Rodrigo Trespach (*)
Em agosto de 1822, dias antes do Grito do Ipiranga, José Bonifácio, o principal conselheiro de dom Pedro I, despachou o major Schaeffer para a Alemanha. Schaeffer, que tinha 43 anos, nascera na Baviera, era médico, tinha doutorado e percorrera o mundo em viagens exploratórias. Chegara ao Brasil em 1818 e se tornara amigo de dona Leopoldina. Oficialmente, sua missão era entregar cartas ao sogro de dom Pedro, em Viena.
A incumbência secreta do alemão nas cortes germânicas, no entanto, tinha como objetivo conseguir agricultores, artesãos e soldados para criação de colônias “rural-militares” no país. O projeto tinha como objetivo desenvolver o minifúndio e dar início ao processo de industrialização do país tendo como exemplo a mão de obra livre, com famílias de camponeses europeus. Os imigrantes solteiros serviriam como soldados por um tempo determinado, auxiliando o Brasil na luta iminente pela independência.
Bonifácio estava interessado no abolição da escravatura e no crescimento econômico do país. Dom Pedro tinha maior interesse nos militares. Em uma carta de 1824, destinada à Schaeffer, o imperador escreveu: “A imperatriz já lhe mandou de minha parte encomendar mais 800 homens para soldados, agora eu lhe ordeno que em lugar de colonos casados mande mais 3 mil solteiros para soldados. O ministro dos Negócios Estrangeiros lhe mandou dizer que não mandasse mais, mas eu quero que os mande”.
Os soldados vieram em grande quantidade. Pelo menos 2,7 mil alemães formaram quatro batalhões. Um deles, o 27º de Caçadores, lutou na batalha de Passo do Rosário, em 1827, na fronteira gaúcha, durante a Guerra Cisplatina.
Nascido em Santos, em 1763, Bonifácio foi um dos maiores nomes da história política nacional. Depois da educação primária no Brasil, concluiu os estudos jurídicos em Coimbra, Portugal, onde também estudou Filosofia e Matemática. Como membro da Academia de Ciências de Lisboa viajou pela Europa durante uma década, pesquisando e conhecendo os grandes nomes da ciência da época. Escreveu e publicou artigos em diversas línguas, em vários jornais, de associações e sociedades do qual era correspondente. Com o tempo, passou a ser reconhecido internacionalmente como um dos maiores geólogos do mundo.
Ao retornar à terra natal, em 1819, dedicou-se à política. Às vésperas da independência, escreveu sobre a organização administrativa do Brasil. Tinha ideias inovadoras: pretendia extinguir os latifúndios, incorporar os indígenas à sociedade e abolir a escravidão – “Todo cidadão que ousar propor o restabelecimento da escravidão e da nobreza será imediatamente deportado”, escreveu. Levantou a bandeira da criação de uma universidade de Direito e de uma capital no interior do país. Imaginava estabelecer uma colônia com alemães no exato lugar onde Brasília seria construída um século e meio mais tarde.
Em 1822, quase ao mesmo tempo em que enviava Schaeffer a Europa, começou estruturar o país em um modelo mais eficiente de administração. A fim de moralizar o serviço público e salvar o erário nacional, baixou uma portaria proibindo acumulação de cargos públicos, exigindo prova de assiduidade para pagamento dos salários. Descreveu também regras para emissão de passaportes para estrangeiros e despachos de navios, e até mesmo o cerimonial e o uso de uniforme no corpo diplomático. Designou agentes consulares para Buenos Aires e Washington.
Sua influência sobre o jovem imperador, porém, durou pouco tempo. Em 1823, seu projeto constitucional foi desconsiderado. Preso, foi enviado para o exílio. Mesmo sem Bonifácio, a imigração alemã continuou até o corte de gastos com o projeto, em 1830.
Durante o Primeiro Reinado, todo o Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, havia sido ocupado pelos germânicos (as famílias de colonos que haviam chegado primeiro e os soldados, depois de desmobilizados). São Leopoldo prosperou e inúmeros outros núcleos coloniais surgiram nas proximidades. Em 1826, duas colônias com alemães foram instaladas no litoral gaúcho.
Dos mais de 11 mil alemães angariados por Schaeffer nesse período, cerca de 5 mil se estabeleceram em São Leopoldo e alguns, em Nova Friburgo (RJ). O restante, quase todos soldados, se dispersaram pelo país ou retornaram à Europa. Após a criação das colônias gaúchas, com base no projeto de Bonifácio, iniciado em 1822, surgiram outros núcleos coloniais no país: em São Paulo (1827), Santa Catarina e Paraná (1829). As levas seguintes de imigrantes viriam em um outro contexto.
(*) Historiador e escritor, autor do livro “1824” (Citadel, 2023)