Assistir a séries em ritmo de maratona – o chamado binge watching – é um hábito acelerado pelas plataformas de vídeo sob demanda, mas nem todo título é visto de modo compulsivo. A Netflix acaba de fazer um balanço mundial, com recorte do comportamento no Brasil, das séries mais vistas de modo acelerado e das mais consumidas até o fim em prazos mais demorados. O estudo divide os títulos entre "devorados" – quando cada sessão ultrapassa duas horas seguidas de episódios – e "saboreados" – com menos de duas horas por sessão. Constatou-se que os assinantes levam, na média mundial, seis dias para ver uma temporada inteira, o que no Brasil se arrasta por oito dias.
O brasileiro saboreia séries como Grace & Frankie e Breaking Bad – que, no balanço mundial, encabeça a lista de devoradas no gênero suspense –, e devora enredos como Homeland e Bloodline. A mais saboreada aqui, no entanto, é House of Cards – globalmente, é BoJack Horseman. A mais devorada é The Fall, a mesma da lista mundial. No gosto global, Walking Dead abre a lista de terror e Marco Polo, a de ação e aventura. Narcos, mais saboreada que devorada, aparece ao lado de Better Call Saul como "dramas criminais", e Mad Men, como "drama histórico": são gêneros que consomem do público mais tempo de apreciação.
Leia mais
Séries populares na TV aberta ficam restritas a horários da madrugada
Para diretor de "Tropa de Elite" e "Narcos", a televisão se tornou mais interessante que o cinema
A Netflix constatou que um assinante focado em completar uma série assiste a pouco mais de duas horas diárias até terminar uma temporada. Dentro dessa referência, tramas com ação e energia são devoradas, enquanto dramas instigantes e produções históricas são saboreadas.
Para Howard Gordon, criador de Homeland, 24 Horas e Arquivo X, o ato de ver vários episódios em ritmo intenso afeta a absorção do enredo por parte do espectador.
– Eu gostava mais de esperar pela terça seguinte para ver outro episódio – disse Gordon durante o RioContentMarket, em março, no Rio, certo de que cada episódio foi escrito para ser visto com o frescor do olhar. Para ele, a exibição em sequência sufoca a chance de os episódios serem comentados um a um e reduz o tempo de debate em torno daquele conteúdo.
Roteirista de Cidade de Deus, Tropa de Elite e da série A Teia, na Globo, Bráulio Mantovani acha "indelicado" opinar sobre como as pessoas devem assistir a uma série.
– É quase como dizer a elas como devem fazer sexo – diz. – Nenhum escritor pode ter a ilusão de controlar a recepção de sua obra. Como medir se há ou não perda do impacto dramático? Alguém pode argumentar que esperar uma semana entre um episódio e outro esfria a relação com a trama e os personagens. Outros podem pensar o oposto: ver dois ou mais episódios em sequência acaba cansando e você perde detalhes importantes, o que compromete o efeito desejado pelos autores da obra – completa.
Seu ritmo máximo de maratona, conta, foi ver cinco episódios em um dia, das séries The Wire, Breaking Bad e Fargo.
– House of Cards eu vi de dois em dois – relata Mantovani.
Para Newton Cannito, roteirista, cineasta e ex-secretário do Audiovisual, que assinou a série 9 mm, na Fox, o sonho de todo showrunner é conseguir viciar o público para ele assistir uma vez por semana:
– Isso aumenta o tempo que seu consumidor está fidelizado a seu universo. Mas conseguir isso é muito difícil.
Segundo Cannito, é mais fácil conseguir um público que te assista em seguida.
– Um público que fica uma semana esperando continua vivenciando seu universo por meses. Os personagens realmente ficam na mente. O espectador assim fidelizado poderá consumir mais coisas do conteúdo, ler revistas sobre ele, livros, spin-off, e, dependendo do universo, comprar bonecos ou outros subprodutos – opina.
* Estadão Conteúdo