
Rodi Pedro Borghetti é descrito como "um homem refinado" por pessoas ligadas ao tradicionalismo que fizeram parte de seu convívio. Borghettão, como costumava ser chamado, morreu na madrugada desta terça-feira (18), aos 92 anos, deixando uma marca de gentileza, abertura ao diálogo e amor pela cultura do Estado.
Pai do músico Renato Borghetti e do produtor Marcos Borghetti, Rodi foi um dos precursores do tradicionalismo gaúcho. Ele esteve à frente do 35 CTG como patrão durante sete gestões, presidiu o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) em dois mandatos e criou a Confederação Brasileira de Tradição Gaúcha.
Era um tradicionalista de carteirinha, mas, como lembra Elton Saldanha, nada tinha a ver com o estereótipo do "gaúcho grosso". Borghettão é definido como um homem sensível e de ideais modernos, ainda que apaixonado pela tradição.
— Ele era um gentleman, uma pessoa elegante, educada e aberta ao diálogo. Sempre que esteve à frente de entidades, destacou-se pela capacidade de conversar com os extremos. A gente via nele alguém que escutava a todos e tinha bom senso para mediar as situações, um líder nato — afirma Elton Saldanha, que trabalhou com Borghettão na gestão do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore.
Incentivo a Borghettinho
Para o artista, um bom exemplo do caráter flexível do amigo está na carreira de Renato Borghetti, que inaugurou uma vertente moderna da música tradicional gaúcha.
— O lançamento do Renato como um jovem inovador e revolucionário se dá pelo incentivo e financiamento do Rodi, mesmo ele sendo ligado a uma entidade conservadora, o MTG. E o Renato, ao ser apoiado pelo pai, teve aquela explosão nacional e abriu portas para vários outros artistas que também buscavam trazer inovações para a música tradicional. Aí entram nomes como Daniel Torres, Neto Fagundes e eu próprio — comenta Saldanha.
A cantora e radialista Malu Benitez defende que Borghettão foi um dos responsáveis pela consolidação da música nativista, vertente que, no entendimento dela, caracteriza-se pela modernização dos ritmos tradicionais gaúchos.
Ela lembra que, como patrão do 35 CTG, em meados dos anos 1970, o pai de Renato Borghetti era receptivo e costumava oferecer o espaço da entidade para novos artistas se apresentarem. Segundo Malu, o apoio era fundamental, pois, à época, havia poucos palcos dedicados a esse tipo de música em Porto Alegre.
— Ele organizava as tradicionais penhas do 35, noites folclóricas nas quais a gente cantava, declamava e tinha oportunidade de se manifestar artisticamente. O 35 acabou se tornando o point dos artistas que bebiam na fonte do tradicionalismo, mas não faziam exatamente a música de baile. Por ali passavam nomes como Jayme Caetano Braun, Noel Guarany e vários outros — diz Malu.
Acolhimento
Para alguns, o acolhimento de Borghettão se estendeu também à intimidade do lar. Neto Fagundes recorda que, quando veio para Porto Alegre, encontrou na casa do tradicionalista uma espécie de família emprestada:
— Por ter tocado com o Renato no início da carreira, a casa dele era a minha casa aqui na Capital. Ele sempre teve muito respeito pelas tradições e sempre nos direcionou. A gente era jovem, queria inventar muita coisa, e ele nos orientava, sinalizava quando precisávamos ir com calma. A sensação é de estar perdendo alguém da minha família.
Junto de Nico Fagundes, tio de Neto e líder do conjunto musical Os Fagundes, Rodi Borghetti criou a confraria dos Cavaleiros da Paz. A proximidade dos dois estreitou a relação das famílias, que passaram a conviver de maneira contínua.
Ernesto Fagundes, sobrinho de Nico e irmão de Neto, lembra com carinho do cumprimento gaudério que era a marca registrada de Borghettão. O músico também cita a cordialidade como caaracterística predominante do tradicionalista.
— A imagem dele que ficará eterna é a do gaúcho educado. O autêntico gaúcho é uma pessoa respeitadora e gentil, e ele era assim: um gaúcho de finesse, que nos deu de presente dois filhos que são o orgulho da nossa cultura. O Marcão, um baita produtor, que levou a carreira do seu irmão ao mundo, e o Borghettinho, esse símbolo da gaita gaúcha.
Construção da sede do 35 CTG
Diretor artístico do 35 CTG, Henrique Arruda diz que o legado deixado por Rodi Pedro Borghetti, além de simbólico, é também físico. Como patrão da entidade, ele foi o responsável pela construção do galpão que abriga o CTG desde meados da década de 1960, na esquina da Avenida Ipiranga com a Rua 18 de Setembro, no bairro Jardim Botânico.
À época, Borghettão foi pessoalmente pedir ao governador do Estado um espaço que pudesse abrigar definitivamente o 35, até então sediado provisoriamente em diferentes locais da cidade. Em entrevista concedida a Zero Hora em 2023, Borghettão relembrou o episódio da construção do galpão:
— Fiquei 10 anos envolvido com a construção da sede do 35. Foi uma luta, pois não tínhamos recurso nenhum. A gente se botou a trabalhar, fazer festa, fazer jantares, vender coisas, tudo para conseguir dinheiro. Envolvi minha mulher, envolvi meus filhos. Passávamos a semana toda em função do 35.
Comprometimento
Conforme Henrique, Rodi se manteve envolvido com o 35 CTG até o fim da vida. Nos últimos anos, com o avançar da idade, a presença física do tradicionalista tornou-se mais rara, mas ele permaneceu ligado aos assuntos da entidade.
— Nos últimos dois anos, ele estava saindo pouco, mas continuou sempre prestativo, sempre disposto a ajudar o CTG. Era um homem humilde, solícito e muito apaixonado pela cultura gaúcha. Sempre incentivava as gerações mais jovens e demonstrava preocupação com a continuidade das tradições — diz Henrique, que esteve na residência de Borghettão em meados do ano passado.
Para o presidente do MTG, Alessandro Gradaschi, Borghettão será lembrado pelo comprometimento com o tradicionalismo.
— Ele deixa muitos ensinamentos, mas o mais importante é a dedicação em preservar a cultura gaúcha. O legado dele ficará marcado por várias e várias gerações.