animal de tração, como se fosse um cavalo ou um boi". É, Dom Sabino, ninguém é capaz de explicar coisas como estas...
Os congelados são críticos também quando o assunto é a política atual. Em uma conversa com Marocas (Juliana Paiva), Miss Celine (Maria Eduarda de Carvalho) se mostra chocada com a falta de educação dos políticos, após ver na TV que alguns se atacavam e se agrediam fisicamente em pleno Congresso Nacional. Nem nós, que somos deste século, somos capazes de entender.
Surreal, mas e daí?
A premissa de O Tempo Não Para, por mais absurda que seja, foi tão bem construída que quase nos faz acreditar que sim, seria possível ficar congelado por mais de 100 anos e despertar como se nada tivesse acontecido. Não há história que não possa ser inventada na teledramaturgia, desde que seja bem contada. E é justamente aí que Mario Teixeira acerta em cheio.
Na novela, os congelados surpreenderam até mesmo a experiente cientista Petra (Eva Wilma), especialista em criogenia (estudo da produção de temperaturas muito baixas e de seus fenômenos). Ela não tem uma explicação lógica para o fenômeno, por isso mesmo, insiste em manter os sobreviventes sob seus cuidados, para que possa estudá-los como se fossem ratinhos de laboratório.
De tão surreal, a história de Dom Sabino e sua família é questionada por alguns personagens, como Betina (Cleo), ex-noiva de Samuca (Nicolas Prattes). E, logo no início da trama, foram necessárias várias provas para que os mais céticos se certificassem de que, sim, era possível sobreviver em blocos de gelo por mais de um século.
Convincente
As sequências em que a Dra. Petra e seus funcionários foram chegando, aos poucos, à conclusão de que os congelados vieram de 1886 foram essenciais para fazer o público acreditar nesta história. Roupas e tecidos do século 19, marcas de chibatadas nas costas dos negros, ausência de anticorpos — e de vacinas — ajudaram a montar este quebra-cabeças. Tudo bem coerente, ainda que impossível.
Dom quixote moderno
O grande personagem da trama, sem dúvidas, é Dom Sabino. Um homem justo, com ideias arrojadas para sua época, que vem se adaptando razoavelmente bem aos novos tempos.
Por outro lado, há certas amarras que ele não consegue romper. Sua opinião sobre o papel da mulher na sociedade, por exemplo, é ultrapassada. Para ele, as damas não devem se dedicar ao trabalho braçal, tarefa que caberia aos homens. Discurso antigo, mas, se formos analisar friamente, ainda é proferido por muitos machistas atuais.
Questionador
Dom Sabino é uma espécie de Dom Quixote (personagem criado pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes nos anos 1600) lutando contra gigantes invisíveis, alguém que acredita no melhor do ser humano e questiona tantas atrocidades que nós, seres da modernidade, ignoramos ou nos acostumamos a ver.
Com o seu distanciamento de mais de 100 anos, ele aponta com precisão tudo o que há de errado na sociedade atual. Tudo isto sem o discurso de que "naquela época era muito melhor". Dom Sabino está ciente de que o mundo evoluiu muito e de que certas mudanças foram positivas, mas lamenta o preço que o progresso nos cobra.
Mocinha à frente de seu tempo
Maria Marcolina Sabino Machado, ou Marocas, para os íntimos, teve poucas dificuldades para entender este novo século. Afinal, ela sempre foi à frente do seu tempo, mesmo quando vivia lá no século retrasado. Independente, abolicionista, revolucionária. Marocas não se encaixava no passado, mas não está conseguindo um lugar no futuro.
Apesar das ideias modernas, ela esbarra no machismo de todas as épocas. Primeiro, do pai que não admite a ideia de ver sua filhinha trabalhando fora. E como conseguir um emprego se ela nunca teve uma educação "formal", já que as mulheres de sua época estudavam em casa? Até mesmo Samuca precisa de uns puxões de orelha da amada. Ao tentar tomar "certas liberdades", ouviu da mocinha o óbvio:
— Quando uma pessoa diz que não, é não!
É, Marocas, até hoje as mulheres tentam ensinar esta lição.
Romance para todo lado
Comédia, crítica social, reviravoltas... mas e o amor? Também está no ar, é claro! Há vários casais — ou possíveis casais — que caíram nas graças do público.
A química entre Nicolas Prattes e Juliana Paiva é imbatível. Não à toa, o romance continua na vida real. Entre Samuca e Marocas, a paixão é escancarada. Os contrastes de um rapaz “avançadinho” e uma jovem recatada são gritantes, mas ainda assim, não há convenções que resistam ao amor.
Quem também está beijando muito é Miss Celine. Rejeitada pelos homens de sua época por ser "culta demais", a preceptora (professora) da família Sabino Machado se jogou nos braços de Elmo (Felipe Simas) sem pensar nas consequências.
Mas a torcida é pelo envolvimento de Dom Sabino e Carmen (Christiane Torloni). Desde que ele colocou os olhos na "dama admirável", está na cara que vem romance por aí. Mas há uma Agustina (Rosi Campos), esposa do magnata, no meio do caminho, o que pode complicar as coisas.
Audiência bombando
— No ar há pouco mais de um mês, O Tempo Não Para já é sucesso de audiência. Na Região Metropolitana, a novela teve um crescimento de 23% em comparação com as primeiras semanas da trama anterior, Deus Salve o Rei.
— Média de 680 mil telespectadores por minuto e 931 mil por capítulo.
— Das novelas da sete exibidas desde 2010, O Tempo Não Para só perde, em audiência, para Pega Pega (2017).